quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Teófilo Braga: "O Cego e o Moço"

O CEGO E O MOÇO

Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um naco de  pão e um bocado de linguiça. O moço pegou no pão e deu-o ao cego para metê-lo na sacola, e  ia comendo a linguiça muito à sorrelfa. O cego, desconfiado, pelo caminho começa a bradar  com o moço:

– Ó grande tratante, cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me entregaste o  pão.

– Pela minha salvação, que não deram senão pão.

– Mas cheira-me a linguiça, refinado larápio!

E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho. O moço era ladino e disse  lá para si que o cego lhas havia de pagar. Quando iam por uns campos onde estavam uns  sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e grita-lhe:

– Salta, que é rego. O cego vai para saltar e bate com os focinhos no sobreiro. Grita ele:

– Ó rapaz do diabo! Que te racho.

Diz-lhe ele:

Pois cheira-lhe o pão a linguiça,

E não lhe cheira o sobreiro à cortiça?


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Nota:
Teófilo Braga: "Contos Tradicionais do Povo Português" (1883)  

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