UMA PRAGA ROGADA NAS ESCADARIAS
DA FORCA
Este romance não deverá chamar-se
"romance". Desde que esta palavra é o atilho onde se enfeixam as
mentirosas invenções do escritor fanático, não há história verdadeira que
possa, como tal, recomendar-se com aquele título.
Estes acontecimentos, expostos
aqui, segundo o formulário romântico, e afeiçoados às leis do estilo romântico,
são verdades que não deram brado, nem se agravaram na memória da geração que as
viu e as não compreende.
Na vida moral da sociedade há fenômenos
cuja causa ninguém estuda. No drama da família há lances que são do domínio
público, e o público não pode, ainda que o tente, explicá-los. Nas atribulações
individualíssimas do homem há fases extraordinárias de sofrimento, que esta
sociedade de entranhas cruéis lhe recrimina, reputando-lhes efeitos necessários
das causas, consequências do crime voluntário.
A sociedade, a família, e o homem
expiam incessantemente a culpa do homem, da família e da sociedade. Opera-se
uma contínua redenção do género humano. O homem é, desde o seu princípio, a
vítima da culpa com o lábio colocado no cálice da agonia.
A vida sobre a terra é uma
interminável expiação. Eu pago pelos crimes do meu pai, meus filhos expiando
meus crimes, e o último ser vivo da animalidade inteligente será o holocausto
do primeiro homem criminoso. É forçoso recorrer ao inconcebível, ao
sobrenatural, ao misticismo da providência culta para compreender o que
vulgarmente se diz "fatalidade".
Na história, que vai ser lida, é
tão sensível esta necessidade, tão aterrado se sente o espírito diante de um
fato consumado, que eu não tive escrúpulo religioso ou filosófico em subordinar
um encadeamento de infortúnios de uma família à praga rogada nas escadas da
forca.
***
Bernardo da Silva era um filho
bastardo de uma podre de Viseu. Do ventre materno passou à roda dos expostos e
daí aos cuidados de uma mulher da aldeia.
Aos dez anos não conhecia pai; e
a sua mãe, mulher do povo, arrastada sobre a lama da plebe toda a sua vida,
morrera com o segredo do nobre, que se dignara descer até ela para honrá-la com
desonra.
Bernardo, aos dez anos, era
aprendiz de alfaiate, e de todos os seus companheiros era ele o mais
desprezado, porque também era o mais preguiçoso.
O rapaz vivia triste como se a
idade lhe permitisse compreender a dor imensa de um grande desastre. Lá dentro
daquele coração infantil falava uma profecia fúnebre. Com os olhos sempre
extáticos no horizonte negro do seu futuro, o pobre rapaz não tinha uma hora
livre para o trabalho. Muitas vezes uma bofetada acordava-o daquele letargo; e
o braço, que estava suspenso com a agulha, continuava a tarefa molhada de
lágrimas.
Aos 13 anos, era ainda um
aprendiz de alfaiate, repelido deste para aquele mestre, desacreditado em
todos, e inutilmente espancado por todos. Chamavam- no incorrigível, e ele
mesmo conheceu que o era.
Abandonou a agulha, e foi servir
em casa de Francisco de Lucena. Era, aí, como em toda a parte, conhecido pelo
"Bernardo Enjeitado". Nunca ninguém se lembrou de reputá-lo filho de alguém
nem Lucena se lembrou, alguma vez, de que um dos seus muitos filhos, atirados à
roda, poderia ser seu lacaio.
Bernardo era criado de tábua.
***
Este ofício era-lhe mais generoso
que o de alfaiate. Tinha muitas horas livres para a sua melancolia, e muitos
esconderijos no amplo palácio do seu amo para refugiar-se de uma sociedade que
ele detestava sem saber porquê.
Este viver excecional naquela
classe galhofeira, estúrdia, e estragada, excitou a curiosidade dos seus
companheiros, e, depois, a dos amos, Aqueles crasqueavam-no com desabrimento:
estes admiravam- no por compaixão.
Bernardo chorava sem motivo.
Sorria-se com violência. Era humilde com um não sei quê de estranha delicadeza.
Destacava-se da sua classe com um ar orgulhoso, mas não calculado. Cumpria as
suas muitas obrigações, e ninguém sabia quando as cumpria. Estas qualidades,
raríssimas vezes encontradas num lacaio, tornavam-no assunto para os amos, que
começavam a interessar-se na análise daquele obscuro enjeitado.
Guardadas as inauferíveis
distâncias que separam o senhor do servo, os fidalgos souberam que Bernardo
desejava muito saber ler, e gastava a maior parte da noite soletrando o
abecedário, decorando as lições que o mordomo da casa lhe dava nas horas de
desenfado.
Qualquer que fosse o impulso que
a isso o levou, é certo que o amo, por um nobre impulso, permitiu que o rapaz
fosse a uma escola, e para isso aliviou-o dos encargos de moço de tábua, e
elevou-o à hierarquia de escudeiro do menino mais velho.
