quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Padre Antônio Vieira: "Sermão de Nossa Senhora do Ó"

SERMÃO DE NOSSA SENHORA DO Ó (1640)

Ecce concipies in utero, et panes Filium.


CAPÍTULO I

A figura mais perfeita e mais capaz de quantas inventou a natureza e conhece a geometria é o  círculo. Circular é o globo da terra, circulares as esferas celestes, circular toda esta máquina do  universo, que por isso se chama orbe, e até o mesmo Deus, se sendo espírito pudera ter figura, não  havia de ter outra, senão a circular. O certo é que as obras sempre se parecem com seu autor; e  fechando Deus todas as suas dentro em um círculo, não seria esta idéia natural, se não fora parecida à  sua natureza. — Daqui é que o mais alumiado de todos os teólogos, S. Dionísio Areopagita, não  podendo definir exatamente a suma perfeição de Deus, a declarou com a figura do círculo: Velut  circulus quidam sempiternus propter bonum, ex bono, in bono et ad bonum certa, et nusquam  oberrante glomeratione circummiens. Estes são os dois maiores círculos que até o dia da Encarnação  do Verbo se conheceram; mas hoje nos descreve o Evangelho outro círculo, em seu modo maior. O  primeiro círculo, que é o mundo, contém dentro em si todas as coisas criadas; o segundo, incriado e  infinito, que é Deus, contém dentro em si o mundo; e este terceiro, que hoje nos revela a fé, contém  dentro em si ao mesmo Deus. Ecce concipies in utero, et paries Filium: hic erit magnus, et Filius  Altissimi vocabitur. Nove meses teve dentro em si este círculo a Deus, e quem poderá imaginar  que, estando cheio de todo Deus, ainda ali achasse o desejo, capacidade e lugar para formar outro  círculo? Assim foi, e este novo círculo, formado pelo desejo, debaixo da figura e nome de O, é o que  hoje particularmente celebramos na expectação do parto já concebido: Ecce concipies et paries. De  um e outro círculo travados entre si, se comporá o nosso discurso, concordando — que é a maior  dificuldade deste dia — o Evangelho com o título da festa, e o título com o Evangelho. O mistério do  Evangelho é a conceição do Verbo no ventre virginal de Maria Santíssima; o título da festa é a  expectação do parto e desejos da mesma Senhora, debaixo do nome do O. E porque o O é um círculo,  e o ventre virginal outro circulo, o que pretendo mostrar em um e outro é que, assim como o círculo  do ventre virginal na conceição do Verbo foi um O que compreendeu o imenso, assim o O dos desejos  da Senhora na expectação do parto foi outro circulo que compreendeu o eterno. Tudo nos dirão, com a  graça do céu, as palavras que tomei por tema. Ave Maria. 


CAPÍTULO II

Ecce concipies in utero, et paries.

Uma das maiores excelências das Escrituras divinas é não haver nelas nem palavras, nem sílaba,  nem ainda uma só letra que seja supérflua ou careça de mistério. Tal é o misterioso O que hoje  começa a celebrar, e todos estes dias repete a Igreja, breve na voz, grande na significação, e nos  mistérios profundíssimo. Mas, contra este mesmo princípio, parece que no nosso texto, com ser tão  breve, não só temos uma letra, senão uma sílaba e uma palavra supérflua. E que sílaba, e que palavra?


In utero. Dizendo o anjo à Senhora: Ecce concipies et paries, que conceberia e pariria o Filho de  Deus, bem claramente se entendia não só a substância do mistério, senão o modo e o lugar, e que este  havia de ser o sacrário virginal do ventre santíssimo. Supérfluo parece logo sobre a palavra concipies,  acrescentar in utero. Mas esta embaixada deu-a o anjo, mandou-a Deus, e refere-a o evangelista, e  nem Deus, nem o anjo, nem o evangelista haviam de dizer palavras supérfluas. A que fim, pois,  quando se anuncia este oráculo — que foi o maior que veio, nem virá jamais do céu à terra — se diz e  se repete por três bocas, uma divina, outra angélica, e outra mais que humana, que o mistério da  conceição do Verbo se há de obrar sinaladamente no útero ou ventre da Mãe: Ecce concipies in utero?  Sem dúvida porque era tão grande a novidade, e tão estupenda a maravilha, que necessitava a fé de  toda esta expressão. Haver-se Deus de fazer homem, novidade foi que assombrou aos profetas quando  a ouviram. Porém, que esse mesmo Deus, sendo imenso, se houvesse ou pudesse encerrar em um  círculo tão breve, como o ventre de uma Virgem: In utero? Esta foi a maravilha que excede as  medidas de toda a capacidade criada.

Considerai a imensidade de Deus, e vereis até onde chega e se estende o significado desta pequena,  ou desta grande palavra: In utero. Imensidade é uma extensão sem limite, cujo centro está em toda a  parte, e a circunferência em nenhuma parte: Cujus centrum est ubique, circumferentia nusquam.  Ponde o centro da imensidade na terra, ponde-o no sol, ponde-o no céu empíreo, está bem posto.  Buscai agora a circunferência deste centro, e em nenhuma parte a achareis. Por quê? A razão é porque  sendo a terra tão grande, e o sol cento e sessenta vezes maior que a terra, e sendo o céu muitos  milhões de vezes maior que o sol e o empíreo, com excesso incomparável maior que os outros céus,  todas essas grandezas têm medida e limite: a imensidade não. Deus, por sua imensidade, como bem  declarou S. Gregório Nazianzeno, está dentro no mundo e fora do mundo: Deus in universo est, et  extra universum. Mas se fora do mundo não há lugar, porque não há nada, onde está Deus fora do  mundo? Está onde estava antes de criar este mundo. Se Deus não estivera neste espaço, onde hoje está  o mundo, não o pudera criar; e como Deus, fora do mundo, pode criar infinitos mundos, também está  em todos esses espaços infinitos, a que chamamos imaginários. E porque outrossim os espaços  imaginários, que nós podemos imaginar mas não podemos compreender, não têm limite, por isso o  centro da imensidade, que se pode pôr dentro ou fora do mundo, nem dentro nem fora do mundo pode  ter circunferência. Comparai-me o mar com o dilúvio. O mar tem praias, porque tem limite; o dilúvio,  porque era mar sem limite, não tinha praias: Omnia pontus erat, deerant quoque litora ponto. Assim a  imensidade de Deus — quanto a comparação o sofre. — Está a imensidade de Deus no mundo e fora  do mundo; está em todo lugar e onde não há lugar; está dentro, sem se encerrar, e está fora, sem sair,  porque sempre está em si mesmo. O sensível, o imaginário, o existente e o possível, o finito e o  infinito, tudo enche, tudo inunda, por tudo se estende, e até onde? Até onde não há onde, sem termo,  sem limite, sem horizonte, sem fim, e, por isso, incapaz de circunferência: Circumferentia nusquam.


