AS MÃOS
ENORMES
Até então
nunca havia cogitado a possibilidade de ser traído. Traição era coisa que
acontecia somente com os outros, com os vizinhos, com os colegas de serviço, na
novela, nos filmes e nos romances. Em dez anos de casado sequer nutriu qualquer
ciúme da mulher, que sempre se mostrou acima de qualquer suspeita, de índole
inquestionável e irrepreensível nos modos de lidar com outros homens.
Orgulhava-se dela, por quem mantinha uma fidelidade canina.
Agora,
pela primeira vez, acendia-lhe uma brasa viva na cabeça, que lhe fazia
despertar o sono e lhe tirava o sossego. A razão desta desconfiança não se
gerou de alguma cena suspeita, nem adveio da constatação de algum ato
indecoroso da mulher. Em vez disso, nasceu de um sonho banal que tivera um mês
atrás e que se repetira mais uma vez agora.
No sonho
a mulher aparecia em ato libidinoso num carro com um sujeito barbudo e de mãos
enormes e peludas. Este lhe mirava com um olhar sarcástico ao mesmo tempo em
que sorria pelos cantos da boca. O sonho lhe pareceu sórdido, e aquelas mãos
tão grandes! Encasquetou-se sobremaneira com isso.
Não
narrou os seus sonhos à mulher nem a mais ninguém. Mas a partir dali passou a
vigiá-la, a questioná-la sobre isso e aquilo. Se ela ia ao mercado,
debruçava-se à janela para espiá-la. Se porventura demorasse, ia atrás e
aplicava-lhe os piores desaforos. Queria saber quem era Fulana, o que fazia
Sicrana, onde morava Beltrano etc.
Sentindo-se
sufocada, inquiriu-lhe ela acerca das razões porque agia ele daquela forma. Não
podia compreender porque de uma hora para outra passou a se comportar como um
adolescente, imaturo e sem pudor.
- Ora,
onde já se viu isso?!
Ele então
replicava que tinha os seus motivos e que estes eram suficientes para
justificar suas desconfianças.
- Estou
de olho em você? ameaçava como se tivesse na iminência de descobrir um
insidioso crime.
À noite o
sonho veio mais uma vez a atormentar-lhe o espírito. Lá estava o homem com suas
mãos gigantescas e repletas de pelos, e estas
o apertavam pelo pescoço até perder a respiração. Acordou sobressaltado,
respingando suor e todo entregue ao desespero. Olhou para o outro lado da cama, mas a mulher não estava lá. Desceu até a sala gritando o nome dela, mas
encontrou apenas o silêncio, um silêncio vasto, enorme, transcendente, apenas
realçado pelo insistente tic-tac de um velho relógio de parede. Visivelmente
aflito, abriu a porta da rua, quando percebeu que um automóvel partia em
disparada. Imediatamente deduziu que nele estavam a mulher e o homem com suas
mãos enormes, infinitamente enormes.
Fevereiro, 2015.
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