***
Um ano depois, Bernardo fizera
admiráveis progressos. Lia com inteligência o que lia; escrevia com acerto, e
aprendera só consigo a gramática portuguesa, visto que os seus amos lhe tinham
permitido esta segunda parte dos seus estudos. Seria um caprichoso luxo
permitir ao servo ciência que os amos não tinham! O Senhor de Lucena não daria
o menor dos seus galgos pela vasta ciência do Lobato. E, talvez, tivesse razão.
Em casa de fidalgo desta bitola,
quando um criado adquire a confiança dos amos, há sempre para isso uma de duas
razões. Ou o criado, devasso como eles, encobre astuciosamente as devassidões
dos amos; ou se torna estimável pelo zelo honroso com que procura
encobrir-lhes, já que não pode repreender-lhes.
Bernardo estava na segunda razão.
Os filhos de Lucena eram livres e desmoralizados a não poder ser mais. Quiseram
captar a benevolência do servo, não para aconselhá-los, que não desciam eles a
isso, mas para acompanhá-los em empresas difíceis, daquelas em que o braço do
plebeu é muitas vezes a salvação das costas do fidalgo.
Não o conseguiram nunca; mas
também não tiveram de arrepender-se da confiança deste convite. Bernardo
exercia uma influência admirável sobre os nobres libertinos. Era a
superioridade da inteligência. Ouviam-no, e maravilhavam-se do acerto das suas
ideias, e da linguagem escolhida com que o enjeitado se saía! O fato de ser
enjeitado era em Bernardo, talvez, um motivo de superstição naquela casa. Se
ele fosse reconhecido filho de algum borra-botas, com em linguagem
nobiliárquica se chama um plebeu, decerto lhe não dariam a importância do
considerarem pela inteligência. Mas o mistério, a possibilidade de ser
vergôntea infeliz de um tronco ilustre, cingiam-lhe a cara de uma auréola entre
nuvens, que poderia talvez, mais tarde, dissipar-se, e deixar na plenitude da
sua luz aquele fruto do amor criminoso de alguma raça nobilíssima, mais ou
menos aparentada com os Lucenas!
Tudo isso era possível; mas o que
eles julgariam, entretanto, impossível, é o que vai ler-se.
***
A família que Bernardo servia
compunha-se de pai, mãe, três filhos, e uma filha, de todos os irmãos a mais
nova. Por então contava quinze anos. Era bonita, mas pobre. Os morgados não a
pediam; os filhos segundos também não; e a sensível menina precisava amar,
porque seu coração era da têmpera daqueles que não sabem conceber somente o
amor com a condicional do casamento.
Eulália não tinha a mais
superficial tintura de instrução, e por isso não podemos, em boa-fé, chamar-
lhe romântica. Não era janeleira, nem rapinhava da papeleira dos irmãos o
perfumado papel-cetim para depósito de sensaborias amorosas, e por isso não
podemos chamar-lhe doida.
Era uma mulher, e nisto está dito
tudo.
Este Bernardo é que realmente se
parecia muito com os nossos poetas de aspirações ferventes e meditações
profundas. Mas não era impostor, nem romanticamente parvo. O rapaz tinha uma
alma como poucas, e uma tristeza inconsolável como nenhuma. "A minha
organização — dizia ele — é um aborto, uma enfermidade incurável".
Eulália simpatizava com aquela
tristeza, e com a figura do rapaz. Achava-lhe traços de semelhança com os seus
irmãos, e via nele o que ela chamava "cara de pessoa de bem". E,
conquanto eu deteste esta maneira de classificar as caras, porque não conheço
as "caras de pessoas do mal" tenho-me visto em circunstâncias forçadas
de dizer o mesmo, porque há neste vale de lágrimas umas caras que não exprimem
bem nem mal, e essas são as piores caras.
Bernardo não se lembrou nunca de
fazer sentir à cozinheira da casa, e menos se lembraria de acender o fogo do
amor no ilustre coração de uma Lucena, com quem em toda a sua vida falara três
vezes.
Eulália passou da doce simpatia
ao amor abrasado, e do amor abrasado à paixão violenta. Por mais finos e
eloquentes olhares que a fogosa menina lançou ao escudeiro, o escudeiro, ou não
dava por eles, ou explicava-se de qualquer modo, contanto que não ousasse
ensoberbecer-se daquele fato disparatado. E Eulália desesperava-se!
***
Francisco de Lucena espreitava a
oportunidade de empurrar a filha para fora de casa. Aspirou, primeiro, aos
morgados; mas encontrou-os pouco apreciadores de formosura e fidalguia.
Recorreu, depois, aos burgueses ricos, e encontrou um negociante de alto bordo,
que recebeu a proposta com afabilidade e trabalhou desde logo em levar a fim um
casamento que permitia aos filhos do seu filho apelidarem-se Lucenas.