CAPÍTULO III

Mas, ó grandeza sobre todas as grandezas, ó milagre sobre todos os milagres, o do ventre virginal  de Maria! Não se diga já que a imensidade de Deus não tem circunferência, pois o ventre de Maria,  assim como Deus é imenso, o concebe todo dentro em si, assim como é imenso, o compreende, assim  como é imenso, o cerca. Aquela mesma imensidade de Deus, a que não podem fazer circunferência os  orbes celestes, nem o globo inteiro do universo, nem os espaços imaginários, sempre mais e mais  infinitos, essa mesma imensidade, e não outra, é a que abraça, encerra e contém dentro em si o círculo  daquele ventre puríssimo. E se aquele sagrado círculo verdadeiramente cerca ao mesmo Deus, quão  grande ele é em toda sua imensidade, diga-se sim que o centro da imensidade divina está em toda a  parte: Cujus centrum ubique, mas não se diga já que em nenhuma parte tem a circunferência:  Circumferentia nusquam, porque o círculo do ventre virginal é a parte onde tem uma circunferência  tão capaz e tão cabal, que a todo Deus imenso como é, abraça e cerca. Não é pensamento meu, senão  do profeta Jeremias, ou do mesmo Deus por sua boca.

Creavit Dominus novum super terram (Jer. 31,22), diz o profeta Jeremias: Criou Deus uma coisa  nova sobre a terra — e tão nova que nem na terra se viu, nem no céu se imaginou semelhante. E que  coisa nova e tão nova é esta: Femina circumdabit virum: Uma mulher a qual há de cercar o varão. —  O varão por antonomásia neste caso é o Verbo Eterno encarnado. Todos os outros homens, quando se  geram e concebem no ventre da mãe, não são homens, nem ainda meninos, porque só têm a vida  vegetativa ou sensitiva, e ainda não estão informados com a alma racional; porém, o Verbo  Encarnado, Cristo, desde o primeiro instante de sua conceição, foi varão perfeito e perfeitíssimo, não  só com todas as potências da alma e do corpo, senão também com o uso delas. Assim como o  primeiro Adão nunca foi menino, senão homem e varão perfeito, desde o instante de sua criação,  assim também o segundo Adão, e com maior maravilha, porque foi varão perfeito, não em corpo e  estatura varonil, como o primeiro, mas naquela quantidade mínima em que são concebidos os outros  homens. Essa é a razão por que o mesmo Cristo, à diferença de todos os que nasceram de mulher,   se  chama em frase da Escritura, aquele que foi gerado varão: Vir oriens nomen ejus. Deste varão,  pois, nunca menino e sempre homem, porque sempre homem e Deus, deste é que fala Jeremias,  quando diz que uma mulher o havia de cercar: Femina circumdabit virum.

Mas por que se declara este profeta pela palavra cercar, termo também novo e inaudito? Isaías,  profetizando o mesmo mistério, disse: Ecce virgo concipiet, et pariet Filium, et vocabitur nomem ejus  Emmanuel: que uma virgem conceberia e pariria a Deus. Pois, se Jeremias se tinha empenhado em  dizer uma coisa nova e nunca ouvida: Creavit Dominus novum super terram, por que a não pondera  também pela maravilha da conceição e parto virginal, e em lugar de dizer que a mulher de que fala  conceberá e parirá a Deus feito homem, não diz que o conceberá e parirá, senão que o cercará:  Femina circumdabit virum? Sem dúvida porque a maior maravilha do mistério da Encarnação é  chegar nele Deus a estar cercado. Estar Deus cercado dentro do ventre virginal, sendo imenso, foi  fazer que a imensidade tivesse circunferência; e ajuntar a circunferência com a imensidade foi mais  que ajuntar a virgindade com o parto. Ajuntar a virgindade com o parto foi inventar Deus um  nascimento digno da sua divindade, porque, como diz S. Bernardo, havendo Deus de ter mãe, não  podia ser senão virgem, e havendo uma virgem de ter filho, não podia ser senão Deus. Mas, cercando  a mesma Virgem, dentro do claustro materno, a todo Deus, e ajuntando a circunferência com a  imensidade, foi maior maravilha e maior obra. Por quê? Porque foi fazer outro imenso maior que o  imenso. Valha-me São Boaventura: Immensum vas non potest esse plenum, nisi immensum sit illud  quo est plenum: Maria autem vas immensissimum fuit, ex quo illum, qui caelo major est, continere  potuit. Supõe e prova juntamente o Doutor Seráfico, que o ventre virginal foi imenso, porque a  capacidade que recebe e contém dentro em si o imenso, não pode ser senão imensa. Deus é imenso:  logo o ventre virginal, que concebeu e teve dentro em si a Deus, também é imenso. E basta isto? Não.  Maria autem vas immensissimum fuit, ex quo illum, qui caelo major est, continere potuit. Não só diz  que o ventre de Maria foi imenso, senão imensíssimo. E por que, teólogo divino? Porque cercou a  Deus. Quando um imenso cerca outro imenso, ambos são imensos, mas o que cerca maior imenso que  o cercado; e por isso, se Deus, que foi o cercado, é imenso, o ventre que o cercou, não só há de ser  imenso, senão imensíssimo. A boa filosofia admite que pode haver um infinito maior que outro  infinito, porque se houver infinitos homens, também os cabelos hão de ser infinitos; porém o infinito  dos cabelos, maior que o infinito dos homens. Pois, assim como pode haver um infinito maior que  outro infinito, assim pode haver um imenso maior que outro imenso. E tal foi o claustro virginal de  Maria: Ecce concipies in utero. Deus, que foi o concebido, imenso; e o útero, que o concebeu, porque  o cercou, imensíssimo: Maria autem vas immensissimum fuit.

Ainda temos melhor autor que São Boaventura, com ser tão grande doutor, que a Igreja o fez  supernumerário aos quatro doutores da grega e aos quatro da latina. E que autor é este? A mesma  Virgem, Senhora nossa. Falando a Senhora de si no capítulo vinte e quatro do Eclesiástico, diz estas  palavras: Gyrum caeli circuivi sola (Eclo. 24,8): O círculo que cerca o céu, eu só o cerquei. —  Admiravelmente dito. O círculo criado, que cerca o mundo, é o céu; o circulo incriado e imenso, que  cerca o céu, é Deus; e o círculo imensíssimo, que cercou a esse Deus imenso, é Maria: Gyrum caeli  circuivi sola. Demos o seu a seu dono. O comento e o pensamento é de Ricardo de Sancto Laurentio:  Gyrum caeli, id est, illum, qui claudit omnia, Christum scilicet, qui est gyrus ingyrabilis, circuivi  gremio uteri mei. O círculo que cerca o céu é aquele que cerca e encerra em si todas as coisas, que é  Deus. Este círculo, porém, por sua essência e grandeza, é tal que se não pode cercar: Gyrus ingyrabilis. Não se podia declarar uma coisa tão nova, sem se fazer também uma palavra nova: gyrus,  porque Deus, por sua imensidade, cerca tudo; e juntamente ingyrabilis, porque essa mesma  imensidade, como dizíamos, o faz incapaz de circunferência e de poder ser cercado. Mas esse  impossível, que a essência e definição da imensidade não permitia, venceu a capacidade, não só  imensa, mas imensíssima, do útero e grêmio virginal de Maria: illum, qui claudit omnia, qui est gyrus  ingyrabilis, circuivi gremio uteri mei. Isto é o que disse o Eclesiástico, quando pronunciou em nome  da Senhora: Gyrum caeli circuivi sola; isto o que tinha profetizado Jeremias, quando disse: Femina  circumdabit virum; e isto o que lhe anunciou o anjo, quando disse: Ecce concipies in utero.


