ORGANIZAÇÕES
MINISTERIAIS
A política é
uma das mais sérias preocupações do Brasil, e especialmente desta mui leal e
heróica cidade do Rio de Janeiro, onde a vida pública e privada dos homens de
Estado é discutida em altas vozes nos botequins, confeitarias, lojas de
charutos, armarinhos, praças e pontos de bondes.
A julgar
pela parte afetiva que cada cidadão toma nos negócios oficiais, este país
deveria ser uma - república de anjos.
Infelizmente,
assim não é.
Os tais
anjos brigam por dá cá aquela palha, e os negócios conservam-se sempre no mesmo
estado.
Por que
brigam? Pelas idéias, pelos princípios.
E quereis
saber como, entre nós, se briga pelos princípios?
É assim:
- O Machado
Pereira é conservador.
- Está
enganado; é liberal.
- Nunca foi
liberal; votou sempre com os vermelhos.
- Na última
eleição votou conosco.
- Ele é tão
conservador, como o Arruda.
- Quem? O
Arruda da Guaratiba?
- Sim,
senhor.
- Este era
liberal, foi demitido por prevaricador...
- É verdade.
- Eu
conheço-o como as palmas de minhas mãos. Depois passou-se para os conservadores,
quando subiu o gabinete Quintanilha...
- Não foi no
gabinete Quintanilha que ele virou casaca, mas sim no ministério do Luís
Pereira.
- Ora, meu
caro amigo, outro ofício. No ministério do Luís Pereira ele já era republicano,
e escrevia na Espada de Dâmocles, um jornal democrata que aqui houve, aquelas
célebres cartas contra o chefe do estado assinadas A sentinela.
- Por sinal
que o governo, para calar a boca do tal marreco, nomeou-o cônsul para a Suíça.
- E fez mais
ainda: deu-lhe o título de conselho.
- Foi uma
grande bandalheira!
- Mas era
preciso.
- Esses
conservadores foram sempre assim.
- E os
liberais são ainda piores.
- Sabe o que
mais, meu amigo, fique com as suas idéias que eu ficarei com as minhas.
E eis aí o
que são as idéias e os princípios, de que falam quase todos.
E pelas
idéias e pelos princípios cometem-se injustiças, torce-se a lógica,
abocanham-se reputações e quebram-se cabeças às portas das igrejas.
Este
exórdio, com tiradas cheirando a artigo de fundo de jornal de oposição, foi-me
sugerido pelo papel importante que representa a política em todos os altos da
nossa vida.
Quem quiser
ver o Rio de Janeiro com febre e perder a cabeça, basta dizer-lhe ao ouvido:
- Caiu o
ministério!
A notícia
circula de boca em boca, sai do Castelões, entra no Bernardo, pára na Gazeta de
Notícias, volta para o Farani, estaca nos pontos dos bondes, embarca nos ditos
e percorre um por um todos os arrabaldes.
No dia
seguinte não fica ninguém em casa.
A rua do
Ouvidor é pequena para conter os curiosos.
Formam-se
grupos às portas das lojas, pelas esquinas, e em cada semblante lê-se o
seguinte ponto de interrogação:
- Quem foi
chamado?
Começam as
versões:
- Já sei
quem é o organizador.
- Quem é?
- O Soares da
Silva.
- Ora, ora!
- Acabo de
estar agora mesmo com ele.
- Se não
estás caçoando conosco, estás mentindo.
- Quanto
apostam?
- Mas como é
isto possível, se o Soares partiu ontem com a família para Teresópolis?
- É verdade;
porém ontem mesmo recebeu o telegrama e desce hoje.
- Aí vem o
Goulart.
- Homem, o
Goulart deve estar bem informado.
- Ô Goulart,
quem foi o chamado?
- O Silveira
de Assunção.
- O que
estás dizendo?
- A pura
verdade.
- Com os
diabos, por esta não esperava eu!
- Estou
aqui, estou demitido.