O pai anunciou à filha o seu rico
futuro, e encontrou-a fria. Apresentou-lhe o noivo, e viu-a enjoada. O noivo,
porém, era um rapaz de fina educação, de alguma inteligência, de brios que o
ouro lhe estimulava, e de orgulho superior à sua classe, porque, há 50 anos, a
classe comercial era muito humilde, suposto já trabalhasse para esta época de
barões comerciais, que, digam lá o que disserem, é o mais palpitante triunfo da
democracia. Para me não meter em graves questões, entenda-se que D. Eulália
repeliu a felicidade que o seu pai lhe anunciara com tanto júbilo, e
declarou-se sentimental, por tempo de quinze dias fechada no seu quarto, sem
querer ver o sol nem a lua.
Mas o pai apoquentava-se, sempre
que podia, pintando-lhe a mesquinhez do seu futuro, e a pobreza da sua
legítima, que orçaria por três mil ducados. E era isto verdade.
***
E o pior era que o tal João
Leite, noivo repelido, ficou amando desesperadamente D. Eulália. Ferido no seu
amor-próprio, e envergonhado de tão má estreia, instara com Francisco de
Lucena, lançando-lhe em rosto a imprudência com que viera roubá-lo à sua
tranquilidade, não podendo contar com a obediência da sua filha. Esta maneira
de acusar vexava Francisco de Lucena, porque era por em dúvida o seu poder
paternal, e chamar-lhe fraco, imputação que ele odiava, ainda mesmo que se
tratasse de vencer a repugnância de uma fraca menina.
Redobravam as mortificações, e
Eulália, imóvel como o seu infeliz amor, oferecia-se de bom grado à vingança
paternal, mas dizia, em linguagem trágica, que só reduzida a cadáver passaria
para a posse do tal miserável, que não tinha vergonha de perseguir uma mulher
que o desprezava. O pai realizou o dito popular: "casar, ou meter
freira". Eulália optou pelo segundo, e os preparativos para entrar no
convento começaram.
O amor faz a mulher varonil.
Temos visto almas de lama apresentarem uma energia corajosa, quando o tônico do
amor lhes vibras as cordas embrionárias de um coração, que parece arfar de
improviso ao repentino choque, ao rapto da paixão violenta.
Nas vésperas da sua entrada no
mosteiro, Eulália escreveu três cartas. Uma ao seu pai. Dizia-lhe que amara um
só homem, e viveria desse amor desgraçado toda a sua vida.
Outra ao escudeiro. Dizia-lhe que
tivesse compaixão dela, e chorasse uma lágrima em troca das que ela chorara, e
choraria até à morte.
Outra ao seu implacável
pretendente. Dizia-lhe que o amaldiçoa com todo o ódio do seu coração. Que lhe
atirara a cara com um não, e nem assim o envergonhara de continuar a perseguir
uma mulher.
Esta correspondência conservou-a
Eulália até ao momento que transpôs o limiar do convento. O seu primeiro ato
foi dar-lhe o destino competente.
Depois, chorou, chorou, e atraiu
em volta de si os carinhos da comunidade, que a mortificava com as suas frias
consolações.
***
Francisco de Lucena recebeu com
espanto semelhante carta.
Bernardo da Silva embruteceu-se
ao ler a sua.
João Leite deu quatro murros numa
mesa, e sentiu- se suspenso no ar por uma legião de demónios raivosos.
Cada um fez seu papel; mas todos
três reunidos deviam formar um grupo digno da melhor caricatura inédita!
Francisco de Lucena correu ao
locutório do mosteiro, e fez ali aparecer imperiosamente a filha.
Quis forçá-la a declarar o nome
do homem que a preocupava até a fazer má filha. Não lhe arrancou a menor
revelação. Foi por outro caminho para chegar ao seu fim. Fez-se sentimental;
lamentou, como bom pai, as paixões invencíveis de uma filha que despreza com
extremo carinho; contou histórias análogas, que acabavam todas por casamentos desiguais,
mas nem por isso menos venturoso. Pediu a sua filha o nome desse homem que a
impressionara, e fez-lhe antegozar a possibilidade de casar-se, se não viesse
dali uma absoluta desonra para a sua família.
O amor faz heróis, mas também faz
poetas. Eulália desceu da sua altiva energia ao raso da toleima. Declarou o
nome... o nome de quem? o nome, sem nome, do enjeitado, do aprendiz de
alfaiate, o lacaio, do escudeiro!...
Que horror!
Nunca se viu um solavanco mais
desamparado que o salto de tigre que Francisco de Lucena deu contra a grade que
o separava da filha! Por Deus! que a esgana se lhe chega! A pobre menina
arrepiada como quem vê um lobo com as faces vermelhas, e as unhas recurvas,
foge pelo dormitório, e fecha-se no quarto.
