sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "As Mãos Enormes"

AS MÃOS ENORMES

Até então nunca havia cogitado a possibilidade de ser traído. Traição era coisa que acontecia somente com os outros, com os vizinhos, com os colegas de serviço, na novela, nos filmes e nos romances. Em dez anos de casado sequer nutriu qualquer ciúme da mulher, que sempre se mostrou acima de qualquer suspeita, de índole inquestionável e irrepreensível nos modos de lidar com outros homens. Orgulhava-se dela, por quem mantinha uma fidelidade canina.
Agora, pela primeira vez, acendia-lhe uma brasa viva na cabeça, que lhe fazia despertar o sono e lhe tirava o sossego. A razão desta desconfiança não se gerou de alguma cena suspeita, nem adveio da constatação de algum ato indecoroso da mulher. Em vez disso, nasceu de um sonho banal que tivera um mês atrás e que se repetira mais uma vez agora.
No sonho a mulher aparecia em ato libidinoso num carro com um sujeito barbudo e de mãos enormes e peludas. Este lhe mirava com um olhar sarcástico ao mesmo tempo em que sorria pelos cantos da boca. O sonho lhe pareceu sórdido, e aquelas mãos tão grandes! Encasquetou-se sobremaneira com isso.
Não narrou os seus sonhos à mulher nem a mais ninguém. Mas a partir dali passou a vigiá-la, a questioná-la sobre isso e aquilo. Se ela ia ao mercado, debruçava-se à janela para espiá-la. Se porventura demorasse, ia atrás e aplicava-lhe os piores desaforos. Queria saber quem era Fulana, o que fazia Sicrana, onde morava Beltrano etc.
Sentindo-se sufocada, inquiriu-lhe ela acerca das razões porque agia ele daquela forma. Não podia compreender porque de uma hora para outra passou a se comportar como um adolescente, imaturo e sem pudor.
- Ora, onde já se viu isso?!
Ele então replicava que tinha os seus motivos e que estes eram suficientes para justificar suas desconfianças.
- Estou de olho em você? ameaçava como se tivesse na iminência de descobrir um insidioso crime.

À noite o sonho veio mais uma vez a atormentar-lhe o espírito. Lá estava o homem com suas mãos gigantescas e repletas de pelos, e estas  o apertavam pelo pescoço até perder a respiração. Acordou sobressaltado, respingando suor e todo entregue ao desespero. Olhou para o outro  lado da cama, mas  a mulher não estava lá.  Desceu até a sala gritando o nome dela, mas encontrou apenas o silêncio, um silêncio vasto, enorme, transcendente, apenas realçado pelo insistente tic-tac de um velho relógio de parede. Visivelmente aflito, abriu a porta da rua, quando percebeu que um automóvel partia em disparada. Imediatamente deduziu que nele estavam a mulher e o homem com suas mãos enormes, infinitamente enormes.


Fevereiro, 2015.

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