APOSENTADOS
Repentinamente
viu-se apreensivo como se estivesse na expectativa de ver chegar alguém ou na
iminência de receber alguma notícia. Ficou assim a semana toda, inquieto e com
a mente visivelmente agitada.
- O que
está acontecendo, homem? indagou sua senhora um tanto preocupada.
Ele
limitou a dizer que estava tudo bem e que não havia razão para preocupações.
-
Sossegue, mulher! Estou bem.
À medida
que os dias iam passando, não só aumentava a inquietação da esposa como também
tornava-se cada vez mais visível o desassossego de espírito do marido, que
dormia mal e acordava sempre sobressaltado.
Instado a
ir ao médico, irritou-se dizendo que não estava doente e que não precisava de
remédio.
- Ora, já
não disse que estou bem?
No fim de
um mês passou a se comportar de modo ainda mais estranho. Tão logo tomava café,
dirigia-se até a sacada do apartamento e por lá ficava horas e horas a mirar
fixamente o horizonte, e às vezes a manhã toda, sentado, sem se mexer e sem
dizer uma só palavra.
-
Endoideceu de vez, desabafou a mulher com o cunhado, que lhe pedia só um pouco
mais de paciência.
- Não há
de ser nada, logo estará bom, disse-lhe com a promessa de ir ter com o irmão a
fim de lhe aplicar alguns conselhos.
Conversaram.
O outro, porém, conteve-se e apenas repetiu o que havia dito anteriormente à
mulher, ou seja, que não estava doente e que não existiam motivos para
preocupações.
De fato,
o irmão não notou nada que pudesse indicar alguma debilidade física ou mental,
somente um pouco de melancolia, que poderia ser apenas uma forma que encontrou
para se adaptar a sua nova vida de aposentado.
Conformaram-se
todos com isso.
Passados
três meses, acrescentou às suas manias, o estranho hábito de escrever em papel
de pão. Escrevia e rasgava, de modo que não se sabia de que se tratavam tais
inscrições. A mulher aventou a ideia de que poderiam ser poemas, uma vez que
ultimamente dera para ler e declamar poesias em voz alta na sacada do prédio.
Preferia os poetas portugueses, especialmente Bocage e Fernando Pessoa.
Concomitantemente
a esses hábitos, passou a tratar com novos modos a esposa. Às vezes
surpreendia-a com flores e outros mimos, que sempre vinham acompanhados de
galanteios e expressões poéticas. Inicialmente ela acatou com estranheza tais
atitudes, mas logo se acostumou e até se sentia feliz e amada com isso.
Aproximava-se
o inverno, quando recebeu a notícia de que sua mulher fora acometida de uma
grave enfermidade, restando-lhe um ou no máximo dois meses de vida. O fato
abateu-o profundamente a ponto de dizer que morreria junto com ela.
Não
morreu ele. Ela, sim, morreu numa noite de sexta-feira antes de findar a
estação fria. No velório declamou entre lágrimas “Um adeus à despedida”, verso
de Fernando Pessoa, que muita comoção causou entre os presentes:
Quem nunca se despediu
Pode julgar-se feliz,
A pessoa que assim diz
É porque sempre sorriu.
Mas se outra dor a feriu –
A da morte desvalida
Que deixa maior ferida
De saudade e de amargura,
Maior do que essa tortura –
Um "adeus" à despedida.
Março/2015.
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