O FRUTO DA
FORMOSURA
Em princípio, ele era pequenino; uma
ligeira elevação de carne infantil, macia como a polpa de um fruto esquisito;
tinha um biquinho, rubro como uma cereja microscópica; tinha dois anos, então:
recebia as carícias maternas de uns lábios ardentes e amorosos.
Foi crescendo... crescendo...
Já lhe notavam tendências para a bela forma
redonda. A carne branca, polpuda, elevava-se pouco a pouco.
Foram-no cobrindo, zelosamente de cambraias
e fitas.
Em pequenino, andava tantas vezes nu,
gozando o contato suave do ar livre e fresco a passar-lhe pela epiderme.
Exatamente quando mais lindo ficava, é que o queriam esconder como uma cousa
indigna.
Este escrúpulo avultava com o tempo.
Esconderam-no cada vez mais, e cada vez
mais, do fundo do seu retiro de linhos e cambraias finíssimas, o indiscreto
erguia-se, cercado de rubores incertos e nômades, que percorriam-lhe a
epiderme, semeando calor; erguia-se como quem sabe que vai a fazer-se sedutor e
deseja que o vejam e o adorem...
Mas a cruel cambraia subia também, com uma
impertinência ciosa e avara; o pobre via-se condenado àquela prisão cálida e
escura, que o sufocava ferozmente.
Ah! quem lhe dera sentir as auras frescas
da tarde e os orvalhos da madrugada; viver à luz dos sóis e dos luares,
despido, desembaraçado e nu, como os jambos rosados e venturosos!...
Despiam-no, é certo, mas unicamente para
respirar o ambiente morno e viciado das alcovas.
Era nessas ocasiões que ele via como estava
belo; mirava-se nas banheiras e nos espelhos, namorava-se como um narciso, o
pobre...
E como torturavam-no, depois, aquelas
faixas com que o comprimiam!
Parece que havia empenho em deformá-lo,
contrariando a natureza que o aviventava. Entretanto, ele resistia e triunfava!
A delicada forma cônica dilatava-se-lhe,
encurvava-se, sobressaía com a íntima energia de um botão de magnólia que vai
desabrochar em largas pétalas. Sedutor cada vez mais.
Tornou-se tímido. O recato da cambraia que
o contrariava agrada-lhe então.
O próprio ambiente morno da alcova parece
feri-lo com um contato sacrílego.
O sofrimento que então o tortura já não é a
contrariedade daqueles panos que o abafavam.
O sofrimento consiste em pancadas íntimas,
violentas, que o agitam e mortificam.
Está amando, o pobre...
Por fim, expande-se.
Rasgam-se os linhos e as cambraias, e dois
lábios impetuosos, sedentos, vão lá ao fundo violar o recato do amante
misterioso e invisível.
Mudou-se-lhe de todo a natureza, ele
engorgita-se em plena maturidade.
Uma criaturinha vem sofregamente sugar-lhe
a seiva e nutrir-se dele como a parasita que vive da vitalidade alheia...
......................................
Então começa a decadência.
O belo seio, outrora rijo de virgindade e
frescura, estremecendo às emoções elétricas do amor, desprende-se tristemente
da antiga firmeza escultural e cai, como os frutos caem no fim do outono...
Em breve, há de apodrecer no campo,
alimento dos vermes famintos, húmus fecundos da terra, como o fruto que o
outono deixa, repasto das novas primaveras, vorazes, egoístas...
É quase a história comum de todos os
frutos.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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