terça-feira, 17 de novembro de 2015

Carmem Freire (Baronesa de Mamanguape): "5 Poemas"

A LÁGRIMA

Nascida na ternura ou na tristeza
Límpida gota dos orvalhos d’alma
Tu, lágrima saudosa, muda e calma,
Que força enorme tens nessa fraqueza?

Possuis mais que o poder da realeza,
Quando és filha da dor que o pranto acalma,
E, qual gota de orvalho em verde palma
À pálpebra chorosa ficas presa!

Estrela da saudade, flor de neve,
Que o vento da tristeza faz  brotar,
Amo o teu brilho nessa luz tão breve

De breve globo teu… imenso mar
Cujos fundos arcanos não se atreve
Nem se atreveu ninguém jamais sondar!





NO DESERTO

Esperar?... para quê? Com o sol expira
A esperança que tínhamos no dia,
E é tão longa, tão lôbrega, tão fria
A noite em que a alma incrédula suspira!

O desengano toda a fé retira
Dos corações, enchendo-os de agonia...
Bendito aquele que inda se alumia
Da crença á doce e perfumada pira.

Passam-se os dias, para o céu levanto
Os olhos cheios da maior tristeza
E as minhas preces úmidas de pranto

Mas a voz do infeliz tem tais raízes
Que, dentro da garganta fica presa,
E Deus escuta apenas os felizes.



MÁRTIR

Nas longas agonias, que ela oculta
Nos sorrisos forçados da tristeza,
Raros podem julgar! Pomba indefesa
Cujas dores o riso alvar insulta!

Ninguém da magoa que em sua alma avulta
Pode sequer medir qual a grandeza:
Tem por caminho aspérrima deveza,
Por herdade a charneca vil, inculta!

Vazia a sala onde senti que a amava;
Sua alcova sem leito, erma, vazia!...
Somente a solidão me acompanhava.

Onde viveste, ó santa, que a bondade
Toda resumes! hoje, quem diria?
Vive o negro fantasma da saudade.



ILUSÃO

Já louco que fui! Prendi-me á chama ardente
Da viva luz que o teu olhar inunda,
Mas hoje creio que paixão profunda
Dá-la não pode quem amor não sente.

Bem sei que julgas que a paixão fremente
Pode esquecer-se; mas quando ela é funda
Fida a saudade atroz que nos afunda
No vórtice voraz de acerba enchente.

A' tona da torrente as crenças vão
Boiar no mar dos pelegos tristonhos,
Onde a saudade afoga o coração.

Depois na branca espuma vão-se os sonhos,
E da morte assassina a negra mão
Mostrar-nos vem os túmulos medonhos!



A ESCRAVA

Pouco importa que esposa, mãe ou filha,
A escrava seja! Tristes, negros fados,
Ao grilhão de piratas condenados,
Vincularam-lhe o pé que as urzes trilha!

Infeliz! Em que céu te luz ou brilha
O sol dos sonhos teus, gentis, dourados?
Em que terras ou climas afestados ?
Em que sertões, em que deserta ilha?

Mulher e escrava! antítese de um crime,
Que a vil cobiça humana fez nascer!
Que força pode ter o pobre vime!

Quem ha que a mansa rola em seu gemer,
Duro algoz, a ferir cruel se anime?...
Folga, mulher, eis findo o teu sofrer.



Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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