quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Curvo Semedo: "5 Poemas"

O GALO E A PÉROLA

Num monturo, engravatando,
Formoso galo aguerrido
Acha uma pérola fina
Qu'havia um nobre perdido.
Por três vezes a escoucinha
Sem nela querer pegar;
À quarta, erguendo-a no bico,
Se põe a cacarejar.
Vêm logo algumas galinhas
Cuidando qu'era algum grão;
Mas vendo a pérola, tristes
Vão-se, deixando-a no chão.

Acaso passa um ourives,
E, apanhando-a, alegre diz:
"É uma pérola fina!
Que belo achado que fiz!"
"Homem", lhe pergunta o galo,
"Tanto essa joia merece?
Pois eu, por um grão de milho
Te dera mil, se as tivesse".

Pérola em poder de galo,
Que lhe não sabe o valor,
É como entre as mãos dum néscio
As obras de um sábio autor.



A LEBRE E A TARTARUGA
(FÁBULA)

“Apostemos, disse à lebre
A tartaruga matreira,
Que eu chego primeiro ao alvo
Do que tu, que és tão ligeira!”

Dado o sinal da partida,
Estando as duas a par,
A tartaruga começa
Lentamente a caminhar.

A lebre tendo vergonha
De correr diante dela,
Tratando uma tal vitória
De peta ou de bagatela,

Deita-se, e dorme o seu pouco;
Ergue-se, e põe-se a observar
De que parte corre o vento,
E depois entra a pastar;

Eis deita uma vista de olhos
Sobre a caminhante sorna,
Inda a vê longe da meta,
E a pastar de novo torna.

Olha; e depois que a vê perto,
Começa a sua carreira;
Mas então apressa os passos
A tartaruga matreira.

À meta chega primeiro,
Apanha o prêmio apressada,
Pregando à lebre vencida
Uma grande surriada.

Não basta só haver posses
Para obter o que intentamos;
É preciso pôr-lhe os meios,
Quando não, atrás ficamos.

O contendor não desprezes
Por fraco, se te investir;
Porque um anão acordado
Mata um gigante a dormir.



MORREU BOCAGE, SEPULTOU-SE EM GOA

Morreu Bocage, sepultou-se em Goa!
Chorai, moças venais, chorai, pedantes,
O insulso estragador dos consoantes.
Que tantos tempos aturdiu Lisboa!

Por aventuras mil obteve a c′roa
Que a fronte cinge dos heróis andantes;
Inda veio de climas tão distantes
Á toa vegetar, versar á toa:

Este que vês, com olhos macerados,
Não é Bocage, não, rei dos brejeiros.
São apenas seus olhos descarnados:

Fugiu do cemitério aos companheiros;
Anda agora purgando seus pecados
Glosando aos cagaçais pelos outeiros.



O VELHO, O RAPAZ E O BURRO

 “O mundo ralha de tudo,
Tenha ou não tenha razão,
Vou contar-vos uma história,
Em prova desta asserção.
Partia um velho campônio,
Do seu monte ao povoado,
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado.
Encontra uns homens que dizem
"Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz que é forte,
E o velho trôpego a pé".
"Tapemos a boca ao mundo",
disse o velho: "Rapaz,
Desce do burro qu'eu monto,
E vem caminhado atrás".
Monta-se ,mas ouve dizer:
"Que patetice tão rata!
O tamanhão de burrinho
E o pobre pequeno à pata!"
"Eu me apeio!" diz prudente,
o velho de boa fé.
"Vá o burro sem carrego
E vamos ambos a pé!"
Apeiam-se e outros dizem
"Toleirões, calcando lama,
De que lhes serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?"
"Rapaz", diz o bom do velho,
Se de irmos a pé murmuram
Ambos montemos no burro
A ver se inda nos censuram".
Montam, mas ouvem de um lado
"apeiem-se almas de breu!
Querem matar o burrinho,
Aposto que não é seu?"
"Vamos ao chão" diz o velho,
que já não sei o que fazer!
O mundo está de tal sorte,
que não se pode entender.
É mau se monto no burro,
Se monta o rapaz, mau é.
Se ambos montamos é mau,
É mau se vamos a pé:
De tudo nos têm ralhado,
Agora que mais nos resta?
Peguemos no burro às costas,
Façamos ainda mais esta!"
Pegam no burro: o bom velho
Pelas mãos o ergue do chão:
Pega-lhe o rapaz nas pernas
E assim caminhando vão.
"Olhem dois loucos varridos!"
Ouvem com grande sussurro.
"Fazendo o mundo às avessas,
tornados burros do burro!"
O velho, então, pára e exclama,
"Do que observo me confundo,
Por mais qu'a gente se mate,
Nunca tapa a boca ao mundo!
Rapaz, vamos com dantes,
Sirvam-nos estas lições!
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações".



MACARRÃO

É grosso, longo e furado,
Pinga mas não se derrete,
Enxuto e duro se mete, Tira-se mole e molhado;
É à cobra assimilhado,
Mas tem seu quê com a espiga;
Penetra até à barriga,
Sacia a vontade à gente;
Porém ser cousa indecente,
Não se creia nem se diga.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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