***
Lucena correu a casa com os olhos
injetados de fogo. Precisava de uma vítima! Encontrou no caminho João Leite,
mas este não podia justificadamente ser sua vítima. João Leite mostra-lhe a
carta que recebera de Eulália. Isto foi exacerbá-lo. "Não se lhe dê de ser
repelido por essa infame — disse-lhe ele. — Eu vou provar-lhe que sou pai!...
Essa mulher amava um escudeiro... um lacaio... um enjeitado..."
Entrando em casa, procurou o
"enjeitado". Encontrou-o ainda estupidamente absorvido na meditação
daquela carta. A entrada rápida que fez no quarto não deu tempo a que Bernardo
escondesse a carta que tinha aberta nas mãos trêmulas. Lucena arrancou-lhe com
uma convulsão de raiva superior à fúria de um demente. Passou-a pelos olhos, e,
sem articular um som, lançou mão de uma cadeira, e, à segunda pancada, Bernardo
tinha a face coberta de sangue. Era um sangue inocente que reclamava justiça.
Era um sangue inocente que pedia a intervenção de Deus. A justiça, filha
legítima do céu, virá mais tarde salpicar daquele sangue a face de quem o derramava.
Bernardo, ferido, e pisado de
sucessivas pancadas, não pronunciava uma só palavra durante este infernal
martírio. Impelido por pontapés, foi lançado fora da porta do quarto. As forças
faltaram-lhe. O sangue corria a jorros. Esvaiu-se a cabeça, e caiu.
O fidalgo chamou dois criados, e
mandou pôr aquele homem fora da porta. Era ao anoitecer. O enjeitado foi
arremessado à rua. Quando recuperou os sentidos, achou-se frio. Ergueu-se.
Olhou com os olhos da alma para a sua consciência, e sentiu pela primeira vez
vontade de sorrir da sua desgraça pelos lábios molhados de fel.
E riu-se. Era um sorriso
semelhante ao dos anjos.
As almas que podem sorrir assim
são as que Deus elege para a santidade da bem-aventurança.
***
Bernardo procurou um refúgio em
casa de uma mulher pobre que o tratara sempre com amor, matando-lhe a fome,
quando a aprendizagem de alfaiataria não valia o pão de cada dia. Esta mulher
fora ama da roda no tempo em que
Bernardo lá fora lançado. Supunha
ela que talvez o tivesse alimentado ao seu seio por algumas horas, e esta só
conjetura atraía-a para ele com instinto maternal.
O enjeitado pensou-se dos leves
ferimentos, e pediu a Deus que lhe inspirasse um destino. Esperou.
Em Viseu, falava-se muito deste
sucesso, divulgado por Francisco de Lucena, e por João Leite.
Bernardo era procurado para ser
punido, e quem mais diligências fazia para isso era o juiz de fora Paulo
Botelho.
O honrado rapaz, quando se viu na
penosa situação de agenciar a sua vida, por não poder sair da pobre casa em que
vivia, impelido pela sua inocência, procurou o juiz de fora e expôs-lhe com a
mais eloquente naturalidade a injustiça com que fora maltratado, e com que
estava sendo perseguido.
Paulo Botelho quis espancá-lo com
um chicote por ter tido a audácia de entrar na sua casa sem ferros aos pés.
Olhou em redor de si procurando um aguazil para fazê-lo prender
traiçoeiramente; mas o generoso mancebo, adivinhando-lhe as intenções disse que
não precisava fingir-se; que ele dava a sua palavra de honra de não retirar-se
da casa em que estava vivendo, e que mandasse sua senhoria capturá-lo quando
quisesse. O juiz riu-se da palavra de honra na boca de um criado de servir, e
mandou-o embora, por não ter a propósito um meirinho.
Bernardo encontrou, nas escadas
do ministro, João Leite, que apeava de uma liteira, segundo o uso dos nobres,
comprado pelo ouro do burguês opulento.
João Leite fixou-o com ar de
soberano desprezo e perguntou-lhe:
— És tu o lacaio de Francisco de
Lucena?
— Fui o lacaio do Sr. Francisco
de Lucena — respondeu Bernardo com dignidade.
— E tens o atrevimento de
aparecer entre as pessoas de bem?
Bernardo sufocou uma resposta
amarga, e fez uma continência respeitosa para retirar-se.
— Vem cá, miserável! — disse João
Leite. — Tu és o amante da filha do teu amo?
— Respeitei-a muito, por ser
filha do meu amo, enquanto o servi. Hoje, respeito-a, porque lhe não conheço a
menor falta que a desonre!
— Nem ao menos a desonra de
receber as tuas afeições, lacaio?
— Eu não lhas ofereci nunca,
senhor.
— Ofereceu-lhe ela, sevandija?
— Não, senhor.
— Mas ela escrevia-te...
— Então achas que não é crime
escrever a um bandalho?
— Será, se a vossa excelência o
quer...
— Tenho pena de seres um réptil
que faz nojo esmagar com a sola da bota! Se tivesses um nome...
— Tenho caráter, senhor!
