sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Alphonsus de Guimaraens: "5 Poemas"

ISMÁLIA

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


OSSA MEA

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar mas que suplica.

Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...

Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...

Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...

 

PULCHRA UT LUNA

Celeste... É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste...
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste... E como tu és do céu não amas:
Forma imortal que o espírito reveste
De luz, não temes sol, não temes chamas,
Porque és sol, porque és luar, sendo celeste.

Incoercível como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio à noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hóstia sagrada.


 
ÁRIAS E CANÇÕES

A suave castelã das horas mortas
Assoma à torre do castelo. As portas,

Que o rubro ocaso em onda ensanguentara,
Brilham do luar à luz celeste e clara.

Como em órbitas de fatias caveiras
Olhos que fossem de defuntas freiras,

Os astros morrem pelo céu pressago...
São como círios a tombar num lago.

E o céu, diante de mim, todo escurece...
E eu que nem sei de cor uma só prece!

Pobre alma, que me queres, que me queres?
São assim todas, todas as mulheres.


TERCEIRA DOR

É Sião que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas...
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.

As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao Céu as cúpulas benditas.

As virgens de Israel as negras comas
Aromatizam com os unguentos brancos
Dos nigromantes de mortais aromas...

Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruínas de cidades mortas.

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Fonte:
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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