CAPÍTULO IV

Já o dito até aqui bastava para que eu desse por desempenhada a promessa de que o círculo do útero  virginal foi um O que compreendeu dentro em si o imenso. Mas será bem que o mesmo imenso o  diga, resumindo também a um O a sua imensidade. Apareceu Cristo, Senhor nosso, ao evangelista S.  João na primeira visão do seu Apocalipse, e disse-lhe: Ego sum alpha et omega, principium et finis(Apc. 1,8): Eu sou o Alfa e o Ômega, porque sou o princípio e o fim de tudo: o princípio, enquanto Criador do mundo, e o fim, enquanto reparador dele. Alfa e Ômega são a primeira e última letra do  alfabeto grego, o qual começa em A e acaba em O. E esta foi a razão e o mistério porque, sendo  Cristo hebreu e S. João também hebreu, não lhe falou o Senhor em hebraico, senão em grego, porque  o alfabeto grego acaba em O, e o hebraico não. O alfabeto hebraico também começa em A, que é o  seu aleph; e para significar, na primeira letra, as obras da criação, enquanto Cristo é princípio, tanto  servia o alfabeto hebraico como o grego. Porém o Senhor usou do grego, sendo estranho, e deixou o  hebraico, sendo natural e da própria língua, porque, para significar na última letra o mistério da  reparação, enquanto o mesmo Cristo é fim, só o O tinha propriedade e semelhança. E esta  semelhança, em que consiste? Consiste em que a figura do O é circular, e assim como o O é um  círculo, assim o mistério da Encarnação foi outro círculo: Deus humanatus dicitur esse circulus, ut  circumferentia dicatur humanitas, centrum autem divinitas. O mistério da Encarnação do Verbo —  diz S. Boa-ventura — foi um círculo porque, vestindo-se Deus de nossa carne, a humanidade de  Cristo cercou e encerrou em si a divindade. E por este modo inefável ficou sendo a mesma divindade  o centro, e a humanidade a circunferência. Sendo, pois, o mistério da Encarnação, que foi o fim e  última perfeição de todas as obras de Deus, este perfeitíssimo círculo, por isso Cristo disse a S. João  que, assim como ele, enquanto primeiro princípio, é a primeira letra, A, assim, enquanto último fim, é  a última letra, O: Ego sum Alpha et Omega.

Mas todos os que tiverem qualquer notícia dos elementos da língua grega, porão aqui uma dúvida,  que está muito à flor da terra, fundada no mesmo O e no mesmo alfabeto. No alfabeto grego não há um só O, senão dois; um que se chama Ômega, que quer dizer O grande, e outro que se chama  ômicron, que quer dizer O pequeno. Logo, falando Cristo, como falava, do mistério de sua  Encarnação, parece que se havia de comparar ao O pequeno, e não ao O grande. O nome de grande,  não só em comparação do homem, mas absolutamente, e fora de toda a comparação, compete à  divindade. Pelo contrário, a humanidade, ainda comparada com outras criaturas, é pequena, e menor  que elas: Minuisti eum paulo minus ab angelis. Pois, se Cristo falava de si enquanto homem, por  que se não compara ao O pequeno, senão ao O grande, e por que não diz: Ego sum omicron, senão  Omega. A razão é porque, falando Cristo da sua humanidade na metáfora de O e de circulo, não devia  considerar nela o que era, senão o que cercava. Cercava a divindade do Verbo, cercava toda a  imensidade divina, e um círculo de tão infinita capacidade, que fazia circunferência à mesma  imensidade, não podia formar um O que não fosse o maior de todos: Ego sum alpha et omega,  principium et finis. Enquanto Deus, que é o princípio, era Alfa; enquanto homem, que é o fim, era Ômega. Mas, sendo tão grande o Ômega, que encerrou dentro em si o Alfa, sendo tão grande e tão  imenso o O, que encerrou dentro em si o A, como podia ser O pequeno?

Para bem vos seja, Virgem puríssima, esta grandeza da humanidade de vosso Filho, e para bem  outra vez, porque não seria tão grande a capacidade daquele O, se do círculo, onde foi concebido, a  não participara. Manílio, no livro quarto da sua Astronomia, diz uma coisa admirável, e é que os que  nascem debaixo do signo de Virgem recebem desta influência tal graça no escrever, que uma letra sua  contém uma palavra: Hic et scriptor erit, felix cui littera verbum est. Eu não direi o fundamento  que teve Manílio para sair com este axioma, nem os outros astrônomos o comentam facilmente. Mas  o certo é que Cristo nasceu debaixo do signo da Virgem, o certo é que Cristo nesse mesmo mistério  diz de si que é um O, e o certo é que esta letra e este O contém a primeira e maior palavra, que é o  Verbo Eterno: Cui littera Verbum est. Grande, singular, imensa capacidade do Filho, mas participada  do útero virginal da Mãe, em que foi concebido enquanto homem: Ecce concipies in utero. Enquanto  Deus, também Cristo foi concebido no útero do Pai: Ex utero, ante luciferum, genui te. Notai,  porém, a diferença, mais com pasmo que com admiração. O Pai-Deus de tal maneira concebeu o  Filho, Deus, que encerrou nele toda a sua essência em uma palavra; e a Mãe-Virgem de tal maneira  concebeu ao Filho-Homem, que encerrou nele a mesma essência em uma letra: a palavra é o Verbo, a  letra é o O: Cui littera Verbum est.


CAPÍTULO  V

Assentado, como temos visto, que o círculo do ventre virginal, na conceição do Verbo, foi um O  que compreendeu o imenso, segue-se agora mostrar como o O dos desejos da mesma Senhora, na  expectação do parto, foi um círculo que compreendeu o eterno. A eternidade e o desejo são duas  coisas tão parecidas, que ambas se retratam com a mesma figura. Os egípcios, nos seus hieroglíficos,  e antes deles os caldeus, para representar a eternidade pintaram um O, porque a figura circular não  tem princípio nem fim, e isto é ser eterno. O desejo ainda teve melhor pintor, que é a natureza. Todos  os que desejam, se o afeto rompeu o silêncio, e do coração passou à boca, o que pronunciam  naturalmente é O. Desejou Davi água da cisterna de Belém, e antes de declarar aos soldados qual era  o seu desejo, adiantou-se um O a dizer o que desejava: Desideravit ergo David, et ait: O, si quis mihi  daret potum aquae de cisterna, quae est in Bethlehem! O O foi a voz do desejo: as demais a  declaração. E como a natureza em um O deu ao desejo a figura da eternidade, e a arte em outro O deu  à eternidade a figura do desejo, não há desejo, se é grande, que na tardança e duração não tenha muito  de eterno.