- E dois.
- Mas isto é
certo?
- E até aqui
já está organizado o ministério.
- Quem ficou
na Fazenda?
- O Alberto
da Rocha.
- E na
Justiça?
- O Brandão.
Para a guerra entrou o Felício; para a Agricultura o barão de Pitanga
Vermelha...
- O barão de
Pitanga Vermelha?!
- Sim. Pois
não o conheces?! É o Ladislau de Medeiros.
- Ah! já
sei.
- Para
Estrangeiros o visconde de Pedregulho; para a pasta do Império o Serzedello e
para a da Marinha o Lucas Viriato.
- Quem é o
Lucas Viriato?
- Não o conheço.
- Nem eu.
- O que é
ele?
- Não sei,
mas dizem-me que é rapaz muito inteligente e muito honesto.
- Bom-dia,
meus senhores.
- Ora viva,
sr. comendador.
- Então, já
sabem?
- Acabamos
de saber agora mesmo. O presidente do Conselho é o Silveira de Assunção.
- Não há
tal; foi chamado, é verdade, mas não aceitou.
- Mas sr.
comendador, eu sei de fonte limpa...
- Também eu
sei que o homem esteve no Paço cinco horas a conversar com o Rei, e que de lá
saiu à meia-noite, sem se haver decidido coisa alguma.
- Ora aí
está quem nos vai dar boas notícias frescas.
- Quem é?
- O
conselheiro Anastácio, que ali vem.
- Chama-o.
- Senhor
conselheiro, satisfaça-nos a curiosidade; quem é o homem que vai nos governar?
- Pois ainda
não sabem?
- São tantas
as versões...
- Pensei que
estivessem mais adiantados. Ora, ouçam lá: presidente do Conselho, visconde da
Pedra Funda; ministro do Império, André Gonzaga; da Marinha, Bento Antônio de
Campos...
- Muito bem,
muito bem! Ora, graças a Deus que já se fez alguma coisa que valha a pena.
- Ministro
da Fazenda, barão do Bico do Papagaio.
- Para a
Fazenda?
- Sim,
senhor.
- Porém este
homem nunca deu provas de si..., é pouco conhecido..., as circunstâncias em que
se acha o país...
- Não diga
isto. E aquele aparte que ele deu ao Ramiro na questão bancária?
- Não me
lembro.
- Pudera
não! O senhor não acompanha os debates parlamentares, não está enfronhado nos
negócios do país!
- Vamos
adiante.
- Ministro
da Guerra, Antônio Horta...
- Magnífico!
- Da
Agricultura, João Cesário; e fica na pasta de Estrangeiros o presidente do
Conselho.
- Antes ele
ficasse na da Fazenda.
- Assim se
tinha combinado a princípio; porém depois reconheceu-se que ele andaria melhor
como ministro de Estrangeiros: porque já esteve na Europa e fala muito bem
diversas línguas.
Após o
conselheiro aparece um barão, sucede a este um jornalista, vêm depois diversos
empregados públicos, e cada qual traz o seu ministério em um pedacinho de
papel, dizendo: - Este é o verdadeiro.
Os políticos
da rua do Ouvidor são tipos dignos de sérios estudos.
Em primeiro
lugar figura o político bem informado.
É aquele que
sabe de tudo.
Exemplo:
- Este
ministério devia infalivelmente cair.
- Está
visto; ele não podia ficar governando o país eternamente.
- Há muito
tempo que os sujeitos andavam brigados! Eu já fui oficial de gabinete e sei o
que são essas coisas. Além disso pessoa fidedigna asseverou-me que o Pereira
nunca mais pôde tragar o Almeida, desde o dia em que este não quis nomear-lhe o
sobrinho para a alfândega da Bahia. O Ernesto Pessoa também não olhava com bons
olhos para o Miguel Faria desde a questão do Matadouro, que, a meu ver, foi o
que deu com o ministério em terra. O organizador do novo gabinete não é o
Matias de Araújo, ou o Siqueira, como dizem por aí. Deixe-os falar; a coisa já
está assentada.
