A CONVALESCENTE
Ao dr. Álvares da Costa
Estava pálida e triste, encostada
levemente á grade do camarote, naquela noite de estréia.
Os seus olhos, negros como a seda
que o seu delicado corpo vestia, divagavam pela platéia, indecisos, sem
fixarem-se em ponto algum. Parecia uma dessas melancólicas personagens de George
Sand, fantásticas e ideais, belas, todavia, mesmo na falsidade da sua criação,—vivificada
por um mistério e conduzida aquela sala de espetáculo, onde ostentavam-se as
formosuras das moças da moda e as austeras sobrecasacas dos burguesas, sob a
intensa luz do gás.
E ela estava sempre pálida,
encostada levemente á grade do camarote.
Nos lábios tinha ingênuo sorriso,
que espiritualizava-lhe a expressão da simpática fisionomia.
Um engraçado diabrete, primo dela,
brincava-lhe com o leque.
Quem binoculisasse aquele
camarote, havia de sentir apoderar-se-lhe da alma uma comoção de piedade, tal
era a melancólica tristeza evolada desse lugar, donde ela dirigia o seu negro,
o seu profundo olhar para a platéia, cujo ambiente saturava-se mais e mais dos eflúvios
de lindos lenços rendados, dos perfumosos lenços discretos das jovens damas....
E aquela encantadora criança que,
sempre triste, encostava-se á grade do camarote, apresentava na pálida fisionomia
os vestígios do sofrimento, que tanto a tornava simpática aos olhos da burguesia
austeramente séria sob a luz intensa do lustre.....
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Nota:
João Marques de Carvalho: "Contos Paraenses" (1889)
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