Bernardo respondeu com altivez;
João Leite riu-se com desprezo, e olhando-o da cabeça aos pés, replicou:
— Tu sabes que não podes ter caráter,
enjeitado!
— Então, terei um braço...
— Um braço! — atalhou o fidalgo
em projeto, imprimindo-lhe um valente pontapé, que o fez descer três escadas
maquinalmente.
Bernardo assumira toda a
dignidade do homem de coração ultrajado. João Leite achou-se comprimido entre
os braços do sevandija que ele supunha fugir ao primeiro pontapé para evitar o
segundo.
Quis desfazer-se, de pronto,
deste empecilho, e não pôde, porque os pés falsearam-lhe, e as costas
bateram-lhe com todo o peso sobre os degraus de pedra. Tirou rápido de um
punhal, e roçou, com ele duas vezes sobre o braço direito de Bernardo, que o
desarmou, no ato que uma terceira punhalada lhe resvalara no peito. O enjeitado
sentiu-se ferido: vacilou um instante na resolução que se debatia entre
homicídio e o perdão. Venceu o primeiro. Aquele punhal tinto de sangue
inocente, pela segunda vez, derramado, entrou no coração de João Leite, e
matou-o.
Isto foi obra de alguns segundos,
João Leite gritara nas convulsões da morte; acudiram os criados, e encontraram
Bernardo da Silva, de braços cruzados ao pé do cadáver, que vibrava nos seus
derradeiros entorpecimentos.
Paulo Botelho também acudiu.
Primeiro recuou aterrado, depois gritou "Matem esse homem!" E vendo
que ninguém de pronto lhe aceitava o diploma de assassino, mandou-o carregar de
ferros.
Bernardo caminho para o cárcere,
com a cara altiva, com nobreza de passo, com serenidade de consciência e
maneira de um príncipe, segundo a linguagem popular dos que viram.
***
Foi processado. Paulo Botelho
desenvolveu uma espantosa energia no andamento desta causa crime. Erguia-se
todos os dias, sôfrego de escrever uma sentença de forca.
Os depoimentos eram todos
contrários ao infeliz. Um só homem protegeu esse preso; sabia-se que era um
ancião que lhe levava umas sopas diariamente, e palavras consoladoras de
esperança sem esperança.
Eulália, sabendo estes
acontecimentos até à véspera do dia em que o escudeiro devia ser condenado,
requereu que queria se ouvida em juízo. Não lhe admitiram o seu depoimento. A
pobre menina, inspirada da eloquência do martírio, entrou um dia no coro,
quando a comunidade orava, e invocou o testemunho de Jesus Cristo, exclamando,
de modo que a escutasse o povo que estava na igreja:
— Declaro que esse infeliz homem
que vai morrer, depois de martirizado pelo meu pai, e apunhalado por um homem
que desprezei, declaro diante de Deus e dos homens, que esse infeliz nunca me
disse uma palavra só para que eu o amasse. Fui eu que o amei, fui eu que o fiz
desgraçado, mas em recompensa hei de amá-lo toda a minha vida, e hei de unir-me
a ele na presença de Deus! — Era uma demência!
Foi grande o assombro dos que a
ouviram. O eco deste grito chegou aos ouvidos de Paulo Botelho, que estava
presente; mas a sua alma fora cerrada pela mão corrupta do ouro. O povo
murmurava, e dizia que não havia de ser enforcado o escudeiro.
Pobre povo, naqueles dias, se
tentasse tirar das mão de um juiz o seu instrumento inauferível, o carrasco!
***
Bernardo foi condenado à pena
última. Ergueu-se uma forca nas proximidades do delito entre a casa do juiz e a
de Francisco de Lucena.
Eulália exaltara-se no martírio
até causar receios de loucura. Inspiravam-se de uma dor de morte as exclamações
pungentes que soltava a cada ruído que ouvia semelhante ao arranco retraído de
um justiçado. O espetáculo da forca era a sua ideia fixa desde o momento que
uma religiosa imprudente lhe anunciou o destino de Bernardo da Silva.
A infeliz, na madrugada do dia da
execução, fugiu da cela com os cabelos em desordem, com as faces chamejantes de
febre, com os olhos embriagados de delito, e com o coração a estalar-lhe de uma
dor que a endoidecia.
Chegando à portaria não houve
forças humanas que a contivessem. Os ferrolhos cederam ao impulso de uma fraca
mulher, forte da sua desesperação; e esta virgem, com hábitos de noviça, e
bela, na sua agonia, como um corpo epitético que se levanta amortalhado do
esquife, corria por entre as multidões que começavam a aglomerar-se para
testemunharem o desconjuntar dos ossos do pescoço de um padecente entre as mãos
do carrasco, seu irmão, ambos filhos do mesmo Deus, ambos remidos pelo sangue
do mesmo Cristo.
Viram-na as multidões passar;
muitos a conheceram: alguns pronunciaram o seu nome, mas aquela pomba, ferida
de morte, era um cadáver que se movia impelido pelo choque da pilha galvânica.
