domingo, 22 de novembro de 2015

Antônio Maria Eusébio: "5 Poemas"

A QUINTA DA PANASQUEIRA

MOTE

Fui apalpar as gamboas
Que a quinteira tem na quinta,
Já tem marmelos maduros,
O seu bastardo já pinta.

GLOSA

Sou mestre na agricultura,
meu saber ninguém disputa,
gosto de apalpar a fruta
quando está quase madura…
Gosto do que tem doçura;
Quero e gosto das mais pessoas
para apalpar coisas boas
da quinta da Panasqueira,
com licença da quinteira,
fui apalpar as gamboas.

Por toda a parte que andei
dei cambalhotas e saltos,
depois de apalpar pelos altos
pelos baixos apalpei.
Por toda a parte encontrei
fruta branca e fruta tinta;
para que a dona não se sinta
nunca direi mal da boda,
apalpei a fruta toda
que a quinteira tem na quinta.

Neste tão lindo arvoredo
não há fruta como a sua,
foi criada em boa lua
para amadurecer mais cedo.
Menina, não tenha medo
que os seus frutos estão seguros,
ou sejam moles ou duros
todos a têm em estima,
na sua quinta de cima
já tem marmelos maduros.

Tem uma árvore escondida
Num regato ao pé de um poço,
que dá fruta sem caroço
chamada gostos da vida.
Dessa fruta pretendida
que a menina tem na quinta,
se acaso tem uva tinta
a menina dê-me um cacho,
que na sua quinta de baixo
o seu bastardo já pinta.
  


A RESPOSTA DA QUINTEIRA

MOTE

Fui apalpar os tomates
que tinha o meu hortelão,
mostrou-me o nabal que tinha,
meteu-me o nabo na mão.

GLOSA

Sou mestra na agricultura,
tenho terra para cavar,
gosto sempre de apalpar
se a enxada é mole ou dura.
Ser amiga da verdura
não são nenhuns disparates;
enchi alguns açafates
de tomateiros de cama
depois de apalpar a rama
fui apalpar os tomates.

As sementes tomateiras
nascem por dentro e por fora
semeiam-se a toda a hora
dentro de fundas regueiras.
Tão brilhantes sementeiras
dão gosto e satisfação.
Dentro do meu regueirão
dão-me as ramas pelos joelhos
que tomates tão vermelhos
que tinha o meu hortelão!

Só de vê-los e apalpá-los
faz andar a gente louca
faz crescer água na boca
e a língua dar estalos.
Meu hortelão tem regalos,
tem hortaliça fresquinha
no vale da carapinha
tem um tomateiro macho,
abriu-me a porta de baixo
mostrou-me o nabal que tinha.

Tinha grelos e nabiças,
tinha tomates graúdos,
tinha nabos ramalhudos
com as cabeças roliças.
Tão brilhantes hortaliças
meteram-me a tentação;
era franco o hortelão,
deu-me uma couve amarela
para me dar gosto à panela,
meteu-me o nabo na mão.



RESPOSTA AO PESCADOR

MOTE

Tu pescas e eu apanho
Quanto tu pescas eu caço,
Tu pescas para o teu chalrão,
Eu apanho para o meu laço.

GLOSA

Tu rapaz eu rapariga
Tu petiscas e eu petisco,
Tu no mar pescas marisco
E eu em terra apanho espiga.
Tu de cu e eu de barriga,
Se banhas também eu banho,
Tu perdes, eu sempre ganho,
Tu tens pau e eu tenho a risca,
Tu tens pesca e eu tenha a isca,
Tu pescas e eu apanho.

Tu em certas madrugadas
Fazes a pesca geral,
E eu dentro de qualquer nabal
Apanho boas nabadas.
Tu pescas coisas salgadas,
Eu apanho algum cabaço,
Tu abaixas o regaço,
Eu sou fêmea e tu és macho,
Eu para cima e tu para baixo
Quando tu pescas eu caço.

Tu és pescador de fé,
Vais pescar a várias partes,
E eu vou apanhar tomates
Quando vejo dois num pé.
Para nós sempre há maré,
Nunca falta ocasião,
Com iscas de lingueirão
Vais pescar a qualquer Tejo
Camareiras com badejo,
Tu pescas para o teu chalrão.

Tu pescas peixes taludos,
Na pesca fazes empenho,
Eu com um bom laço que tenho
Apanhos pássaros papudos.
São iguais nossos estudos,
É igual o nosso passo,
Com as armadilhas que faço
Tenho a passarada certa,
Tendo a ratoeira aberta,
Eu apanho para o meu laço.



JÁ FUI OPERÁRIO ARTISTA

MOTE

Já fui operário artista
Agora, já pouco valho;
Comprem-me algum papelinho,
Em paga do meu trabalho.

GLOSA

Já gozei a mocidade
Esse bem tão precioso,
Fui homem laborioso
E trabalhei de vontade.
Já servi na sociedade,
Já fui homem moralista,
O meu vulto já fez vista
No seio das classes pobres,
Já fui nobre ao pé dos nobres,
Já fui operário artista.

Já tive as mãos calejadas
Do muito que trabalhei,
Meus braços atormentei
Com ferramentas pesadas.
Tive horas amarguradas,
Joguei, rasguei o baralho,
Hoje apanho algum retalho
Que a ambição deixa cair,
P'ra pouco posso servir,
Agora já pouco valho.

Até ando ameaçado
De fome ainda passar,
Por a um homem estimar,
A quem estou obrigado.
Sou pobre velho e cansado,
Estou no fim do meu caminho;
Porque sou do Zé povinho,
Não devo ser esquecido,
Seja qual for o partido,
Comprem-me algum papelinho.

Nunca fiz ruins papeis
Nem andei pondo cartazes
Nem atirei aos rapazes
Com moedas de dez réis.
Falem, pois, os infiéis,
Chamem-me velho, espantalho;
Como, agora já não valho
De tabaco uma pitada,
Levo alguma bofetada
Em paga do meu trabalho.



CANTIGA

MOTE

Foi a maçã da ciência
O fruto que Deus proibiu;
Só se pagou com a morte:
Bem cara a todos saiu!

GLOSA

Adão foi o que se via
Rei, senhor de todo o mundo:
Não tinha rival segundo,
Tinha tudo quanto q'ria.
Até Deus lhe aparecia
Com a sua omnipotência:
No jardim da inocência
Toda a ventura lhe deu;
Somente o que não foi seu
Foi a maçã da ciência.
Sem rival foi Satanás,
P'ra acabar co'a f'licidade,
Por ser da humanidade
Um inimigo sagaz:
Com a astucia perspicaz
A nossos pais seduziu,
Mas Adão não engoliu,
Ficou-lhe o nó na garganta,
Porque era a maçã santa
O fruto que Deus proibiu.
P'ra o nosso pai desgraçado
Nada mais lhe foi preciso
P'ra sair do Paraíso,
A mil males condenado,
A' morte sentenciado,
Por esta pena tão forte!
E toda a adversa sorte
Sofre Adão com paciência,
Porque a desobediência
Só se pagou com a morte.
O mundo todo se encheu
De uma glória vã...
Por causa de uma maçã
Que nem toda Adão comeu,
Tudo o que é vivo morreu!
À morte ninguém fugiu!
Se o fruto que Deus proibiu
É ferro que a todos mata...
Sendo a maçã tão barata,
Bem cada a todos saiu!

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