Os desejos da Virgem Santíssima, que todos eram: Oh! quando chegará aquele dia! Oh! quando  chegará aquela ditosa hora, em que veja com meus olhos e em meus braços ao Filho de Deus e meu!  Oh! quando? Oh! quando? Oh! quando? Estes desejos da Senhora começaram na conceição e  acabaram no parto. Mas, desejos que começaram e acabaram? Desejos que tiveram princípio e fim?  Como podiam ser eternos? Como podia igualar a duração de uma eternidade o espaço que foi somente  de nove meses? Entre a conceição e o parto não meteu o anjo mais que um et ecce concipies et paries.  Mas não é coisa nova nesta mesma embaixada trocar a Senhora alguma palavra do anjo em outra.  Assim como trocou o Eva em Ave, assim trocou o et em o. E reduzidos os nove meses ao círculo  perfeito deste O, não é muito que fossem eternos. O mesmo et, sem mudança, se não diz toda a  eternidade, diz parte dela, e na eternidade não há parte que não seja eterna. No et do anjo começaram  a ser eternos os desejos, que também então começaram a ser; e no O tão continuado e repetido da  Senhora, acabaram de cerrar o círculo da sua eternidade. Nem é contra a extensão natural da  eternidade a limitação do tempo de nove meses, porque não devemos conceder menos à capacidade  do coração da Senhora do que à do ventre santíssimo. A maior capacidade que criou a natureza é a do  coração humano; e se o ventre de Maria foi capaz de encerrar o imenso, por que não seria capaz seu  coração de estreitar o eterno? O eterno e o temporal são tão opostos como a eternidade e o tempo. A  eternidade não conta dias nem meses; o tempo sim, que por isso contou nove desde a conceição até o  parto da Virgem, a quem S. João Damasceno chamou: Officina miraculorum. E se nesta oficina  miraculosa o eterno se pode fazer temporal, o tempo por que se não poderia fazer eterno?

Naquela famosa carroça, que descreve o profeta Ezequiel, na qual ia ou era levado Deus, o artifício  das rodas era admirável, porque dentro de uma roda estava ou se revolvia outra roda: Rota in medio  rotae. E que duas rodas eram estas? Uma era a roda do tempo, e a outra a roda da eternidade, diz  Santo Ambrósio: Rota in medio rotae, veluti vita intra vitam, quod in hac vita corporis, vitae volvatur  usus aeternae. A roda do tempo é pequena e breve; a roda da eternidade é grandíssima e amplíssima,  e, contudo, a roda do tempo encerra e revolve dentro em si a roda da eternidade, porque, qual for a  vida temporal de cada um, tal será a eterna, diz o santo. De maneira que a maravilha destas duas rodas  era que, sendo a eternidade tão grande e tão imensa, a roda da eternidade se encerrava dentro da roda  do tempo. Agora pergunto eu: e qual era a carroça de Deus, que sobre estas rodas se movia? Não só  era a Virgem Santíssima, como alegorizam os Santos Padres, mas era a mesma Virgem,  sinaladamente no espaço dos nove meses que teve a Deus em suas entranhas. Assim como o que vai  ou é levado em uma carroça não dá passo nem tem outro movimento senão o da carroça, assim o  filho, enquanto está nas entranhas da mãe, não se move ou muda de lugar senão quando se move a  mesma mãe, e deste modo se houve ou andou Cristo em todos os nove meses que se contaram desde a  sua conceição até o seu nascimento. Depois de concebido partiu logo às montanhas de Judéia a  santificar o seu precursor, das montanhas tornou para Nazaré, de Nazaré foi a Belém, e não só nestas  jornadas mais largas, mas em todos seus movimentos, nenhum passo deu a Majestade humanada, que  não fosse na mesma carroça real, que por isso se chamava sua, como própria da pessoa do Verbo. E  como esta carroça de Deus representava a Mãe do mesmo Deus, em todo aquele tempo que o trouxe  dentro em si, por isso as rodas sobre que se movia eram fabricadas e travadas com tal artifício, que  dentro da roda do tempo se revolvia a roda da eternidade, para significar que os dias e meses que  passaram desde a conceição até o parto, posto que parecessem breves na duração, eram, no desejo,  eternos.


CAPÍTULO VI

E se me perguntarem os filósofos, como podia o desejo fazer eternos aqueles dias, sendo de tão  poucos meses, respondo que o modo foi, e a razão é porque os desejos da Senhora e os OO dos  mesmos desejos — que também são rodas — unidos e acrescentados à roda do tempo, posto que o  tempo fosse finito, eles o multiplicavam infinitamente. Assim o disse Davi, falando da mesma carroça  de Deus: Currus Dei decem millibus multiplex. O caldeu lê: centum millibus; Santo Agostinho:  millies millibus; S. Jerônimo: innumerabilis; Novatiano: infinitus, imensus. Quer dizer que o número  na carroça de Deus se multiplica a milhares, a dezenas de milhares, a centenas de milhares, a contos e  milhões de milhares; em suma, que chega a ser inumerável, infinito, imenso. Não se poderá declarar o   que digo nem com melhor comparação nem com mais apropriado exemplo que este da multiplicação  da aritmética: Decem, centum, millies millibus multiplex. Sabeis como eram os OO dos desejos da  Senhora nos dias, nas horas, nos momentos de todos aqueles meses da expectação do sagrado parto,  em que, depois de concebido o Filho de Deus em suas entranhas, suspirava pelo ver nascido? Eram os  OO dos desejos da Senhora na multiplicação do tempo como as cifras da aritmética, que também são  OO. Ajunta-se a cifra ao número, e que faz? A primeira cifra multiplica dez, a segunda cento, a  terceira mil, e se chegar a vinte e quatro cifras quantas são as horas do dia, multiplicam tantos  milhares sobre milhares, e milhões sobre milhões que excedem a capacidade de toda a compreensão  humana. Perguntam curiosamente os matemáticos, se desde o centro da terra até o céu estivesse todo  este mundo cheio de areia miudíssima, quanto seria o número daqueles grãos de areia? Esta questão  excitou já antigamente Arquimedes, ainda mais estendida, e não é dificultosa de resolver, porque  medida primeiro geométrica, mente a capacidade ou côncavo do céu da lua, logo, por demonstração  aritmética, se colhe com certeza quanto seria o número das areias que o podem encher. Mas, reduzido  este mesmo número inumerável a figuras aritméticas, parece coisa digna de admiração que todo ele somado se venha a resumir em uma unidade e trinta e duas cifras somente. Passemos agora dos OO  destas cifras aos OO dos desejos da Senhora.

Os OO dos desejos da Virgem Santíssima, no espaço daqueles nove meses, não se hão de contar  por dias, nem por horas, nem por minutos, senão por instantes, porque não houve instante em todo  este tempo, nem de dia nem de noite, em que no coração da Senhora se não estivessem multiplicando  os mesmos OO, suspirando e anelando sempre por aquela hora, que tanto mais tardava e se alongava,  quanto era mais desejada. E digo nem de dia nem de noite, porque ainda que o brevíssimo sono dava  suas tréguas aos sentidos, o coração, que não se podia apartar donde tinha o seu tesouro, como vela  que sempre ardia, sempre vigiava: Ego dormio, et cor meum vigilat. Pois, se os OO de trinta e  três cifras multiplicavam ou multiplicariam aquele número sem conta, os de tantos e tão continuados  instantes, que em cada parte de tempo são infinitos, vede se o fariam eterno? A multiplicação artificial  das cifras — sem mudarem a figura, que sempre é o mesmo O — consiste em que a segunda cifra  excede proporcionalmente a primeira, a terceira a segunda, a quarta a terceira, e assim as demais. E a  este mesmo medo se excederam e iam excedendo também os OO dos desejos da Senhora, sendo  sempre os seguintes maiores e mais intensos que os que tinham precedido. A razão teológica e conatural deste argumento era porque a cada desejo da Mãe de Deus correspondia novo aumento de  graça, a cada aumento de graça, maior amor do mesmo Filho, e ao maior amor, maior e mais intenso  desejo. Assim que, sendo os círculos dos primeiros OO grandes, os que lhes iam sucedendo mais e  mais sempre eram maiores. Dê-nos aqui o exemplo a natureza, assim como até agora no-lo deu a arte.

