sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Antônio Feijó: "5 Poemas"

FLOR DE PESSEGUEIRO

A melindrosa flor de pessegueiro
Deixei-a, como dádiva de amores,
A essa que tem o rosto feiticeiro
E os lábios cor das purpurinas flores.

E a tímida andorinha, de asas quietas,
Dei-a também como lembrança minha,
A essa que tem as sobrancelhas pretas,
Iguais às asas da andorinha.

No dia imediato a flor morria,
E a andorinha voava, entre esplendores,
Sobre a Grande Montana onde vivia
O Gênio oculto que preside às flores.

Mas nos seus lábios, como a flor abrindo,
Conserva a mesma carnação,
E não voaram, pelo azul fugindo
As asas negras dos seus olhos, não!


PÁLIDA E LOIRA

Morreu. Deitada num caixão estreito,
pálida e loira, muito loira e fria,
o seu lábio tristíssimo sorria
como num sonho virginal desfeito.

Lírio que murcha ao despontar do dia,
foi descansar no derradeiro leito,
as mãos de neve erguidas, sobre o peito,
pálida e loira, muito loira e fria.

Tinha a cor da rainha das baladas
e das monjas antigas maceradas
no pequenino esquife em que dormia.

Levou-a a morte em sua garra adunca,
e eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
pálida e loira, muito loira e fria.


A UMA MULHER FORMOSA

Nas límpidas canções que me inspiraste
ao som da flauta d'ébano cantadas,
narrava as minhas mágoas desoladas,
mas tu não me escutaste!

Depois compus estâncias primorosas,
que leste em carinho e sem ternura,
lançando ao rio as páginas formosas
onde eu cantava a tua formosura.

Quis ser então mais fino e mais amável:
dei-te um presente fabuloso e raro,
uma enorme safira comparável
a um céu noturno imensamente claro.

E em paga d'essa joia deslumbrante,
d'esse primor, d'uma riqueza louca,
mostraste-me, sorrindo um só instante,
as pequeninas pérolas da boca.


SALGUEIRO

Adoro esta mulher moça e formosa,
Que à janela, a sonhar, vejo esquecida,
Não por ter uma casa suntuosa
Junto ao Rio Amarelo construída…
- Amo-a porque uma folha melindrosa
Deixou cair nas águas distraída.
Também adoro a brisa do Levante
Não por trazer a essência virginal
Do pessegueiro que floriu distante,
No pendor da Montanha Oriental…
- Amo-a porque impeliu a folha errante
Ao meu batel no lago de cristal.
E adoro a folha, não por ter lembrado
A nova primavera que rompeu,
Mas por causa de um nome idolatrado
Que essa jovem mulher n’ela escreveu
Com a doirada agulha do bordado…
E esse nome… era o meu!



FÁBULA ANTIGA

No princípio do mundo o Amor não era cego;
Via mesmo através da escuridão cerrada
Com pupilas de Lince em olhos de Morcego.

Mas um dia, brincando, a Demência, irritada,
Num ímpeto de fúria os seus olhos vazou;
Foi a Demência logo às feras condenada,

Mas Júpiter, sorrindo, a pena comutou.
A Demência ficou apenas obrigada
A acompanhar o Amor, visto que ela o cegou,

Como um pobre que leva um cego pela estrada.
Unidos desde então por invisíveis laços
Quando a Amor empreende a mais simples jornada,

Vai a Demência adiante a conduzir-lhe os passos.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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