NA REDE
Nas horas
ardentes do pino do dia
Aos
bosques corri;
E qual
linda imagem dos castos amores,
Dormindo e
sonhando cercada de flores
Nos
bosques a vi!
Dormia
deitada na rede de penas
- O céu
por dossel,
De leve
embalada no quieto balanço
Qual nauta
cismando num lago bem manso
Num leve
batel!
Dormia e
sonhava - no rosto serena
Qual um
serafim;
Os cílios
pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa
brincando nos soltos cabelos
De fino
cetim!
Dormia e
sonhava - formosa embebida
No doce
sonhar,
E doce e
sereno num mágico anseio
Debaixo
das roupas batia -lhe o seio
No seu
palpitar!
Dormia e
sonhava - a boca entreaberta,
O lábio a
sorrir;
No peito
cruzados os braços dormentes,
Compridos
e lisos quais brancas serpentes
No colo a
dormir!
Dormia e
sonhava - no sonho de amores
Chamava
por mim,
E a voz
suspirosa nos lábios morria
Tão terna
e tão meiga qual vaga harmonia
De algum
bandolim!
Dormia e
sonhava - de manso cheguei-me
Sem leve
rumor;
Pendi-me
tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro
da brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe
de amor!
Ao hálito
ardente o peito palpita...
Mas sem
despertar;
E como nas
ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem
na rede corando e sorrindo...
Beijou-me
- a sonhar!
PRIMAVERAS
Primavera! juventud del anno,
Mocidad! primavera della vita.
METASTASIO
I
A
primavera é a estação dos risos,
Deus fita
o mundo com celeste afago,
Tremem as
folhas e palpita o lago
Da brisa
louca aos amorosos frisos.
Na
primavera tudo é viço e gala,
Trinam as
aves a canção de amores,
E doce e
bela no tapiz das flores
Melhor
perfume a violeta exala.
Na
primavera tudo é riso e festa,
Brotam
aromas do vergel florido,
E o ramo
verde de manhã colhido
Enfeita a
fronte da aldeã modesta.
A natureza
se desperta rindo,
Um hino
imenso a criação modula,
Canta a
calhandra, a juriti arrula,
O mar é
calmo porque o céu é lindo.
Alegre e
verde se balança o galho,
Suspira a fonte
na linguagem meiga,
Murmura a
brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a
rosa: - Como é doce o orvalho!
II
Mas como
às vezes sobre o céu sereno
Corre uma
nuvem que a tormenta guia,
Também a
lira alguma vez sombria
Solta
gemendo de amargura um treno.
São flores
murchas; - o jasmim fenece,
Mas
bafejado s’erguerá de novo
Bem como o
galho do gentil renovo
Durante a
noite, quando o orvalho desce.
Se um
amargo de ironia cheio
Treme nos
lábios do cantor mancebo,
Em breve a
virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um
sorriso e lhe intumesce o seio.
Na
primavera - na manhã da vida -
Deus às
tristezas o sorriso enlaça,
E a
tempestade se dissipa e passa
À voz
mimosa da mulher querida.
Na
mocidade, na estação fogosa,
Ama-se a
vida a mocidade é crença,
E a alma
virgem nesta festa imensa
Canta,
palpita, s’extasia e goza.
AMOR E MEDO
I
Quando eu
te fujo e me desvio cauto
Da luz de
fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo
dizes, suspirando amores:
"Meu
Deus! que gelo, que frieza aquela!"
Como te
enganas! meu amor é chama
Que se
alimenta no voraz segredo,
E se te
fujo é que te adoro louco...
És bela eu
moço; tens amor eu medo!...
Tenho medo
de mim, de ti, de tudo,
Da luz da
sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas
secas, do chorar das fontes,
Das horas
longas a correr velozes.
O véu da
noite me atormenta em dores,
A luz da
aurora me intumesce os seios,
E ao vento
fresco do cair das tardes
Eu me
estremeço de cruéis receios.
É que esse
vento que na várzea ao longe,
Do colmo o
fumo caprichoso ondeia,
Soprando
um dia tornaria incêndio
A chama
viva que teu riso ateia!
Ai! se
abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao
raio que a tormenta envia,
Diz: que
seria da plantinha humilde
Que à
sombra dele tão feliz crescia?
A labareda
que se enrosca ao tronco
Torrara a
planta qual queimara o galho,
E a pobre
nunca reviver pudera,
Chovesse
embora paternal orvalho!
II
Ai! se eu
te visse no calor da sesta,
A mão
tremente no calor das tuas,
Amarrotado
o teu vestido branco,
Soltos
cabelos nas espáduas nuas!...
Ai! se eu
te visse, Madalena pura,
Sobre o
veludo reclinada a meio,
Olhos
cerrados na volúpia doce,
Os braços
frouxos palpitante o seio!...