Se acaso ou de indústria lançastes uma pedra ao mar sereno e quieto, ao primeiro toque da água  vistes alguma perturbação nela; mas tanto que esta perturbação se sossegou, e a pedra ficou dentro no  mar, no mesmo ponto se formou nele um círculo perfeito, e logo outro círculo maior, e, após este,  outro e outros, todos com a mesma proporção sucessiva, e todos mais estendidos sempre, e de mais  dilatada esfera. Este efeito maravilhoso celebra muito Sêneca, no primeiro livro das suas questões  naturais, e dele aprenderam os filósofos o modo com que a voz e a luz se multiplicam e dilatam por  todo o ar. Mas, se a natureza, na multiplicação e extensão destes círculos teve outro intento mais alto,  sem dúvida foi para nos declarar, com a propriedade desta comparação, o modo com que os OO dos  desejos da Senhora, ao passo com que se multiplicavam, juntamente se estendiam. A Virgem Maria  era o mar, que isto quer dizer Maria: a pedra era o Verbo encarnado; Cristo: Petra autem erat  Christus; o primeiro toque da pedra no mar foi quando o anjo, na embaixada à Virgem, lhe tocou  em que havia de ser Mãe, com bênção sobre todas as mulheres: Benedicta tu inter mulieres (Lc. 1,19).  E que sucedeu então? Duas coisas notáveis. A primeira, que a serenidade daquele mar puríssimo se  turbou um pouco: Turbata est in sermone ejus; a segunda que, sossegada esta perturbação: Ne  timeas Maria, no mesmo ponto em que a Senhora disse: Fiat mihi secundum verbum tuum, e  a pedra desceu a seu centro, logo os círculos, que eram os OO dos desejos da Senhora, se começaram  a formar e crescer no seu coração de tal sorte, que sempre os que se iam sucedendo e multiplicando, à  medida do amor, que também crescia, eram mais crescidos também, e de maior e mais estendida  esfera.


CAPÍTULO VII

Agora vejamos estes círculos ou estes OO do desejo, unidos ao círculo ou à roda do tempo, que  efeitos causaram nele? Os efeitos foram que, sendo o período da expectação do parto tão breve como  de nove meses, o fizeram eterno. E por que ou como? Porque cresceu o desejo à proporção do amor, e  o tempo à proporção do desejo. Não me creiais a mim, senão aos dois maiores doutores da Igreja,  Nazianzeno, entre os gregos, e Agostinho, entre os latinos. S. Gregório Nazianzeno, com prefação de  que afirma uma grande verdade, diz que um só dia de ardente e ansioso desejo é igual a todo o tempo  a que se pode estender a vida humana: Profecto vel unicus dies totius vitae humanae instar est  desiderio laborantibus. A duração que as Escrituras dão comumente à vida humana são cem anos; e se  cada dia de desejos intensos se mede por cem anos de duração, e a cada dez dias respondem dez  séculos, que são mil anos, vede quantos milhares sobre milhares se podiam encerrar no círculo de  nove meses? E se isto afirma com tanta asseveração Nazianzeno, por antonomásia o Teólogo, sem  determinar objeto nem sujeito, que seria se supusesse que o objeto desejado era Deus, e o sujeito que  desejava, o coração da Mãe de Deus? Por isso Santo Agostinho remeteu toda a questão a Deus, como  Senhor dos tempos e autor dos desejos. E diz que travou Deus o tempo com o desejo reciprocamente  de tal sorte que, dilatando o tempo, estende o desejo, e estendendo o desejo, dilata o tempo: Deus,  dilatando, extendit desiderium. Sendo, pois, os OO dos desejos da Senhora uns círculos tão  estendidos, como vimos, bem se infere quão dilatados seriam neles os círculos do tempo. Tão  dilatados que a roda do tempo pôde compreender em si a roda da eternidade: Et rota in medio rotae.  Mas para que é recorrer a argumentos de doutores, se temos no próprio caso o testemunho expresso  da mesma Senhora do O. E quando deu a Senhora este seu testemunho, e com que palavras? Com as  mais adequadas ao seu pensamento, e as mais bem medidas com os seus desejos. Disse que os seus  desejos eram como o seu desejado: Dilectus meus totus desiderabilis; dilectus meus totus desideria   (Cânt. 5, 16): O meu amado é todo para desejar, e os meus desejos são como todo ele. — Assim o  traslada e interpreta a versão caldaica. E se os desejos da Senhora se mediam totalmente com o seu  desejado, e o desejado era imenso, infinito, eterno, vede se seriam também eternos os seus desejos?

Finalmente, para que não pareça encarecimento o que digo, deixai-me abater o discurso, para  melhor o provar, e ouvi como os desejos de quem desejava muito menos, só por serem do mesmo  desejado, foram também eternos. Quando Jacó, despedindo-se de seus filhos na hora da morte, lhes  lançou a bênção — a qual juntamente era bênção e profecia — o último termo que sinalou a todas as  felicidades que lhes prometia foi a vinda do Messias, a quem chama o desejo dos montes eternos:  Donec veniret desiderium collium aeternorum. Grandes e misteriosas palavras! Chama Jacó ao  Messias não o desejado, senão o desejo, porque havia de ser desejado tão singular e unicamente, que  os desejos de todas as outras coisas, em comparação deste desejo, nem eram, nem mereciam nome de  desejos. Mas por que lhe não chama desejo dos homens, senão desejo dos montes e dos outeiros:  Desiderium collium? Porventura porque até as criaturas insensíveis, sem uso de razão, nem  conhecimento de tanto bem, o haviam de desejar a seu modo e suspirar por ele. Assim explicam  alguns este lugar, com a energia daquela mesma figura com que disse o poeta: Ipsae te, Tytire, pinus,  ipsi te fontes, ipsa haec arbusta vocabant. Porém Jacó, no verdadeiro sentido em que falava, entendeu  por montes e outeiros os patriarcas e profetas, assim passados como futuros, nos quais só se  conservava a fé explícita de que o Messias havia de ser Filho de Deus. E por isso a esposa, falando da  mesma vinda do Messias, dizia: Ecce iste veniet saliens in montibus, transiliens colles. E  chamam-se os patriarcas e profetas montes e outeiros, porque, assim como os montes e outeiros se  levantam sobre os vales, e, extremando-se da outra terra, se avizinham mais ao céu, assim os  patriarcas e profetas, pela eminência da dignidade, da santidade e do conhecimento de Deus, em  respeito do outro povo, mal disciplinado e rude, e incapaz de tão altos mistérios, eram os montes e  outeiros do mundo. Mas agora entra a dúvida, em que todos, creio, tendes já reparado, e é por que  lhes chama eternos: Desiderium collium aeternorum? Os patriarcas e profetas, ainda que lhes demos a  antigüidade, desde o primeiro de todos, que foi Adão, de Adão até a morte de Jacó se passaram dois  mil anos; e se a continuarmos depois de Jacó, desde a morte de Jacó até a vinda do Messias, passaram  outros dois mil. Quanto mais que nesta segunda idade as vidas dos homens, por mais patriarcas e  profetas que fossem, eram tão breves como as nossas. Pois, se estes montes e outeiros caíam, e se  sepultavam, e se desfaziam em cinzas em tão breve tempo, como lhes chama Jacó eternos:  Desiderium collium aeternorum? Na palavra desiderium disse Jacó o porquê. Não vedes que o desejo  desses patriarcas e profetas, em que viveram, todo era suspirar pela vinda do Messias, todo era clamar  ao céu e a Deus, que acabasse já de vir: Donec veniret? O mesmo Jacó dizia: Salutare tuum expectabo; Moisés: Mitte quem missurus est; Davi: Ostende nobis, Domine, misericordiam tuam, et  salutare tuum da nobis; Isaías: Rorate caeli desuper, et nubes pluant justum; aperiatur terra, et  germinet salvatorem. E como os desejos dos patriarcas eram tão intensos, e a tardança do bem  desejado tão dilatada, ainda que o tempo das vidas fosse tão breve, a dilação dos desejos o fazia  eterno. Eram grandes, eram santos, eram eminentíssimos nas pessoas, mas muito mais se estendia  neles o tempo do que os levantava a dignidade: a dignidade os fazia montes, e o desejo, eternos:  Desiderium collium aeternorum.

