A QUINTA DA PANASQUEIRA
MOTE
Fui apalpar as gamboas
Que a quinteira tem na quinta,
Já tem marmelos maduros,
O seu bastardo já pinta.
GLOSA
Sou mestre na
agricultura,
meu saber ninguém
disputa,
gosto de apalpar a
fruta
quando está quase
madura…
Gosto do que tem
doçura;
Quero e gosto das
mais pessoas
para apalpar
coisas boas
da quinta da
Panasqueira,
com licença da
quinteira,
fui apalpar as
gamboas.
Por toda a parte
que andei
dei cambalhotas e
saltos,
depois de apalpar
pelos altos
pelos baixos
apalpei.
Por toda a parte
encontrei
fruta branca e
fruta tinta;
para que a dona
não se sinta
nunca direi mal da
boda,
apalpei a fruta
toda
que a quinteira
tem na quinta.
Neste tão lindo
arvoredo
não há fruta como
a sua,
foi criada em boa
lua
para amadurecer
mais cedo.
Menina, não tenha
medo
que os seus frutos
estão seguros,
ou sejam moles ou
duros
todos a têm em
estima,
na sua quinta de
cima
já tem marmelos
maduros.
Tem uma árvore
escondida
Num regato ao pé
de um poço,
que dá fruta sem
caroço
chamada gostos da
vida.
Dessa fruta
pretendida
que a menina tem
na quinta,
se acaso tem uva
tinta
a menina dê-me um
cacho,
que na sua quinta
de baixo
o seu bastardo já
pinta.
A RESPOSTA DA QUINTEIRA
MOTE
Fui apalpar os tomates
que tinha o meu hortelão,
mostrou-me o nabal que tinha,
meteu-me o nabo na mão.
GLOSA
Sou mestra na
agricultura,
tenho terra para
cavar,
gosto sempre de
apalpar
se a enxada é mole
ou dura.
Ser amiga da
verdura
não são nenhuns
disparates;
enchi alguns
açafates
de tomateiros de
cama
depois de apalpar
a rama
fui apalpar os
tomates.
As sementes
tomateiras
nascem por dentro
e por fora
semeiam-se a toda
a hora
dentro de fundas
regueiras.
Tão brilhantes
sementeiras
dão gosto e
satisfação.
Dentro do meu
regueirão
dão-me as ramas
pelos joelhos
que tomates tão
vermelhos
que tinha o meu
hortelão!
Só de vê-los e
apalpá-los
faz andar a gente
louca
faz crescer água
na boca
e a língua dar
estalos.
Meu hortelão tem
regalos,
tem hortaliça
fresquinha
no vale da
carapinha
tem um tomateiro
macho,
abriu-me a porta
de baixo
mostrou-me o nabal
que tinha.
Tinha grelos e
nabiças,
tinha tomates
graúdos,
tinha nabos
ramalhudos
com as cabeças
roliças.
Tão brilhantes
hortaliças
meteram-me a
tentação;
era franco o
hortelão,
deu-me uma couve
amarela
para me dar gosto
à panela,
meteu-me o nabo na
mão.
RESPOSTA AO PESCADOR
MOTE
Tu pescas e eu apanho
Quanto tu pescas eu caço,
Tu pescas para o teu chalrão,
Eu apanho para o meu laço.
GLOSA
Tu rapaz eu
rapariga
Tu petiscas e eu
petisco,
Tu no mar pescas
marisco
E eu em terra
apanho espiga.
Tu de cu e eu de
barriga,
Se banhas também
eu banho,
Tu perdes, eu
sempre ganho,
Tu tens pau e eu
tenho a risca,
Tu tens pesca e eu
tenha a isca,
Tu pescas e eu
apanho.
Tu em certas
madrugadas
Fazes a pesca
geral,
E eu dentro de
qualquer nabal
Apanho boas
nabadas.
