NÃO DÊS ESMOLA A SANTINHOS
MOTE
Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.
GLOSAS
Não dês, porque a
padralhada
Pega nas tuas
esmolinhas
E compra frangos e
galinhas
Para comer de
tomatada;
E os santos não
provam nada,
Nem o cheiro,
coitadinhos...
Os padres bebem
bons vinhos
Por taças finas,
bonitas...
Se elas são p'ra
parasitas,
Não dês esmola a
santinhos.
Missas não mandes
dizer,
Nem lhes faças
mais promessas
E nem mandes armar
essas
Se um dia alguém
te morrer.
Não dês nada que
fazer
Ao padre e ao
sacristão,
A ver para onde
eles vão...
Trabalhar, não,
com certeza.
Dá sempre esmola à
pobreza
Se queres ser bom
cidadão.
Tu não vês que
aquela gente
Chega até a fingir
que chora,
Afirmando o que
ignora,
Assim
descaradamente!?...
Arranjam voz
comovente
Para iludir os
parvinhos
E fazem-se muito
mansinhos,
Que é o seu modo
de mamar;
Portanto, o que
lhe hás de dar,
Dá antes aos
pobrezinhos.
Lembra-te o que, à
sexta-feira,
O sacristão — o
mariola! —
Diz, quando pede a
esmola:
“Isto é p'rá ajuda
da cera”...
Já poucos caem na
asneira,
Mas em tempos que
lá vão,
Juntavam grande
porção
De dinheiro, em
prata e cobre,
E não davam a um
pobre
Uma fatia de pão.
OS VENDILHÕES DO TEMPLO
Deus disse: faz
todo o bem
Neste mundo, e, se
puderes,
Acode a toda a
desgraça
E não faças a
ninguém
Aquilo que tu não
queres
Que, por mal,
alguém te faça.
Fazer bem não é só
dar
Pão aos que dele
carecem
E à caridade o
imploram,
É também aliviar
As mágoas dos que
padecem,
Dos que sofrem,
dos que choram.
E o mundo só pode
ser
Menos mau, menos
atroz,
Se conseguirmos
fazer
Mais p'los outros
que por nós.
Quem desmente, por
exemplo,
Tudo o que Cristo
ensinou.
São os vendilhões
do templo
Que do templo ele
expulsou.
E o povo nada
conhece...
Obedece ao seu
vigário,
Porque julga que
obedece
A Cristo — o bom
doutrinário.
A GENTIL CAMPONESA
MOTE
Tu és pura e imaculada,
Cheia de graça e beleza;
Tu és a flor minha amada,
És a gentil camponesa.
GLOSAS
És tu que não tens
maldade,
És tu que tudo
mereces,
És, sim, porque
desconheces
As podridões da
cidade.
Vives aí nessa
herdade,
Onde tu foste
criada,
Aí vives desviada
Deste viver de
ilusão:
És como a rosa em
botão,
Tu és pura e
imaculada.
És tu que ao
romper da aurora
Ouves o cantor
alado...
Vestes-te, tratas
do gado
Que há de ir tirar
água à nora;
Depois, pelos
campos fora,
É grande a tua
pureza,
Cantando com
singeleza,
O que ainda mais
te realça,
Exposta ao sol e
descalça,
Cheia de graça e
beleza.
Teus lábios nunca
pintaste,
És linda sem tal
veneno;
Toda tu cheiras a
feno
Do campo onde
trabalhaste;
És verdadeiro
contraste
Com a tal flor
delicada
Que só por muito
pintada
Nos poderá parecer
bela;
Mas tu brilhas
mais do que ela,
Tu és a flor minha
amada.
Pois se te tenho
na mão,
Inda assim acho
tão pouco,
Que sinto um
desejo louco:
Guardar-te no
coração!...
As coisas mais
belas são
Como as cria a
Natureza,
E tu tens toda a
grandeza
Dessa beleza que
almejo,
Tens tudo quanto
desejo,
És a gentil
camponesa
NÃO CREIO NESSE DEUS
I
Não sei se és
parvo se és inteligente
— Ao disfrutares
vida de nababo
Louvando um Deus,
do qual te dizes crente,
Que te livre das
garras do diabo
E te faça feliz
eternamente.
II
Não vês que o teu
bem-estar faz d'outra gente
A dor, o
sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres
p'ra ti o céu e a terra..
— Não te achas
egoísta ou exigente?
III
Não creio nesse
Deus que, na igreja,
Escuta, dos
beatos, confissões;
Não posso crer num
Deus que se maneja,
Em troca de
promessas e orações,
P'ra o homem
conseguir o que deseja.
IV
Se Deus quer que
vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse
dever por que receia
As iras do divino
padre eterno?...
P'ra esses é o
céu; porque o inferno
É p'ra quem vive a
vida à custa alheia!
PORQUE O POVO DIZ VERDADES
Porque o povo diz
verdades,
Tremem de medo os
tiranos,
Pressentindo a
derrocada
Da grande prisão
sem grades
Onde há já
milhares de anos
A razão vive
enjaulada.
Vem perto o fim do
capricho
Dessa nobreza
postiça,
Irmã gémea da
preguiça,
Mais asquerosa que
o lixo.
Já o escravo se
convence
A lutar por sua
prol
Já sabe que lhe
pertence
No mundo um lugar
ao sol.
Do céu não se quer
lembrar,
Já não se deixa
roubar,
Por medo ao tal
satanás,
Já não adora
bonecos
Que, se os fazem
em canecos,
Nem dão estrume
capaz.
Mostra-lhe o saber
moderno
Que levou a vida
inteira
Preso àquela
ratoeira
Que há entre o céu
e o inferno.
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