sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Antônio Nobre: "5 Poemas"

SONETO

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios...
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho.



VOU SOBRE O OCEANO

Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de Glória, em plena paz.
Terra da Pátria somem-se na treva,
Águas de Portugal ficam, atrás.

Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.

Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!

Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!

Teu coração dentro do meu descansa,
Teu coração, desde que lá entro:
E tem tão bom dormir essa criança!
Deitou-se, ali caiu, ali ficou.

Dorme, menino! dorme, dorme, dorme!
O que te importa o que no mundo vai?
Ao acordares desse sono enorme,
Tu julgarás que se passou num ai.

Dorme, criança! dorme sossegada
Teus sonhos brancos ainda por abrir:
Depois a morte não te custa nada,
Porque a ela habituaste-te a dormir...

Dorme, meu anjo! (a noite é tão comprida!)
Que doces sonhos tu não hás-de ter!
Depois, com o hábito de os ter na vida,
Continuarás depois de falecer...

Dorme, meu filho! Cheio de sossego,
Esquece-te de tudo e até de mim!
Depois... de olhos fechados, és um cego,
Tu nada vês, meu filho! e antes assim...

Dorme os teus sonhos, dorme, e não mos digas,
Dorme, filhinho, dorme “ó-ó...”
Dorme, minha alma canta-te cantigas,
Que ela é velhinha como a tua avó!

Nenhuma ama tem um pequenino
Tão bom, tão meigo; que feliz eu sou!
E tem tão bom dormir esse menino...
Deitou-se, ali caiu, ali ficou.

Vou sobre o oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de glória, em plena paz.
Terras da Pátria somem-se na treva
Águas de Portugal ficam, atrás.

Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.

Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catarineta, adeus!

Paquete, meu paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus!



ELEGIA

Ó virgens que passais, ao sol poente,
Pelas estradas ermas, a cantar:
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me recorde as afeições do lar.

Cantai-me, n´essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!

Cantai, cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desenterrai
Todas aquelas ilusões antigas

Que eu vi morrer n- um sonho como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas,
Adormecei-me n´essa voz... Cantai!



O MEU CONDADO

No campo azul da alada fantasia
Edifiquei outr´ora, por meu mal,
Castelos de oiro, esmalte e pedraria,
Torres de lápis-lázuli e coral.

N´uma extensão de léguas, não havia
Quem possuísse outro domínio igual:
Tão belo, assim tão belo, parecia
O território de um senhor feudal...

Um dia (não sei quando, nem dei d´onde),
Um vento agreste de indiferença e spleen
Lançou por terra, ao pó que tudo esconde,

O meu condado — o meu condado, sim!
Porque eu já fui um poderoso conde,
N´aquela idade em que se é conde assim...



SÉ DE PEDRA

Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegráficos da estrada,
Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, à noite, se faz sol a luz cheia...

No entanto, pelo arame que as tonteia,
Quanta tortura vai, n´uma ânsia alada!
O ministro que joga uma cartada,
Alma que, às vezes, d´além-mar anseia:

—Revolução — Inútil. — Cem feridos,
Setenta mortos. — Beijo-te! — Perdidos!
—Enfim, feliz! —! — Desesperado. — Vem!

E as lindas aves, bem se importam elas!
Continuam cantando, tagarelas:
Assim, António, deves ser também.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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