COMO A
PESCADA...
Casados
há três meses, — já o arrufo, já o ciúme, já a resigna... E Clélia quer que o
marido, o Álvaro, lhe ponha já para ali toda a verdade: se foi de fato noivo de
Laura, e porque é que foi expulso da casa de Laura, e porque não casou com
Laura,
e porque
é que a família de Laura lhe tem tanta raiva...
— Mas,
filhinha, sê sensata; não nos casamos? Não somos felizes? Não te amo como um
louco? Que queres mais? Beijemo-nos que me importa a mim a lembrança de Laura,
se é a ti que amo, se te pertenço, se sou o teu maridinho carinhoso? — suspira
Álvaro, procurando com os lábios ansiosos os lábios da arrufada Clélia...
— Não,
senhor! Não, senhor! — diz a teimosa, repelindo-o — Não, senhor! quero saber
tudo! vamos a isso! foi ou não foi noivo de Laura?
— Ai! —
geme o marido — já que não há remédio... fui, queridinha, fui...
— Bem! e
porque não casou com ela?
—
Porque... porque o pai preferiu casá-la com o Borba, comendador Borba, sabes?
aquele muito rico e muito sujo, sabes?
— Sei...
Mas isso não explica o motivo porque o pai de Laura tem tanto ódio ao senhor...
— É
que... é que, compreendes... tinha havido tanta intimidade entre mim e a filha
dele...
— Que
intimidade? vamos, diga tudo! o senhor costumava ficar sozinho com ela?
— Às
vezes, às vezes...
— E
abraçava-a?
— Às
vezes...
— E
beijava-a?
— Às
vezes...
— E
chegava-se muito para ela?
— Sim,
sim... Mas não falemos nisso! que temos nós com o passado, se nos amamos, se
estamos casados, se...
— Nada!
nada! — insiste Clélia — quero saber tudo, tudo! vamos! e depois?
—
Depois? mais nada, filhinha, mais nada...
Clélia,
porém, com um brilho singular da curiosidade maliciosa nos grandes olhos azuis,
insiste ainda:
—
Confesse! Confesse! Ela... ela não lhe resistiu? Não é assim?
—
Diga-o! Confesse! — e abraça o marido, adulando-o...
— Pois
bem! é verdade! — responde ele — mas acabou, passou... Que importa o que houve
entre mim e Laura, se nesse tempo ainda eu não te conhecia, a ti, tão pura, a
ti, tão boa, a ti que, enquanto foste minha noiva, nem um só beijo me deste?
Clélia,
muito séria, reflete... E, de repente:
— Mas,
escuta, Alvaro! Como foi que o pai soube?
— Por
ela mesma, por ela mesma! A tola contou-lhe tudo...
— Ah!
Ah! Ah! — e Clélia ri como uma louca, mostrando todas as pérolas da boca — ah!
ah! ah! então foi ela quem... que idiota! Que idiota! ah! ah! ah! Ora já se viu
que pamonha? aí está uma cousa que eu não teria feito! — uma asneira em que não
caí nunca...
— Como?
Como? — exclama o marido, aterrado — uma asneira em que não caíste?!
— Mas,
certamente, queridinho, certamente! Há cousas que se fazem mas não se dizem...
E,
enquanto Álvaro, acabrunhado, apalpa a testa — lá fora, na rua, ao luar, um
violão tange o fado e a voz do fadista canta:
"Homem
que casa não sabe
Qual o
destino que o espera...
Há gente
como a pescada,
Que
antes de o ser já o era..."
---
Nota bibliográfica:
Olavo
Bilac (com o pseudônimo de Bob): "Contos para Velhos", obra
digitalizada por: NEAD – Núcleo de Educação
à Distância, da Universidade da Amazônia.
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