Erguera-se um alarido na cidade.
As turbas corriam na direção da infeliz, a quem chamavam de doida; mas não
ousou alguém embargar o passo àquela mulher que parecia fascinar com a
majestade da sua demência.
Os que a seguiam esperavam vê-la
entrar em casa do seu pai. Enganaram-se, Eulália subiu as escadas de Paulo de
Botelho, e entrou no salão onde fora lavrada a sentença de cadafalso para
Bernardo da Silva.
Paulo Botelho estremeceu na
cadeira, quando viu aquela alvejar de uma larva, ajoelhada nos degraus da
tribuna.
Deu-se um profundo silêncio de
alguns minutos.
Eulália já não podia coordenar as
ideias que poucos dias antes clamara no coro. O sorriso da loucura, o gemido
sufocante, uma lágrima embebida logo no ardor das faces, e algumas palavras
entaladas, e empanes inteligíveis, eram alternativas que a tornaram mais
lastimável durante alguns minutos.
A mulher e três filhas de Paulo
Botelho, que a viram entrar, correram ao tribunal, e quiseram arrastá-la dali.
Era impossível. A estátua parecia chumbada sobre o seu túmulo.
A família do juiz julgou
conveniente empregar o insulto como solução. Falavam do justiçado com certa
náusea, que elas supuseram ser o bálsamo para a ferida mortal de Eulália. Paulo
Botelho, coadjuvando as razões da sua família, cobria de impropérios afrontosos
o homem que, pouco depois, havia de perdoar as injúrias com a cabeça do lado da
forca.
A exaltação aflitiva de Eulália
tinha tocado o ponto culminante da morte, ou da alienação irremediável.
— Inocente! Inocente! — eram os
gritos únicos, as derradeiras palavras que os lábios daquela mulher tinham de
proferir.
***
Neste momento entrou um homem que
redobrou o espanto. Era Pedro Leite, pai de João Leite.
Este homem fez sinal de querer
falar. Atenderam- no todos com religioso respeito.
As suas palavras foram:
— Perdoo ao assassino do meu
filho! O sangue desse homem cairá sobre a minha face! Matou defendendo-se de um
agressor infame! Senhor juiz de fora, requeiro a suspensão da execução da
sentença. Eu sou parte, e declaro inocente o réu!
Seguiram-se minutos de uma
estupefação natural. Eulália voltou os olhos para o homem que falara, quis
arrastar-se de joelhos aos pés dele; não pôde; a impressão devia matá-la, ou
ressuscitá-la... desmaiou a meio caminho.
O juiz era o algoz moral criado
pelo ouro, assim como o carrasco físico fora criado pela lei. Não podia
eximir-se a pegar do cutelo, e seguir seu caminho.
— É tarde! — respondeu ele.
— Não é tarde! — replicou Pedro
Leite, e continuou com solene exaltação: — Tarde, senhor juiz, é depois que o
tribunal do mundo se fecha atrás daquele que vai entrar no tribunal de Deus!
Tarde, é quando um juiz de entranhas ferozes se apresenta no banco dos réus
condenados com a face borrifada de sangue inocente!
— Basta! — exclamou Paulo Botelho
com autoridade.
— Pois sim... basta! mas, abaixo
de Deus, invoco o testemunho das pessoas que me escutam. Declaro que lavo as
mãos deste sangue inocente que vai ser derramado!
O povo murmurou com acanhamento,
com a consciência cobarde da sua nulidade, mas balbuciou não sei que palavras
que irritaram o juiz.
— Não se trata só de punir o
assassino de João Leite! — exclamou o juiz. — Trata-se de castigar a afronta
que recebeu um nobre, feita por um lacaio que ousou levantar os olhos de amante
para sua filha!
— Não, não! — gritou Eulália,
erguendo-se com ímpeto, com as mãos postas, e caindo outra vez sobre os
joelhos.
O cínico já não tinha coragem
para tanto! Soara a hora do último mandato do carcereiro. Expirara o último
instante do oratório.
— Cumpra-se a lei!
Disse o juiz, e fez menção de
retirarem-se as ondas de povo que tinham concorrido em tropel, chamadas pelos
gritos de Eulália, e pelo perdão público de Pedro Leite.
Eulália foi conduzida em braços
para o interior da habitação do juiz.
***
A procissão onde a imprudência
colocara um cristo, o Deus da caridade, nas mão de um padecente, que ia ser
esmagado!... a procissão, onde se via um homem de túnica branca, um algoz de
cutelo e alcova, alguns sacerdotes de um Deus misericordioso!... A procissão
descia terrível de repulsiva solenidade para o açougue daquela rês! A tumba da
misericórdia fechava aquela orgia de sangue! Era um insulta a Deus! O cadáver
de um homem atirado à face do Criador! Um escárnio satânico à inteligência, e
ao coração da humanidade!
