sábado, 21 de setembro de 2013

Lima Barreto: "O Reconhecimento"

O RECONHECIMENTO
CONTOS ARGELINOS

A organização política do Al-Patak não é assim tão absoluta como se pode supor.

Em tese o sultão tem todos os poderes, mas, devido à tradição, à liberalidade de alguns soberanos, o reino possui tribunais e juízes independentes que decidem soberanamente sobre os assuntos que lhes são afetos.

Além disto, Al-Patak possui uma espécie de parlamento – o "divã" — que representa ao rei sobre as necessidades dos povos. Cada província, conforme a população, dá um certo número de representantes que o são durante alguns anos, uns durante mais anos e outros menos.

Logo que Abu-Al-Dhudut usurpou o trono, tratou de reformar essa espécie de conselho de Estado.

Não há quem não queira fazer parte dele, não só pelos vencimentos  que percebem os seus membros, como também pelos presentes que recebem, graças à influência que possuem, podendo obter dos soberanos tudo o que desejam.

O príncipe irmão de Abu-Al-Dhudut foi logo eleito membro do "divã" e feito chefe dele.

Sendo homem esperto e sagaz, conhecendo perfeitamente os desejos de todos os habitantes de Al-Patak de serem do famoso conselho, tratou de regular a entrada nele, ao jeito mais propicio aos seus interesses.

Com este, negociava isto; com aquele, barganhava aquilo.

Ia fazendo o seu negócio, quando se tratou do reconhecimento de cide Pen Ben-Forte. Tinha sido, esse ulemá, juiz durante muito tempo, de forma que conhecia o irmão do sultão, quando advogava.

O seu direito à entrada no "divã" era inconcusso, mas o príncipe queria que ele lhe desse dez mil piastras para tornar efetivo o seu direito.

Pen Ben-Forte não esteve pelos autos e lembrou a sua Alteza o fato de ter ele obtido, revelando uma sentença dele, cide, dinheiro ao mercador — sentença mais tarde reformada.

Pen Ben-Forte tinha disso documentos e prometeu publicá-los, se não entrasse no “divã".

Não é preciso contar mais; basta dizer que o antigo juiz entrou e foi reconhecido membro do conselho.


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Nota:
Lima Barreto: "Histórias e Sonhos" (1920)

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