quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Teófilo Braga: "Sempre Não"

SEMPRE NÃO

Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de ir fazer uma longa jornada:  receando acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a  mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: – Não. Assim  pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer  aventureiro que por ali passasse. O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a  mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distração senão passar as tardes a  olhar para longe, da torre do miradouro. Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e  cumprimentou a dama: ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo  ali uma grande paixão, e disse:

– Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?

Ela respondeu:

– Não!

O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:

– Pois quereis que seja comido dos lobos ao atravessar a serra?

Ela respondeu:

– Não.

Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:

– E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta?

Ela respondeu:

– Não. 

Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e   virou as suas perguntas:

– Então fechais-me o vosso castelo?

Ela respondeu:

– Não.

– Recusais que pernoite aqui?

– Não.

Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo e foi conversar com a dama e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo

– Não.

Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:

– Consentis que eu fique longe de vós?

Ela respondeu:

– Não.

– E que me retire do vosso quarto?

– Não.

O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro, e  contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não;  mas quando ia já a contar a modo como se metera na cama da castelã, o marido já sem ter  mão em si, perguntou agoniado:

– Mas onde foi isso cavaleiro?

O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:

– Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande  solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.

O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.


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Nota:
Teófilo Braga: "Contos Tradicionais do Povo Português" (1883)
  

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