sábado, 21 de setembro de 2013

Lima Barreto: "A Solidariedade de Al-Bandeirah"

A SOLIDARIEDADE DE AL-BANDEIRAH
CONTOS ARGELINOS

Dos principados vassalos que constituíam o reino de Al-Patak não foi só Al-Bandeirah que não quis reconhecer Abu-Al-Dhudut como sultão.

O canato de Hbaya também, por intermédio do seu príncipe reinante, sempre protestou contra a usurpação. Ao contrário do primeiro, esse principado era trabalhado por grandes dissensões internas. Havia mais de cinco ou seis pretendentes ao seu trono e não existia entre os seus habitantes nenhuma harmonia de vistas.

A população com o seu gênio vivaz, com a sua queda para a eloqüência, com a sua ligeireza de espírito, muito concorria para essas divisões e ela é de gênio muito oposto à de Al-Bandeirah, cuja gente é tardia, taciturna e cheia de um ingênuo orgulho de que são os primeiros de Al-Patak. Explorado habilmente, pelos governantes, esse último sentimento da população daquela província, foi-lhes sempre fácil obter dela uma quase unanimidade. Faziam uma ponte, uma torre, um bueiro e logo mandavam proclamar que era o primeiro de Al-Patak. O povo do canato é ingênuo, como um alemão, acreditava na cousa, ficava muito contente e escolhia para as altas funções os membros de três ou quatro famílias que o exploravam.

Dessa forma, toda a resistência à usurpação de Abu-Al-Dhudut estava centralizada em Al-Bandeirah.

Acontece, porém, que, ao contrário do que era de esperar, Hbaya demonstrou mais firmeza e o seu governo chegou a resistir às tropas que o invadiram, com armas na mão.

A cousa foi dolorosa e triste, pois a capital de Hbaya foi bombardeada, as suas casas incendiadas, o príncipe reinante andou daqui para ali, fugindo à sanha dos soldados de Abu-Al-Dhudut.

Infelizmente, devido às facções que dividiam a gloriosa província, a resistência não pôde ser eficaz e foi quase nula em resultados.

Esse episódio comovedor do bombardeamento da capital de Hbaya se deu justamente no dia em que o príncipe irmão de Abu-Al-Dhudut recebia no tesouro de Al-Bandeirah trezentos e cinqüenta mil piastras, que, como já é sabido, ficavam reduzidas a trezentos e quinze mil.

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Nota:
Lima Barreto: "Histórias e Sonhos" (1920)

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