Nem mais nem menos tomou estas medidas Davi, a quem os desejos e o desejado tocavam de mais  perto: Cogitavi dies antiquos, et annos aeternos in mente habui. Quando considero a antigüidade  dos patriarcas e profetas — assim entendem este lugar os mais graves expositores — quando  considero os tempos antigos, a tradição dos patriarcas e a fé dos profetas, aqueles homens tão  alumiados de Deus, que desde então esperavam e desejavam o que eu hoje só desejo e espero, os dias,  no meu entendimento, são anos, e os anos, eternidades: Cogitavi dies antiquos, et annos aeternos in  mente habui. Ainda tem maior mistério a distinção e repartição destes tempos. A Adão revelou-lhe  Deus que se havia de fazer homem, mas não disse como, nem de quem; a Abraão revelou-lhe que  havia de ser da sua descendência e da sua nação; a Davi, que havia de ser da sua casa e da sua família.  E quanto mais de perto tocava este bem aos homens, tanto mais se excitava neles o desejo, e tanto  mais crescia, com o desejo, a dilação. Na antigüidade remotíssima de Adão os momentos eram dias;  na menos remota de Abraão, os dias eram anos; mas na mais próxima, e já vizinha, de Davi, os anos  eram eternidades: Et annos aeternos in mente habui. Tudo isto sucedia segundo aquela regra natural,  que quanto o bem desejado está mais vizinho, tanto é maior o desejo. Bem assim como a pedra no ar,  que quanto mais se chega ao centro, tanto com maior velocidade se move: Desiderium acuit absentis  vicinitas, disse com verdadeira sentença o Cômico. E se esta vizinhança já em Davi fazia do  tempo eternidades, só porque sabia Davi que havia de nascer em sua casa, que seria no coração da  Virgem Santíssima, que já o tinha concebido em suas entranhas? Os dois que avaliaram estes desejos  por eternos foram nomeadamente Davi e Jacó, os mesmos dois de que o anjo anunciou havia Cristo  de ser herdeiro: Dabit illi Dominus Deus sedem David patris ejus, et regnabit in domo Jacob in  aeternum. E se Jacó e Davi de tão longe reconheciam esta eternidade, como a não compreenderia  o coração da Senhora dentro nos OO dos seus desejos, tanto mais intensos quantos mais vizinhos, e  tanto mais dilatados quanto mais intensos? Um patriarca dizia: O Sapientia! Outro suspirava: O  Adonay! Outro clamava: O Radix Jesse! Os demais: O Clavis David! O Oriens! O Rex Gentium! O Emmanuel! Mas nenhum disse, nem podia dizer: Ó Filho! E se os OO daqueles desejos faziam uns  círculos tão dilatados, que eram eternos: — Desiderium collium aeternorum, et annos aeternos in  mente habui  — que seriam os OO daquele coração e daquela Mãe, que o tinha concebido em  suas entranhas e o havia de ver nascido em seus braços: Ecce concipies in utero, et panes Filium.


CAPÍTULO VIII

Certo estou já que não haverá quem duvide que os desejos da Senhora foram eternos. O que só  receio, pelo contrário, é que não falte quem ponha dúvida a serem desejos. O bem — replicará algum  filósofo — o bem, que é o objeto da vontade, assim como tem diferentes tempos, assim causa na  mesma vontade diferentes afetos. Porque o bem, ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente,  causa gosto; se é passado, causa saudade; se é futuro, causa desejo. E como o bem, e sumo bem,  objeto dos afetos da Senhora, que era o Filho único de Deus e seu, não só o tinha presente, senão mais  que presente, porque o tinha dentro em si mesma, parece que antes havia de causar em seu coração  júbilos de gosto, e não ânsias nem desejos. Quem discorre desta sorte ainda não tem entendido que a  presença, para ser presença, há de ter alguma coisa de ausência. O objeto da vista, para se poder ver,  há de ser presente; se está pegado e unido à mesma potência, é como se estivera ausente: há de estar  apartado dos olhos para se poder ver. Assim a presença, para ser presença, não há de passar a seríntima, nem há de estar totalmente unida, senão, de algum modo, distante. É a queixa de Narciso, com  verdadeira razão, em história fabulosa: Quod cupio mecum est: inopem me copia fecit: O que desejo,  tenho-o em mim; e porque o tenho em mim, careço do que tenho. — Pois, que remédio? Votum in  amante novum: o remédio é um desejo novo, qual nunca desejou quem amasse. E que desejo é este?  Velle quod amamus abesse: desejar que o que amo se ausente e se aparte de mim. — Tal era o desejo  da Senhora, e tal a razão do seu desejo. Carecia do mesmo bem que tinha, porque o tinha dentro em  si. Por isso suspirava e desejava com ânsia vê-lo já fora, e esta era a causa dos seus OO: Quis mihi det  te fratrem meum, ut inveniam te foris: Oh! quem me dera, irmão e filho meu — irmão porque  tomastes de mim a natureza humana, e filho, porque eu vo-la dei — oh! quem me dera ver-vos já fora  de minhas entranhas, porque dentro delas, posto que vos tenho e possuo, não vos posso gozar. Ut  inveniam te; diz ainda com maior energia: Oh! quem me dera achar-vos! Como se dissera a ansiosa  Mãe, falando como mesmo Filho: — No dia em que vos concebi, foi como se vos perdera e vos  escondêsseis de mim, porque vos não posso ver. Se me pergunta a fé, onde estais: Ubi est Deus tuus? respondo, com toda a certeza que dentro em mim. Mas se mo perguntam os olhos, só lhes posso  responder que ainda vos busco e suspiro por vos achar: Ut inveniam te. E sendo esta a presença do  seu bem — ausente por muito presente — vede se tinha razão a Senhora de o desejar com ânsias, e  suspirar mais e mais por ele?