Ai! se eu
te visse em languidez sublime,
Na face as
rosas virginais do pejo,
Trêmula a
fala a protestar baixinho...
Vermelha a
boca, soluçando um beijo!...
Diz: que
seria da pureza d’anjo,
Das vestes
alvas, do cantor das asas?
Tu te
queimaras, a pisar descalça,
Criança
louca, sobre um chão de brasas!
No fogo
vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e
sedento na fugaz vertigem
Vil,
machucara com meu dedo impuro
As pobres
flores da grinalda virgem!
Vampiro
infame, eu sorveria em beijos
Toda a
inocência que teu lábio encerra,
E tu
serias no lascivo abraço
Anjo
enlodado nos pauís da terra.
Depois...
desperta no febril delírio,
Olhos
pisados como um vão lamento,
Tu perguntaras:
qu’é da minha c’roa?...
Eu te
diria: desfolhou - a o vento!...
***
Oh! não me
chames coração de gelo!
Bem vês:
traí - me no fatal segredo.
Se de ti
fujo é que te adoro e muito,
És bela eu
moço; tens amor, eu medo!...
DESEJO
Se eu
soubesse que no mundo
Existia um
coração,
Que só'
por mim palpitasse
De amor em
terna expansão;
Do peito
calara as mágoas,
Bem feliz
eu era então!
Se essa
mulher fosse linda
Como os
anjos lindos são,
Se tivesse
quinze anos,
Se fosse
rosa em botão,
Se inda
brincasse inocente
Descuidosa
no gazão;
Se tivesse
a tez morena,
Os olhos
com expressão,
Negros,
negros, que matassem,
Que
morressem de paixão,
Impondo
sempre tiranos
Um jugo de
sedução;
Se as
tranças fossem escuras,
Lá
castanhas é que não,
E que
caíssem formosas
Ao sopro
da viração,
Sobre uns
ombros torneados,
Em amável
confusão;
Se a
fronte pura e serena
Brilhasse
d'inspiração,
Se o
tronco fosse flexível
Como a
rama do chorão,
Se tivesse
os lábios rubros,
Pé pequeno
e linda mão;
Se a voz
fosse harmoniosa
Como d'harpa
a vibração,
Suave como
a da rola
Que geme
na solidão,
Apaixonada
e sentida
Como do
bardo a canção;
E se o
peito lhe ondulasse
Em suave
ondulação,
Ocultando
em brancas vestes
Na mais
branda comoção
Tesouros
de seios virgens,
Dois pomos
de tentação;
E se essa
mulher formosa
Que me
aparece em visão,
Possuísse
uma alma ardente,
Fosse de
amor um vulcão;
Por ela
tudo daria...
— A vida,
o céu, a razão!
POESIA E AMOR
A tarde
que expira,
A flor que
suspira,
O canto da
lira,
Da lua o
clarão;
Dos mares
na raia
A luz que
desmaia,
E as ondas
na praia
Lambendo-lhe
o chão;
Da noite a
harmonia
Melhor que
a do dia,
E a viva
ardentia
Das águas
do mar;
A virgem
incauta,
As vozes
da flauta,
E o canto
do nauta
Chorando o
seu lar;
Os
trêmulos lumes,
Da fonte
os queixumes,
E os
meigos perfumes
Que solta
o vergel;
As noites
brilhantes,
E os doces
instantes
Dos noivos
amantes
Na lua de
mel;
Do templo
nas naves
As notas
suaves,
E o trino
das aves
Saudando o
arrebol;
As tardes
estivas,
E as rosas
lascivas
Erguendo-se
altivas
Aos raios
do sol;
A gota de
orvalho
Tremendo
no galho
Do velho
carvalho,
Nas folhas
do ingá;
O bater do
seio,
Dos
bosques no meio
O doce
gorjeio
Dalgum
sabiá;
A órfã que
chora,
A flor que
se cora
Aos raios
da aurora,
No albor
da manhã;
Os sonhos
eternos,
Os gozos
mais ternos,
Os beijos
maternos
E as vozes
de irmã;
O sino da
torre
Carpindo
quem morre,
E o rio
que corre
Banhando o
chorão;
O triste
que vela
Cantando à
donzela
A trova
singela
Do seu
coração;
A luz da
alvorada,
E a nuvem
dourada
Qual berço
de fada
Num céu
todo azul;
No lago e
nos brejos
Os
férvidos beijos
E os
loucos bafejos
Das brisas
do sul;
Toda essa
ternura
Que a rica
natura
Soletra e
murmura
Nos
hálitos seus,
Da terra
os encantos,
Das noites
os prantos,
São hinos,
são cantos
Que sobem
a Deus!
Os
trêmulos lumes,
Da veiga
os perfumes,
Da fonte
os queixumes,
Dos prados
a flor,
Do mar a
ardentia
Da noite a
harmonia,
Tudo isso
é - poesia!
Tudo isso
é - amor!
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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