sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Iba Mendes: "O Sobrado Azul"

O SOBRADO AZUL

Naquele dia não chegou à casa no horário habitual. Em cincos anos de casado nunca acontecera de se atrasar tanto. A mulher já estava nos nervos, aflita e com pressentimentos ruins. O celular não atendia, e na empresa disseram que tinha saído no horário habitual.

Chegou assustado, parecia que viera correndo ou que vinha fugindo de algum fantasma. Entrou e abraçou a mulher, como nunca havia feito antes. Explicou que o ônibus havia quebrado e que precisou esperar um outro, que demorou muito. Quanto ao celular, justificou que a bateria havia descarregado e que por isso não atendeu a ligação.

Consolada, ela não quis ouvir mais nada. Preparou-lhe um pouco de água de melissa e acarinhou-lhe a testa com um beijo. Em seguida, foram deitar-se.

Um dia depois a cena repetiu-se: o atraso, o assombro no olhar, a inquietação da mulher e dele as mesmas desculpas. Daí em diante foi sempre a mesma coisa, e ela já não se preocupava mais, nem ele aventava qualquer argumento, mantendo-se calado quase o tempo todo.

As coisas sucederam assim durante seis meses, quando, enfim, a mulher deliberou investigar o caso.

Num ponto de ônibus próximo à empresa em que ele trabalhava, infiltrou-se ela entre as pessoas que por lá se aglomeravam e ali permaneceu até  que findasse o expediente. O marido saiu meio desconfiado, olhando para um lado e outro, como procurando algo ou alguma pessoa.  Acelerou os passos em direção a uma rua, e ela o seguia ao longe,  despistando-se entre carros e pessoas para não ser vista por ele.

Na rua seguinte percebeu que uma pessoa o aguardava. Era uma mulher alta, que fazia uso de um longo vestido vermelho. Embora a distância ofuscasse à vista,  concluiu que se tratava de uma senhora de idade, talvez com sessenta anos ou um pouco mais que isso. Sentiu-se confortada pela idade avançada da outra. “Se ele está me traindo, é por dinheiro”, pensou.

Inicialmente permaneceu confusa e não conseguia tirar daquela cena qualquer conclusão, não obstante aventasse a ideia de que estava sendo traída, e se remoía por dentro.

O  homem seguiu então por outra rua acompanhado da  estranha mulher. Entraram num sobrado azul e fecharam a porta. A outra observava de longe e conspirava acerca do que deveria fazer.

Adentrou num estabelecimento comercial localizado na mesma rua, e perguntou a atendente se conhecia a mulher do sobrado azul. Esta lhe respondeu que se tratava de uma próspera viúva,  que viera do Rio Grande do Norte há cerca de seis meses, a qual estava de caso com um homem e, por sinal,  bem mais novo que ela.

- Dizem que é um funcionário de uma das empresas aqui da redondeza, e parece que é casado, completou a funcionária da loja.

A mulher agradeceu-lhe pela a informação e retirou-se visivelmente perturbada, tomando o devido cuidado de anotar o nome da rua e o número do sobrado.

Algumas horas depois, o marido chega à casa, como sempre, ofegante e sem falar nada, limitando-se a um  cumprimento não correspondido.  Durante toda a noite, ela manteve-se  calada, pensativa, como se estivesse  tramando alguma reação ou como se tivesse a maquinar algum jeito de se vingar dele.

No dia seguinte, no horário que supunha que ele estava com a outra,  incumbiu alguém de ir com um carro até o sobrado azul. Era um primo dela, que levava algumas malas e um recado.

- Estão aqui suas coisas, disse o homem, acrescentando enfurecido: -  E não volte nunca mais lá, entendeu?

E ele não voltou, mas nove meses depois telefonou. Disse que estava morando sozinho,  que “a velha havia morrido”  e lhe pedia uma nova chance etc.


Dias depois estavam ambos no sobrado azul, felizes, planejando o futuro e sem nenhuma ponta de remorso ou o menor vestígio de mágoa.


Fevereiro, 2015.

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