IDÍLIO
RETROSPECTIVO
Jamais dois entes se amaram tanto.
Um era para o outro, e ambos para o amor;
um amor egoísta, feroz, exclusivo, selvagem, adorável, único.
Tanto ardor era um perigo.
As fogueiras imensas correm sempre o risco
de morrer depressa.
Mas aquele amor parecia inextinguível como
o fogo de Vesta.
Durante o dia, viviam na comunidade do seu
afeto, idolatrando-se mutuamente, com toda a energia de adoração que o olhar
possui. Durante a noite, a ilusão do sonho prolongava deliciosamente a ventura
dos dias...
Depois, separaram-se, por uma fatalidade...
Cada um sepultou religiosamente no mais sagrado recôndito de sua alma a
relíquia rara e santa daquela paixão...
Veio então essa cousa terrível que se chama
o tempo...
Um ano... dois anos... quarenta anos
passaram-se sobre aqueles peitos.
E cada ano que passa é uma túnica de pedra
que reveste os corações.
Ela passara quarenta anos no Sul, ele os
passara no Norte.
Agora encontravam-se os velhos.
Ela começava a ficar corcunda, a multidão
dos netinhos comprimia-se-lhe timidamente nos joelhos, pedindo bênção. O
formoso rosto de outrora era uma ruína então; sentia-se, a subir, a hora dos
anos. Aqueles lábios que mal se viam, tinham saudade dos lábios de quinze anos,
que tão lindos sorrisos souberam fazer... Apenas os olhos, macios como a luz da
lua, os dois grandes olhos, eram os mesmos ainda.
Parece até que as sobrancelhas de prata os
faziam mais belos. Restava essa compensação.
Às ruínas daquele rosto ficara a doce
consolação do luar daqueles olhos..
O venerando sexagenário arredou
afetuosamente as e magras da avó e colo crianças, tomou as mãos rugosas as
longamente aos lábios.
Beijava, nas rugas daquelas mãos, a suave
recordação dos bons idílios dos vinte anos.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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