Deseja a Virgem Santíssima gozar a seu Filho ao medo com que o Padre Eterno o goza, pois era  Filho comum de ambos. Voai agora, se puderes tanto, os que pusestes a dúvida. Descreve o  evangelista S. João a geração eterna do Verbo, e diz que o Filho estava junto ao Padre, ou perto dele:  Et Verbum erat apud Deum. Aquele apud, assim como foi escândalo aos arianos, assim tem sido  reparo altíssimo a todos os maiores teólogos. Não diz Cristo, falando da mesma geração sua enquanto  Deus, que ele está no Padre, e o Padre nele: Ego in Patre, et Pater in me est (Jo. 14,10)? Pois, por que  não diz também S. João que o Verbo estava no Padre, senão junto a ele: Et Verbum erat apud Deum?  E se estava junto a ele, onde estava, e qual era o seu lugar: Ubi erat hoc Verbum? Quis erat locus  ejus? — pergunta Ruperto. E responde que o lugar onde estava o Verbo, era a distinção real com que  a pessoa do Padre se distingue do Filho, e a pessoa do Filho se distingue do Padre: Verbum erat apud  Deum, ut de personis non dubites, dum alteram audis esse vel fuisse ad alteram. O mesmo tinha dito  antes dele São Basílio e depois de ambos o diz Santo Tomás. Mas ouçamos discorrer altamente na matéria altíssima a Ricardo Vitorino. Deus é sumamente bom e sumamente beato: enquanto  sumamente bom, é suma e infinitamente comunicável; logo, não se podia comunicar infinitamente  senão a quem também fosse Deus, e este é o Filho. Enquanto sumamente beato, não podia ser ou estar  só, porque não há felicidade sem companhia: logo, quem lhe fizesse companhia nesta suma felicidade,  havia de ser distinto dele; e esta é a distinção real que há entre o Filho e o Padre.

Neste segundo ponto, que é o nosso, as palavras de Ricardo são: Felicitas summa non potest esse  unius solitarii sine consortio; Deus autem est sume felix, quare consortio debet habere. E se alguém  replicar que antes de haver mundo Deus estava só, porque somente havia Deus, responde Tertuliano  contra Praxéias, distinguindo uma soledade da outra, tão profundamente como costuma: Deus ante  omnia solus erat, ipse sibi, et mundus, et locus, et omnia: solus autem, quia nihil extrinsecus praeter  illum. Caeterum ne tum quidem solus, habebat enim secum rationem suam, hanc Graeci logon dicunt:  Deus antes do mundo estava só, porque fora de si não tinha produzido coisa alguma. Porém ainda  então não estava só, porque estava acompanhado do Verbo, o qual tinha consigo. Notai muito a  palavra habebat secum. De maneira que na natureza divina, sumamente comunicável, não bastou que  o Padre tivesse o Filho em si: Ego in Patre; mas, para que o mesmo Padre não estivesse só, e para que  fosse sumamente beato, foi necessário que tivesse o Filho também consigo: Habebat secum. E porque  o não podia ter consigo, senão distinguindo-se realmente uma Pessoa da outra, por isso foi juntamente  necessário que o Filho se distinguisse realmente do Padre, para que deste modo, não só estivesse nele,  senão junto a ele: Et Verbum erat apud Deum. Estava o Filho no Padre pela identidade da natureza, e  estava com o Padre pela distinção das Pessoas. E esta mesma diferença, que fazia no Pai a identidade  e a distinção, fazia na Mãe a conceição, e havia de fazer o parto, porque depois da conceição tinha o  Filho em si, e depois do parto havia-o de ter consigo. E se na diferença daquele in e daquele apud:  Ego in Patre, et Verbum apud Deum, consistia a razão da suma felicidade em Deus: Deus autem est  summe felix, quare consortium debet habere, — vede se era bastante motivo na Mãe do mesmo Deus,  ainda que o tivesse em si, desejar e desejar sumamente tê-lo junto a si?

 Esta é a verdadeira filosofia, porque o bem presente pode causar desejos, e porque a presença, para se lograr, há de ter alguma coisa de ausência. O bem e sumo bem da Senhora, enquanto o tinha dentro  em si, por muito presente, fazia-o presença invisível; porém, depois que o teve fora de si, e em seus  braços, esta mesma distância, que era parte de ausência, fez que o pudesse ver e gozar. E se é  propriedade do sumo bem visto, fazer as eternidades breves, que muito é que não visto, nem se  podendo ver, fizesse os dias eternos? Não acabava de entender S. Gregório Nazianzeno como pudesse  ser que os anos que serviu Jacó por Raquel lhe parecessem poucos dias, e no cabo achou e deu a  verdadeira razão, a qual não era nem podia ser outra, senão porque em todo aquele tempo gozava Jacó  a vista da mesma Raquel: Cujus rei haec fortasse causa erat, quia rei expetitae conspectu fruebatur. Se  enquanto a Senhora tinha o bendito fruto de seu ventre dentro em si o pudera ver, então os nove  meses lhe pareceriam breves dias; mas como era bem e sumo bem, por muito presente, invisível, todo  o tempo em que o não via nem podia ver se lhe fazia eterno. E por isso os seus desejos, como vimos,  mudaram o et do anjo em O, consumando a eternidade, que no mesmo et teve seu princípio: Ecce  conscipies, et paries.


CAPÍTULO IX

Tenho acabado o sermão, e mais depressa porventura, ou mais de repente do que imagináveis.  Todos esperavam que eu me lembrasse de duas obrigações mui precisas, das quais parece me esqueci  totalmente, porque, tendo presente a Majestade Sacrossanta do Diviníssimo Sacramento, e falando a  um auditório tão grave e tão numeroso, como se não olhasse para o altar nem para a Igreja, nem do   Sacramento disse uma só palavra, nem ao auditório dei um só documento. Este é sem dúvida o reparo  que todos fizestes nos dois discursos que preguei. E eu agora acabo de entender que nem percebestes  bem o primeiro, nem aplicastes, como devíeis, o segundo, porque o primeiro todo foi do Sacramento,  encarecendo a sua maior excelência, e o segundo todo foi ao auditório, dando-lhe a mais importante  doutrina.

No primeiro discurso, sobre as palavras: Ecce concipies in utero, não provei eu que o ventre  virginal da Senhora, pela conceição do Verbo Encarnado, fora a circunferência da imensidade, e um  círculo que compreendeu o imenso? Pois isso mesmo é o que a onipotência divina tornou a obrar por  nosso amor no mistério altíssimo do Sacramento, encerrando naquele círculo breve de pão toda a  imensidade de seu Ser divino e humano. Por que cuidais que instituiu a Igreja que a forma da Hóstia  consagrada fosse de figura circular, como foi desde seu princípio e se continuou sempre? Alguns  quiseram na Grécia que a figura da Hóstia fosse quadrada, para significar os quatro elementos de que  é composto o corpo de Cristo, e as quatro partes do mundo, sobre que tem absoluto e supremo  domínio; mas prevaleceu a figura circular, não só porque no círculo se representa também a  redondeza do mundo, mas, como diz São Gregório Papa, porque sendo figura que não tem princípio  nem fim, em nenhuma outra se exprime mais claramente a eternidade, a infinidade e a imensidade  divina, que naquele milagroso círculo está encerrada. Assim se fez e assim se havia de fazer, porque  muitos séculos antes da Encarnação do Filho de Deus, já era tradição dos doutores hebraicos, na  exposição do salmo setenta e um, que o sacrifício do Messias, como sacerdote segundo a ordem de  Melquisedec, havia de ser em pão, e esse pão formado em figura circular do tamanho da palma de  uma mão: Sacrificium Messiae fore placentam rotundam, sicut est vola manus.