O préstito parou na praça do
sacrifício.
Bernardo com os olhos fitos no
céu via nascer a risonha aurora da eternidade. Sorriam-lhe os anjos, e a
justiça de Deus mostrava-lhe o seu regaço. A morte do justo era um crepúsculo
de nova existência a iluminar-lhe o rosto. Inspirava devoção aquele seu santo
sorrir para o seio do céu que se lhe abria! Trazia nas mãos a imagem do Redentor;
mas lá em cima via ele o Espírito Criador, a grande alma, onde se refugiam as
almas dispersas na face deste mundo, e perseguida pelo demônio da ira, e da
vingança, eternamente encarnado no homem, a quem a sociedade entregou o
azorrague da flagelação do virtuoso.
Bernardo caminhava a passo firme
para a escada da forca. Estavam contraídas as respirações. Um gemido menos
sufocado, podia ser ouvido por quinze mil almas que vieram contemplar aquele
aparelho de morte, segundo a lei, formulada pelas inspirações do Evangelho!
pelo código dos perdões! pelos preceitos do Filho de Deus que morrera,
perdoando!
***
Através da multidão abriu-se uma
clareira para deixar passar um homem que devia representar um principal papel
naquele festim da lei.
Convergiam todas as atenções para
aquele ponto.
Era Pedro Leite — ainda o
pregoeiro da inocência de Bernardo, com a face cadavérica das longas noites que
chorara sobre o túmulo se o seu filho único.
Quem disse a este homem que
Bernardo Silva era inocente?
Fenômenos ocultos da Providência!
A voz de Deus, soando pelos lábios do mistério! Explicai-me as operações de
Deus, e eu vos explicarei a inspiração sobrenatural que obriga a balbuciarem o
perdão os lábios que beijaram morto um filho estremecido...
Pedro Leite aproximou-se do
justiçado. Ninguém lhe embargou o passo.
Cheio de majestade, de poesia
fúnebre, e de santo terror, falou assim:
— Eu venho pedir o seu perdão à
beira do patíbulo. Fui eu que o arrastei até ao tribunal em que foi condenado;
mas não sou eu que o arrasto aqui. Bradei em favor da sua inocência. Pedi, há
momentos, a suspensão deste ato, em que a minha dor será mais... muito mais
prolongada que a sua. Não me ouviram: impuseram-me silêncio, e mandaram-me sair
do santuário da lei, que resfolegava sangue pela boca do seu sacerdote.
"Venho pedir o seu perdão,
nas escadas da forca, e vazar o fel, que me devora a consciência, na
consciência do juiz implacável que pede a sua cabeça a altos gritos!"
Ouviu-se um prolongado murmúrio.
Era a onda popular que referia sopesada entre as rochas da sua impotência
moral, naqueles dias, em que o sangue de um plebeu continuava a operação
regeneradora do sangue de Jesus Cristo.
Bernardo ouviu com presença de
espírito a exclamação de Pedro Leite.
Foram as sua palavras únicas.
Choraram-se então muitas
lágrimas. A piedade teve uma explosão, que as coronhas dos soldados reprimiram.
As turbas queriam rasgar o quadrado para arrancarem da morte um santo. Este
conflito foi serenado por outro mais sublime. Ouviu-se uma voz. Viu-se um homem
que sobressaía entre os mais populares. Era o velho, protetor único de Bernardo
Silva, durante a sua prisão. Poucos o conheciam.
— Nobre Senhor Francisco de
Lucena! Vem ver teu filho que morre enforcado! Nobre Francisco de Lucena! Vem
ver o filho da mulher que desonraste, como é nobre nas escadas da forca! Nobre
Senhor Francisco de Lucena! Vem ver teu filho, o filho da minha filha, que
borrifa os teus pergaminhos com o sangue ilustre!
E calou-se. Calaram-se todos. E
aquele homem lá estava erguido como o anjo dos túmulos à espera que Deus mande
quebrar a lousa de uma mulher que há falta nesse transe aflitivo!
Essa mulher morrera, desonrada,
sufocada pela mão ignomínia, a que a soberania fidalga de Francisco de Lucena a
abandonara.
Esse ancião era o pai dessa
mulher, único que recebera nos seus braços o filho da desonra, único sabedor
daquela existência, que acompanhou sempre, porque lhe marcara um braço com uma
cruz. Desde o ventre à forca, de longe, desconhecido, com segredo da desonra da
sua filha abafado no coração este homem seguira os vestígios do neto, sem
declará-lo nunca, porque um apelido ilustre não o salvara a ele de uma ilustre
ignomínia.
Que impressão fez este homem nas
turbas! A do espanto. Mas, momentos depois, chamavam-lhe DOIDO. Por ordem do juiz
de fora ia ser preso o demente. Aproximou-se a justiça del-rei. ”É doido!...”
dizia o meirinho ao lançar-lhe a mão.
Há de consumar-se aquele enredo
de peripécias terríveis.
