sábado, 14 de novembro de 2015

Adalgisa Nery: "5 Poemas"

POEMA NATURAL

Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.



CEMITÉRIO ADALGISA

Moram em mim
Fundos de mares, estrelas-d'alva,
Ilhas, esqueletos de animais,
Nuvens que não couberam no céu,
Razões mortas, perdões, condenações,
Gestos de amparo incompleto,
O desejo do meu sexo
E a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
Os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não moro.
Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas
É habitada pelos corpos.
Moram em mim
Gerações, alegrias em embrião,
Vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
Mora em mim o fruto podre,
Que a semente fecunda repetindo a vida
No sereno ritmo da Origem.
Vida e morte,
Terra e céu,
Podridão, germinação,
Destruição e criação.



ESTIGMA

Não receio que partas para longe,
Que faças por fugir, por te livrares
Da força da minha voz
E da compreensão do meu olhar.
Não temo que os mares te levem
No bojo dos transatlânticos
Nem tampouco me amedronta
Que em possantes aviões
No céu e na terra,
Em todos os seres me encontrarás
Cortes espaços sem conta.
Serena ficarei se disseres
Que na certa me olvidarás
No ventre da mata virgem,
Nas areias dos desertos
Ou no amor de outras mulheres que terás.
Não importa.
Nada temo e desejo mesmo que o faças
Para que saibas o quanto estou em teus sentidos
E que a minha forma, o meu espírito
Jamais da tua existência passa.
Se fugires pelos mares
Tu me veras na espuma leve da onda,
Me sentiras no colorido de um peixe
E a minha voz escutaras dentro de uma concha.
Se partires pelos ares,
Certamente na brancura de uma nuvem
Tu sentirás a maciez e a alvura
Das minhas carnes.
Se fores para a floresta
Hás de me ver
Na árvore mais florida e harmoniosa
Atravessando areias cálidas do deserto.
Sei que trocarias o lenitivo de um oásis
Pela certeza de me teres perto.
E nas mulheres que encontrares,
Dos seios o perfume, das nucas a palidez,
Das ancas as curvas
E das peles a cor e a tepidez,
Fica certo, não te evadirás.
Porque desde a tua sombra
Ao teu mais rápido pensamento
Não serás livre de mim
Num um momento.



POEMA DA AMANTE

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.



POESIA ENTRE O CAIS E O HOSPITAL

Geme no cais o navio cargueiro
No hospital ao lado, o homem enfermo.
O vento da noite recolhe gemidos
Une angústias do mundo ermo.
Maresia transborda do mar em cansaço,
Odor de remédios inunda o espaço.
Máquina e homem, ambos exaustos
Um, pela carga que pesa em seu bojo
Outro, na dor tomando o seu corpo.
Cais, hospital: Portos de espera
E começo de fim da longa viagem.
Chaminés de cargueiros gritando no mar,
Garganta do homem em gemidos no ar.
No fundo, o universo,
O mar infinito,
O céu infinito,
O espírito infinito.
Neblinados em tristezas e medos
Surgem silêncios entre os rochedos.
Chaminés de cargueiros gritando no mar
E a garganta do homem em gemidos no ar.

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