O SOBRADO
AZUL
Naquele dia não chegou à casa
no horário habitual. Em cincos anos de casado nunca acontecera de se atrasar
tanto. A mulher já estava nos nervos, aflita e com pressentimentos ruins. O
celular não atendia, e na empresa disseram que tinha saído no horário habitual.
Chegou assustado, parecia que
viera correndo ou que vinha fugindo de algum fantasma. Entrou e abraçou a
mulher, como nunca havia feito antes. Explicou que o ônibus havia quebrado e
que precisou esperar um outro, que demorou muito. Quanto ao celular, justificou
que a bateria havia descarregado e que por isso não atendeu a ligação.
Consolada, ela não quis ouvir
mais nada. Preparou-lhe um pouco de água de melissa e acarinhou-lhe a testa com
um beijo. Em seguida, foram deitar-se.
Um dia depois a cena
repetiu-se: o atraso, o assombro no olhar, a inquietação da mulher e dele as
mesmas desculpas. Daí em diante foi sempre a mesma coisa, e ela já não se
preocupava mais, nem ele aventava qualquer argumento, mantendo-se calado quase
o tempo todo.
As coisas sucederam assim
durante seis meses, quando, enfim, a mulher deliberou investigar o caso.
Num ponto de ônibus próximo à
empresa em que ele trabalhava, infiltrou-se ela entre as pessoas que por lá se
aglomeravam e ali permaneceu até que
findasse o expediente. O marido saiu meio desconfiado, olhando para um lado e
outro, como procurando algo ou alguma pessoa.
Acelerou os passos em direção a uma rua, e ela o seguia ao longe, despistando-se entre carros e pessoas para
não ser vista por ele.
Na rua seguinte percebeu que
uma pessoa o aguardava. Era uma mulher alta, que fazia uso de um longo vestido
vermelho. Embora a distância ofuscasse à vista,
concluiu que se tratava de uma senhora de idade, talvez com sessenta
anos ou um pouco mais que isso. Sentiu-se confortada pela idade avançada da
outra. “Se ele está me traindo, é por dinheiro”, pensou.
Inicialmente permaneceu
confusa e não conseguia tirar daquela cena qualquer conclusão, não obstante
aventasse a ideia de que estava sendo traída, e se remoía por dentro.
O homem seguiu então por outra rua acompanhado
da estranha mulher. Entraram num sobrado
azul e fecharam a porta. A outra observava de longe e conspirava acerca do que
deveria fazer.
Adentrou num estabelecimento
comercial localizado na mesma rua, e perguntou a atendente se conhecia a mulher
do sobrado azul. Esta lhe respondeu que se tratava de uma próspera viúva, que viera do Rio Grande do Norte há cerca de
seis meses, a qual estava de caso com um homem e, por sinal, bem mais novo que ela.
- Dizem que é um funcionário
de uma das empresas aqui da redondeza, e parece que é casado, completou a
funcionária da loja.
A mulher agradeceu-lhe pela a
informação e retirou-se visivelmente perturbada, tomando o devido cuidado de
anotar o nome da rua e o número do sobrado.
Algumas horas depois, o marido
chega à casa, como sempre, ofegante e sem falar nada, limitando-se a um cumprimento não correspondido. Durante toda a noite, ela manteve-se calada, pensativa, como se estivesse tramando alguma reação ou como se tivesse a
maquinar algum jeito de se vingar dele.
No dia seguinte, no horário
que supunha que ele estava com a outra,
incumbiu alguém de ir com um carro até o sobrado azul. Era um primo
dela, que levava algumas malas e um recado.
- Estão aqui suas coisas,
disse o homem, acrescentando enfurecido: -
E não volte nunca mais lá, entendeu?
E ele não voltou, mas nove
meses depois telefonou. Disse que estava morando sozinho, que “a velha havia morrido” e lhe pedia uma nova chance etc.
Dias depois estavam ambos no
sobrado azul, felizes, planejando o futuro e sem nenhuma ponta de remorso ou o
menor vestígio de mágoa.
Fevereiro, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário