domingo, 1 de setembro de 2013

Teófilo Braga: "O Aprendiz de Mago"

O APRENDIZ DE MAGO

Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando precisava sair. De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:

— Estas chaves são daquelas duas portas; não, mas abras por cousa nenhuma do mundo, senão morres.

O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. Daí a pouco chegou o Mago:

— Desgraçado! Para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?

O rapaz tais choros fez que o Mago lhe perdoou. De outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta à chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar:

— Ai que agora é que estou perdido!

O cavalo branco falou-lhe:

— Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.

Palavras não eram ditas, o Mago abriu a porta da casa: o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:

— Foge! Que aí chega o meu tio para me matar.

O cavalo branco correu pelos ares fora; mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar:

— Corre! Que meu tio já me apanha para me matar.

O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los,  disse para o rapaz:

— Deita fora o ramo.

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, puseram-se muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar:

— Corre! Que já aí está meu tio, que me vai matar.

Disse o cavalo branco:

— Bota fora a pedra.

Logo ali se levantou uma grande serra cheia de penedias, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. Mais adiante, grita o rapaz:

— Corre, que meu tio agarra-nos.

— Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavalo branco.

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram  dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos por ele chamasse,  mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos.

— É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha aonde ninguém pode chegar.

— Pois eu sou capaz de ir lá.

Foram dizê-lo ao rei; o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo.

A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. Perguntou-lhe
o rei:

— Porque choras tanto, minha filha?

— Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a fada minha madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada.


O rei mandou lançar o pregão em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa; porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não torna atrás.

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Nota:
Teófilo Braga: "Contos Tradicionais do Povo Português" (1883)

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