O Paulo jantou apressadamente e, mal acabou de sorver o último
gole de café, pôs o chapéu, saiu de casa, tomou na Rua do Catete um bonde que
passava, apeou-se no largo da Carioca, desceu a Rua da Assembléia e dirigiu-se
para o lado das barcas.
Estava febricitante: a Isabel, que durante quatro meses não fez o
menor caso de seus protestos de amor, resolvera, afinal, conceder-lhe uma
entrevista.
A linda costureira (a Isabel era costureira) ficara de estar às
oito em ponto à porta da estação das barcas. Eram sete e quarenta.
Estava tudo muito bem combinado. Entrariam ambos na estação sem se
falar, como se não se os conhecessem; tomariam a primeira barca e subiriam para
a tolda, a fim de conversar
à vontade. Desembarcando em
São Domingos, um bonde
levá-los-ia a Icaraí.
Na saudosa praia
esperava-os um ninho
discreto, onde passariam a
sua primeira noite
de amor. Estava
tudo muito bem combinado.
Por que Icaraí?... Por que não Copacabana ou Tijuca?... Por nada:
tinha sido um capricho da Isabel.
Notou o Paulo que, um pouco distante do lugar em que ele se
achava, isto é, da porta da estação, estava, como que protegida pela sombra,
uma senhora de preto, que tinha,
pouco mais ou menos, o corpo e a estatura de Isabel. Seria ela que, por
qualquer circunstância, não
tivesse querido chegar
mais perto? Ele aproximou-se, disfarçou, observou, e
voltou para o seu posto. A senhora de preto não se parecia nada com a outra.
Era aliás mais bonita.
Passou meia hora...
passou uma hora;
chegaram e partiram
numerosos bondes... as barcas de vez em quando despejavam gente sobre a
praça, mas nem a Isabel
aparecia, nem aquele
misterioso vulto de
mulher se movia
do recanto sombrio em que estava.
Paulo ficou desesperado. O seu desejo era sair dali, não esperar
nem mais um momento; dizia, porém, consigo: - Mais um bonde, o último! - e ia
esperando...
Convencendo-se, afinal, de que a Isabel não vinha, resolveu ir
para a casa, mas, ao retirar-se, passou rente à senhora de preto; que esperava
sempre, e encarou-a.
Ela perguntou-lhe, sorrindo:
- Faz favor de me dizer que horas são?
- Pois não, minha senhora!, passam vinte das nove.
- Decididamente não vem! Que maçada!
- Espera alguém, minha senhora?
- Que tem o senhor com isso?
- É que eu também esperava uma pessoa... e, quem sabe? talvez que
a analogia das nossas situações
pudesse estabelecer entre
nós certa... certa...
como direi?... certa simpatia...
- Não imagina como estou contrariada!
- Naturalmente porque gosta muito do homem que a faz esperar...?
- Como sabe o senhor que é um homem?
- Uma mulher não espera tanto tempo por outra...
- Isso é verdade...
E, depois de uma ligeira pausa, continuou assim o diálogo:
ELA - Sim, é por um homem que eu esperava, mas não pense o senhor
que o ame loucamente. O que ele hoje me fez, varreu-o cá de dentro!
ELE - O
mesmo digo da
mulher que me
pôs aqui de
plantão! Era a
nossa primeira entrevista... Foi melhor assim!
ELA - Ora!, amanhã ela conta-lhe quatro caraminholas, e o senhor
desculpa-a...
ELE - Está enganada! Não quero vê-la!
ELA - Na realidade, temos ambos razão de estar queixosos...
ELE - Se nos vingássemos, eu dela e a senhora dele?
ELA - Como?
ELE - Se eu tomasse o lugar dele e a senhora o dela?
ELA - Que diria o senhor de mim?
ELE - Diria: "’E uma mulher de espírito, que sabe
vingar-se!" A senhora não me conhece, mas...
ELA - E se eu o conhecesse, Paulo?
ELE - Conhece-me?
ELA - Pelo menos de fotografia. Foi a Isabel que ma mostrou.
ELE - A Isabel?!, conhece-a?
ELA - Trabalhamos
juntas no
mesmo atélier de
costuras, e somos
amigas... íntimas.
ELE - Ah!...
ELA - Ela falou-me do senhor... mostrou-me o retrato... disse-me
que o achava feio... Eu, pelo contrário, achei-o...
ELE - Bonito?
ELA - Pelo menos simpático.
ELE - Muito obrigado.
ELA - Não há de que.
ELA - Hoje ela disse que o senhor estaria aqui à sua espera às
oito horas... mas que o deixaria esperar em vão, para desenganá-lo. Fiquei com
muita pena do senhor e disse comigo: "Como pode esta mulher enganar assim
a um moço tão simpático?"
Resolvi, então, um
pouco por comodidade
e.. . um
pouco por simpatia... verificar
se o senhor tinha vindo... Quando o vi interrogando com os olhos ansiosamente
os bondes que chegavam, tive ímpetos de preveni-lo de que ela não vinha, mas
não me atrevi.
ELE - Então a senhora não estava à espera de ninguém?
ELA - Não, vim simplesmente vê-lo... e vingá-lo. Que quer? Tenho
um coração tão mole. .
.......................................................
Uma hora depois, estavam ambos no doce ninho de Icaraí.
---Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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