Bernardo pôs o pé direito na
última prancha da forca. Voltou-se para o povo. Brilhou-lhe à face o clarão de
um outro mundo. A sua voz era melodiosa como o cântico do anjo da morte,
suavíssima: mas naquele todo via-se a terrível majestade do anjo do dia fatal.
As sua últimas palavras foram estas:
— Ouvi a praga de um padecente,
rogada nas escadarias da forca:
QUE A JUSTIÇA DE DEUS SE CUMPRA
NA PRESENÇA DOS HOMENS.
***
Passaram quinze dias.
Eulália de Lucena recuperou o
juízo, e entrara no mosteiro. Um ano depois, professara. A sua vida foram três
anos de adoração extática. Ouviram-na murmurar palavras celestes, como em
diálogo. Dizia-se que um anjo devia de aparecer-lhe naqueles arroubamentos.
Chamavam-lhe santa, e adoraram-na morta.
Passados quatro anos, Francisco
de Lucena, sempre afastado da sua filha pela mão do remorso, morreu de repente
no mesmo local em que fora hasteada a forca.
Simão Botelho, filho de Paulo
Botelho, dera um tiro no seu pai. O pai quis sentenciá-lo: deu-lhe sentença de
forca, que depois lhe foi comutada em degredo perpétuo. Apenas desembarcou em
Cabo Verde, abriu- lhe uma sepultura.
Paulo Botelho, desembargador
aposentado, dez anos depois, morria à vigésima quinta punhalada, que recebera,
por não dar exatas informações de um pecúlio de cinquenta mil cruzados, que
guardava num a quinta nas vizinhanças de Vila Real.
A mulher de Paulo Botelho morria
doida no hospital de São José um ano depois.
Restavam três filhas de Paulo
Botelho. Foram devassas até ao escândalo de serem arrastadas a um recolhimento
por expresso mandato régio.
Uma apareceu morta num aqueduto
por onde procurava evadir-se. Outra casou com um homem que a retalhou de
martírios. A terceira enforcou-se no batente de uma porta.
A JUSTIÇA DE DEUS SE
CUMPRA NA PRESENÇA DOS HOMENS.
A praga do justiçado nas escadas
da forca teve o seu complemento no género de morte que a última pessoa daquela
família se dera.
Forca por forca.
Tendes a curiosidade das
averiguações. Procurai em alguns cartórios de Viseu a sentença pronunciada
entre 1776 e 1780.
***
Não sou contumaz, nem ufano de
relapsia. De outro que disse me desligo, se algum inquisidor intolerável
deparar aí heresia, contrassenso, atrevimento ou coisa que dúvida faça contra
Plútus, único deus da única religião cujo código penal me intimida.
Há coisas incríveis neste volume?
É que eu, e os meus amigos literatos, poetas, jornalistas, e até redatores
encartados de necrológios sabemos passagens que arrepiam carnes e cabelos. Se o
siso comum as não adota, é que os cronistas do tempo foram, à parte, um status instatu, coisa ininteligível aos
que sabem latim, por grande fortuna sua.
Neste sinedrim há uma moral,
estragada se o quiserem, mas os evangelistas, que a propagam, são Catões,
contanto que os não obrigue a inquietar a sadia tranquilidade dos intestinos.
Aqui, não se sacrifica um dedo a uma pisadela porque não vale a pena.
É necessário escrever, visto que
há leitores.
Eu, e os meus correligionários,
se até hoje não temos irradiado sobre a humanidade ondas de luz, é porque a
humanidade precisava ser, muito, a concha em que, por aqui se escondiam muitos
moluscos morais, que vão saindo agora a espanejar-se ao sol.
Não quero dizer que os moluscos
passassem a articulados. Pode muito bem ser que o leitor, ou leitora sejam
ainda legítimos moluscos; mas a exceção deplorável não claudica a generalidade.
E, portanto:
Eu, e os meus amigos, mencionados
acima, considerando que a candeia não deve estar muito tempo debaixo do
alqueire, nem os talentos (dinheiro) soterrados vencem juros; e tanto nós,
outrossim, em muito afã e desvelo desafrontar a literatura pátria de injúrias
com que estrangeiros e nacionais a desconceituam, desvairando como pobre de
romances, pela sua incapacidade inventiva — o que não só é malícia, mas até
aleivosia: resolvemos escrever romances em que figurassem muitas pessoas nossas
conhecidas, e outras, que viremos a conhecer no decurso desta meritória tarefa.
Pelo que, a mim, humilde entre os humildes apóstolos desta ideia lúcida , coube
o quinhão de trabalho, que a posterioridade me devolverá em gabos e aplausos, e
o futuro
Plutarco dos homens ilustres
desta freguesia de Cedofeita, em que tenho a honra de morar, não deixará de
consignar nos fatos gloriosos.
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Nota:
Camilo Castelo Branco - "Uma Praga Rogada nas Escadas da Forca" (1882)
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