MAMÃ
Noite negra e tempestuosa! No céu não luzia
uma estrela, o vento soprava com violência, e flocos de neve
envolviam, como em alva mortalha, a aldeia adormecida. Só ao longe
milhares de luzes ardiam no soberbo castelo. Perfumes,
flores, sedas, rendas e cá fora, numa humilde choupana à
beira da estrada, fome, miséria e lamentos. Vivia ali uma pobre
camponesa com dois filhinhos. Magros, doentes, pediam esmola
pelos casais. Agora choravam. Tinham fome e não tinham pão,
os míseros pequeninos.
No único aposento via-se apenas uma enxerga
onde, com a cabeça entre as mãos, a pobre mãe pensava, talvez, no
futuro bem negro dos filhinhos.
A contrastar, porém, singularmente com a
miséria do casebre, via-se um berço elegante e lindo. Envolviam-no
rendas e arminhos. Dentro um pequeno gentil dormia, com
a linda cabecita emoldurada nos anéis doirados do seu
cabelo loiro. Nos lábios pairava-lhe um sorriso meigo de
anjo dormente.
Abre-se a porta de repente. Uma mulher
divinalmente formosa, envolta em ondas de rendas e sedas, arrastando
altiva a longa cauda, entra na choupana.
A camponesa ergue-se admirada,
enquanto a fidalga adulada, invejada, que tinha a seus pés um mundo de
adoradores, não receando amarrotar as rendas caras do seu
opulento vestido de baile, ajoelhou humilde ante o bercito do
filho do crime, que tinha de beijar furtivamente; inclinou a
cabeça, e duas lágrimas brilhantes como gotas de orvalho se
desprenderam dos olhos, resvalando-lhe pelas faces, que foram
cair nas do pequenito que, a sorrir no seu sorriso de
anjo, balbuciou mimoso:
- Mamã!
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Nota:
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Nota:
Florbela Espanca: "Dominó Preto" (1982)
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