O PROFETA
E O MANCEBO
O velho, sentado numa rústica
cadeira e de punho á bengala, fixou seu olhar penetrante sobre o mancebo, que
se mantinha sobressaltado, na expectativa da iminente repreensão. Alguns o
reconheciam como profeta; outros como vidente ou curandeiro; havia ainda
aqueles que o tomava por um anjo em forma humana, enviado por Deus a terra para
alertar os homens de seus delitos. Calmamente iniciou sua admoestação:
“Continuarás escravo daquilo
que tua própria mente concebeu, e que continuamente alimentas com tua alma...
Sentirás a sensação momentânea
da liberdade... à noite, porém, sozinho, sentirás um clamor oculto a invadir
teu ser e a corroer tuas entranhas... teu coração implorará por socorro, mas
não resistirás ao peso dos teus grilhões... serás como aquele escravo, o qual,
vendo a superioridade de seu senhor, teme reagir, e por isso, prefere a
comodidade do açoite...
Sabes que precisas reagir, mas
não consegues, e te alentas de um sonho ou de muitos deles... “Tenho ainda
muitos anos pela frente”, posso tentar depois... e o “depois” retorna trazendo
consigo outro “depois”, quando, enfim, hás de perceber que fez dele tua
esperança, e desta, tua ruína...
Procuras distrair tua mente e
acreditas, por breves momentos, que és senhor pleno de ti mesmo... Fumas teu
cigarro e pensas na vida, mas não és capaz de perceber que ela está se esvaindo
lentamente como a fumaça que expeles pelas tuas narinas...
Lembras do passado e te
concentras naquilo que te fez feliz... logo, porém, o esquece, afinal, o
passado não volta nunca mais... Precisas viver o momento, o eterno momento, e
com toda intensidade investes nele toda tua energia... o momento é tua eternidade...
Não consegues distinguir
liberdade de prisão... tua liberdade é a tua prisão... precisas a todo o tempo
justificá-la e ativá-la com traços e cores, e é isso que te faz sentires
livre...
Pensas que não podes está
errado, afinal não estás sozinho neste purgatório... são muitos os que te
seguem e que também erguem este estandarte... não podes ficar sozinho...
Precisas está a todo o tempo com a mente ocupada, mesmo que seja com a fumaça
do teu cigarro...
Lá em cima deve ter um par de
algemas, e logo te deixarás prender por elas, as quais já são partes
intrínsecas de ti e, por isso, não podes erguer os punhos contra teu
opressor...
Sente-se esperto demais e às
vezes acredita que tem a experiência de um ancião... mas tem medo de
pesadelos... és como aquela criança que rejeita o afago do pai porque está com
birra, mas tão logo preludiam os trovões e brilham os relâmpagos corre
desesperado para abraçá-lo... mas tu não tens pai para abraçar nem tens mãe
para sentir suas carícias... fugir não pode, lá fora o mundo é por demais
impiedoso, precisas acostumar com isso...
Mal sabes tu que ali perto há
uma cabana aconchegante, onde um anjo qualquer te espera com um macio cobertor
e com uma chávena quentinha de fino chá...
O túnel do teu pesadelo parece
não ter fim, e se vislumbra nele alguma centelha de luz, preferes usá-la para
acender teu cigarro...
Teu corpo frágil fala e
suplica... às vezes cede... a dor é forte demais... mas ela passa, então a
esquece e, entre delírios de prazer, ignoras que ela apenas adormece e que logo
regressará mais forte e mais dilacerante...
Sabes que de uma hora para
outra a corda pode arrebentar, mas acreditas que sempre restará o último fio
para te agarrares e para clamares mais uma vez por socorro... Mas... e se o
resgate atrasar?... E se teus amigos estiverem dormindo quando os chamares?...
E se o fio já estiver partido?
Alguém daqui a pouco vai te
chamar... É preciso ir, pois se não fores ficarás sozinho... Virá então a noite
e com elas os sonhos estranhos... tanta gente e tão abandonado!!!
O carrasco já bate à tua porta
e te chama para o abismo... não queres ir mas precisas ir... Ele é forte
demais, suas mãos são enormes, seus olhos ameaçadores, seus pés ligeiros...
Vai, acompanha-o... Precisas cantar para distrair teus medos... Canta mancebo!
Se tentares correr, os teus
pés estarão amarrados; se tentares esbofeteá-lo, tuas mãos estarão presas; se
tentares clamar por socorro, tua voz não ecoará; e se tentares sonhar, tua
mente, sempre desperta, roubará de ti a possibilidade do sono e dos sonhos...
Vai, mancebo, segue para tua
guilhotina, mas leva contigo teus amigos e teus cigarros, afinal, teus pais não
estão lá, lembras? Teu carrasco, ansioso, já te espera... Observa bem o seu
sorriso... Saiba que ele te comprou com um preço muito alto... Leva teus
amigos, leva também teu cigarro, mas não precisas levar chaves... a porta não
tem fechadura... Esta noite não vai acabar e os pesadelos apenas começaram...
Vai mancebo, vai...”
Neste momento o mancebo desaba
a chorar e, ajoelhado, implora-lhe por socorro. O velho, erguendo sua bengala,
aponta-a para o sol, que naquele instante alagava tudo com sua luz. Em seguida
levanta-se e sai andando, sendo logo ofuscado pelo brilho do Astro Rei. O jovem
segue-lhe no encalço e também desaparece na claridade.
Fevereiro, 2014.
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