FANTASIA
POBRE CORAÇÃO
Ele tinha os olhos garços;
o olhar desses olhos falava... Ora meigo, de indizível e sedutora ternura, ora
lampejante, imperioso, irresistível no seu brilho dominador.
Pálido como poeta, o seu
coração seria o de um poeta também?... não possuiria ele uma alma terna e
sensível?...
Os cabelos lindos de um
acastanhado leve, ondeavam graciosamente; o porte elegante e distinto... era um
mancebo encantador!...
Fraca e pálida como a flor
abandonada, ele encontrou-a; definhada qual a folha mimosa no arrefecer do
Outono.
Ele examinou-a ... Seus
olhos belos, meigos e compassivos se quedaram fitos nos olhos escuros dela; o
que leria ele ali?...
Depois, sua formosa cabeça
inclinou-se sobre o brando seio da doente; auscultava-a ... escutava-lhe o
coração; — o que ouviria ele?...
Um suspiro débil, penso que
fugia, — avezinha errante em busca do abrigo onde repousar; — e a formosa
cabeça comprimiu terna, suavemente o seio que ficava por sobre o coração.
Ai! pobre coração! o que
sentiste?...
Que sensação indefinível!
que inexplicável anseio te fez assim tanto palpitar?
Foi bem a terna saudade, a
doce recordação, talvez, de um passado desfeito o que sentiste?
Ai! Pobre coração!...
A palma mimosa da sensitiva
se retrai ao contato de mão; coração, coração! porque te confrangeste
assim? Oh! folha mimosa! porque te retraíste?...
A avezinha livre do
deserto, por vezes tem sede; — ai! se avistar a cristalina veia, quem a
condenará porque vai sôfrega beber?
Se a gota de orvalho que o
Céu mandou, tremulando fica na pétala desprendida da magnólia branca, quem há
de criminar a borboleta que pela tarde estiva e vai sorver?
A cândida açucena tem
doçura no seio; foi Deus que lha depositou ali; — que mal há pois que o
beija-flor sequioso procure o doce mel naquele seio perfumado?
E se da luz criadora do sol
benefício, acaso a violeta que na sombra pende, sentir o almo calor e amoroso o
acolheu no seio em que ele docemente penetrou, se deve, porventura, censurar a
misérrima que, de frio, se finava no isolamento?
E Deus criminaria a
inocente imbele para resistir e mui sensível para ser ingrata?!
O orvalho do Céu caía gota
a gota, em cada manhã, sobre a planta que desfalecia; o sol aqueceu-a, cuidou-a
o floricultor, e cada dia ela sentia o extremo desvelo com que a trataria. Oh!
revivessem, abrindo-se em flores bem mimosas!... Que culpa tem as flores que se
abrem agradecidas?
A flor encerra o gérmen, o
perfume, a doçura; o coração encerra a vida, o amor, a ternura; a flor
desabotoa, entornando aroma se o sol a aqueceu; o coração é como a flor:
expande-se derramando a ternura se amor feriu...
Que culpa tem a flor? Que
culpa tem o coração?...
Ai! pobre flor abandonada!
Ai! pobre coração!
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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