- Quem é
então?
- É segredo;
não posso dizer por hora
Esses
políticos bem informados são, em geral, grandes jogadores de voltarete.
Ora, os
leitores não ignoram a influência que o voltarete exerce sobre a nossa
política.
Segundo
rezam as crônicas, até alguns ministérios têm sido organizados em partidas de
voltarete, e muitos indivíduos devem ao codilho as posições que ocupam.
Os políticos
bem informados, apenas sob um ministério, indicam logo os nomes dos presidentes
de províncias, dos chefes de polícia, dos delegados, subdelegados, de todos
aqueles, enfim, que vão erguer-se ufanos sobre os destroços da derrubada.
Tipo oposto
é o do político que não sabe de coisa alguma, que nada lê, que no fundo é
completamente indiferente aos negócios públicos; mas que afeta acompanhar a
marcha dos acontecimentos, franzindo o sobrolho e dizendo sempre:
- Isto é uma
grande bandalheira!
Quando se
encontra com algum amigo, assume um ar misterioso e pergunta-lhe:
- O que há
de novo?
- Não sei;
fala-se que o ministério caiu e que já está organizado outro.
Então
chama-o para um lado, encosta-lhe a boca ao ouvido, e exclama:
- Isto é uma
grande bandalheira!
Na primeira
esquina encontra-se com outro amigo, e repete-lhe a mesma frase.
Há ainda o
tipo do político esperto, que é aquele que tem em cada partido um compadre -
probabilidade de subir ao poder.
Os tipos
dessa ordem estão sempre com o governo em casa.
É por
ocasião das organizações ministeriais que eles sobem à tona d’água, para a
pesca.
E no fim de
contas não sabem ainda os leitores quais são os novos ministros.
- Nem eu!
Quem é
aquele sujeito que ali vem, suando por todos os poros, esbarrando-se nos grupos,
e que procura desvencilhar-se dos indivíduos que o perseguem, dizendo-lhes:
- Não sei o
que há, senhores; deixem-me, deixem-me pelo amor de Deus!
É um
repórter. Já embarcou em dez tilburis e em outros tantos bondes, não dormiu
toda a noite, e daria, certamente, um ano de vida para saber aquilo que nem os
leitores nem eu sabemos.
O belo sexo
também toma parte ativa nesse movimento.
- Tomara já
ver este ministério organizado.
- Eu estou
pelos cabelos!
- E eu
então?! Há dois anos que meu marido está desempregado, e que nós vivemos
no...no...Como se chama aquilo, menina, que teu pai fala todos os dias lá em
casa?
- No
ostracismo, mamãe.
- É isto
mesmo. Quando penso que aquele malvado demitiu o Luís por causa das eleições de
Santa Rita...
- Meu marido
também foi demitido por causa das tais malditas eleições. Eu, se fosse homem
acabava com câmaras, com governo, com liberais, conservadores e republicanos, e
reformava este país.
Ai! ai! É o
que eu digo, muitas vezes. A minha desgraça é vestir saias.
Os sujeitos
que alugam carros, e que são os únicos que não têm política, andam também de um
lado para o outro à cata dos sete fregueses que são bons, e pagam à boca do
cofre.
Os
pretendentes roem as unhas, andam às tontas, e são os que mais perguntam.
Dias depois
os jornais publicam a organização do gabinete.
O novo
ministério é recebido com hosanas pelos correligionários, e a ferro e fogo
pelos adversários.
A cidade
volta ao seu estado habitual, e eis aí o que é a política.
Tinha razão
um amigo meu, sujeito de vistas largas, quando dizia:
- Eu
pertenço ao partido que tem por partido tirar partido de todos os partidos.
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Nota:
França Júnior: Folhetins (1878)
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Nota:
França Júnior: Folhetins (1878)
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