Mas, para que são tradições, onde temos o ritual de Davi? Circuivi, et immolavi hostiam  vociferationis. Fala Davi de um sacrifício que ofereceu a Deus em ação de graças — como  consta de todo o salmo — e tal é o nosso sacrifício. Quando Cristo o instituiu, deu primeiro graças:  Gratias agens, fregit, e por isso se chama Sacramento da Eucaristia, que quer dizer ação de  graças. E quais foram os ritos ou cerimônias deste sacrifício? Três a coisas, diz o profeta, que só como  profeta as podia antever e imitar. Diz que fez um círculo à roda: circuivi; diz que ofereceu a Hóstia:  immolavi hostiam; e diz que a acompanhou, não com preces e orações, senão com brados e vozes:  vociferationis. No sacrifício, com nome de Hóstia, antevia e significava a que temos e adoramos  presente; no círculo que fez em roda, a figura circular de que havia de ser formada, em representação  da imensidade divina que encerra dentro em si; e nas vezes, não dearticuladas, senão a gritos, que  queria significar Davi? Parece que tinha diante dos olhos a solenidade deste dia. Desde o dia de hoje  por diante, até do nascimento do Senhor, na Catedral de Toledo, onde começou esta instituição, e em  muitas outras igrejas da cristandade, a última clausura dos Ofícios Divinos são vozes sem concerto  nem harmonia, clamando todo o clero e todo o povo a gritos oh! oh! oh! Isto é o que quer dizer  propriamente vociferationis. E como o diviníssimo Sacramento é a segunda parte do mistério da  Encarnação — por onde São João Crisóstomo lhe chamou Encarnação mais estendida — não é coisa  alheia ao espírito de Davi, antes mui própria dos seus fervorosos e arrebatados afetos, que à vista  daquela sagrada Hóstia, quando a sacrificava em figura, acompanhasse o mesmo círculo que fazia  exclamando ele e fazendo exclamar a todos com OO de júbilos, com OO de aplausos, com OO de  admirações: Oh! Hóstia, em que o sacrificado é Deus! Oh! círculo, que cercas e compreendes o  incompreensível! Oh! invento maior da Sabedoria! Oh! milagre sem igual da Onipotência! Oh!  firmeza! Oh! excesso! Oh! extremo do amor infinito para com os homens! Enfim, todos aqueles OO  que a Igreja resumiu em um só O: O sacrum convivium, in quo Christus sumitur!

Esta foi a alegoria do meu primeiro discurso, toda dirigida, Senhor, à vossa divina e humana  Majestade sacramentada. E a doutrina do segundo, em afetos tão sobre-humanos do primeiro  exemplar das virtudes, também foi encaminhada toda à imitação dos ouvintes. Que ouvistes sobre as  segundas palavras do tema: Et paries Filium? Ouvistes que estando a Virgem Santíssima toda cheia de  Deus, ainda se não satisfizeram seus desejos, desejando ter consigo ao que tinha em si, e acabar de ver  com seus olhos ao que estava escondido em suas entranhas. Ora, aplicai isto mesmo a vós. Nada  menos do que a Virgem concebeu dentro em si é o que nós recebemos dentro em nós quando  comungamos: ela ao Verbo a quem deu carne, e nós ao Verbo encarnado; ela a todo Deus, tão imenso  como é, e nós a todo Deus com toda a sua imensidade. E daqui se colhe quão grande injúria fará o  mesmo Deus quem depois de o ter todo em si, ainda deseja outra coisa. Qualquer outro desejo do  mundo neste caso, ou é declarada heresia, ou rematada loucura: ou heresia, porque é não ter fé ou  loucura, porque é não ter juízo. Condenando Sêneca a ambição monstruosa de Alexandre, disse com  profunda sentença: Inventus est qui aliquid concupisceret post omnia: Basta que se achou no mundo  um homem que, depois de ter tudo, ainda desejou mais alguma coisa? O tudo que possuía e dominava  Alexandre era nada: só Deus verdadeiramente é tudo. E que tendo um cristão a Deus, e a todo Deu sem si, ainda haja de desejar os nadas do mundo? Ó cegos, ó enganados, ó perdidos, ó infiéis desejos!  Uma só coisa pode desejar lícita e cristãmente quem chegou a ter a Deus em si. E qual é? Chegar  também a o ter consigo, que é o que desejava a Senhora.

Desiderium habens dissolvi, et esse cum Christo (Flp. 1,23): Uma só coisa desejo — diz S. Paulo  — que é desatar a minha alma das cadeias do corpo, para estar com Cristo. — Tornai a dizer, apóstolo  sagrado, que vos não entendo. Vós não dizeis  que nesta mesma vida está Cristo em vós: Vivit vero in  me Christus? Pois se Cristo está em vós nesta vida, para que quereis deixar a vida para estar com  Cristo? Porque vai muita diferença de estar Cristo em mim, ou estar eu com ele. Estar Cristo em mim,  é possuí-lo sem o ver; estar eu com ele é vê-lo e gozá-lo. Esta é a mesma razão por que a Virgem,  tendo a seu Filho e a seu Deus dentro em si, ainda desejava e suspirava, porque o desejava ter de  modo que o pudesse ver e gozar. E esta é também a razão — se temos uso de razão — porque tendo a  Cristo dentro em nós sacramentado e invisível, esta mesma felicidade nos deve excitar o desejo da  outra maior e felicíssima, que é chegar a estar com ele, onde o vejamos e gozemos por toda a  eternidade. Para fartar a fome de todos os outros desejos, basta termos a todo Deus em nós; mas desta  mesma fome, já satisfeita, há de nascer uma sede insaciável de se romperem aquelas nuvens, e o  vermos descobertamente na glória: Sitivit anima mea ad Deum fortem vivum: satiabor cum apparuerit  gloria tua. Estes hão de ser os OO dos nossos desejos, como eram os do mesmo profeta: Quando  veniam, et apparebo ante faciem Dei? Oh! quando virá aquele ditoso dia, em que apareça, meu  Deus, diante de vós? Oh! quando chegará aquela hora em que vos veja face a face! Oh! quando se  verá livre a minha alma do cárcere deste corpo mortal, que lhe impede a vossa vista. — Quis me  liberabit de corpore mortis hujus? O Domine, libera animam meam; O Domine, salvum me fac. O  Domine, bene, prosperare! Estes hão de ser os OO dos nossos desejos, e não os do mundo, os da  cobiça, os da ambição, os do falso amor, que não são OO, senão ais: Heu mihi, quia incolatus meus  prolongatus est. Virgem Senhora do O, esta é a graça que hoje vos devemos pedir todos, e a que  eu, em nome de todos, vos peço de todo o coração. Que reformeis todos nossos desencaminhados  desejos, que os aparteis de todas as coisas temporais e da terra, que os levanteis ao céu, e os  encaminheis à eternidade, para que nela, por vossa intercessão, e pelos merecimentos infinitos de  vosso Santíssimo Filho, consigamos, com a sua vista sem fim, o fim para que fomos criados. Amém.


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Fonte:
Padre Antônio Vieira: "Sermão de Nossa Senhora do Ó" (1640)

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