Tu pescas coisas
salgadas,
Eu apanho algum
cabaço,
Tu abaixas o
regaço,
Eu sou fêmea e tu
és macho,
Eu para cima e tu
para baixo
Quando tu pescas
eu caço.
Tu és pescador de
fé,
Vais pescar a
várias partes,
E eu vou apanhar
tomates
Quando vejo dois
num pé.
Para nós sempre há
maré,
Nunca falta
ocasião,
Com iscas de
lingueirão
Vais pescar a
qualquer Tejo
Camareiras com
badejo,
Tu pescas para o
teu chalrão.
Tu pescas peixes
taludos,
Na pesca fazes
empenho,
Eu com um bom laço
que tenho
Apanhos pássaros
papudos.
São iguais nossos
estudos,
É igual o nosso
passo,
Com as armadilhas
que faço
Tenho a passarada
certa,
Tendo a ratoeira
aberta,
Eu apanho para o
meu laço.
JÁ FUI OPERÁRIO ARTISTA
MOTE
Já fui operário artista
Agora, já pouco valho;
Comprem-me algum papelinho,
Em paga do meu trabalho.
GLOSA
Já gozei a
mocidade
Esse bem tão
precioso,
Fui homem
laborioso
E trabalhei de
vontade.
Já servi na
sociedade,
Já fui homem
moralista,
O meu vulto já fez
vista
No seio das
classes pobres,
Já fui nobre ao pé
dos nobres,
Já fui operário
artista.
Já tive as mãos
calejadas
Do muito que
trabalhei,
Meus braços
atormentei
Com ferramentas
pesadas.
Tive horas
amarguradas,
Joguei, rasguei o
baralho,
Hoje apanho algum
retalho
Que a ambição
deixa cair,
P'ra pouco posso
servir,
Agora já pouco
valho.
Até ando ameaçado
De fome ainda
passar,
Por a um homem
estimar,
A quem estou obrigado.
Sou pobre velho e
cansado,
Estou no fim do
meu caminho;
Porque sou do Zé
povinho,
Não devo ser
esquecido,
Seja qual for o
partido,
Comprem-me algum
papelinho.
Nunca fiz ruins
papeis
Nem andei pondo
cartazes
Nem atirei aos
rapazes
Com moedas de dez
réis.
Falem, pois, os infiéis,
Chamem-me velho,
espantalho;
Como, agora já não
valho
De tabaco uma
pitada,
Levo alguma
bofetada
Em paga do meu
trabalho.
CANTIGA
MOTE
Foi a maçã da ciência
O fruto que Deus proibiu;
Só se pagou com a morte:
Bem cara a todos saiu!
GLOSA
Adão foi o que se
via
Rei, senhor de
todo o mundo:
Não tinha rival
segundo,
Tinha tudo quanto
q'ria.
Até Deus lhe aparecia
Com a sua omnipotência:
No jardim da inocência
Toda a ventura lhe
deu;
Somente o que não
foi seu
Foi a maçã da ciência.
Sem rival foi
Satanás,
P'ra acabar co'a
f'licidade,
Por ser da
humanidade
Um inimigo sagaz:
Com a astucia
perspicaz
A nossos pais
seduziu,
Mas Adão não
engoliu,
Ficou-lhe o nó na
garganta,
Porque era a maçã
santa
O fruto que Deus
proibiu.
P'ra o nosso pai
desgraçado
Nada mais lhe foi
preciso
P'ra sair do Paraíso,
A mil males condenado,
A' morte
sentenciado,
Por esta pena tão
forte!
E toda a adversa
sorte
Sofre Adão com paciência,
Porque a desobediência
Só se pagou com a
morte.
O mundo todo se
encheu
De uma glória
vã...
Por causa de uma
maçã
Que nem toda Adão
comeu,
Tudo o que é vivo
morreu!
À morte ninguém
fugiu!
Se o fruto que
Deus proibiu
É ferro que a
todos mata...
Sendo a maçã tão
barata,
Bem cada a todos
saiu!
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