domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "Uma por Outra"


UMA POR OUTRA


O Paulo jantou apressadamente e, mal acabou de sorver o último gole de café, pôs o chapéu, saiu de casa, tomou na Rua do Catete um bonde que passava, apeou-se no largo da Carioca, desceu a Rua da Assembléia e dirigiu-se para o lado das barcas.

Estava febricitante: a Isabel, que durante quatro meses não fez o menor caso de seus protestos de amor, resolvera, afinal, conceder-lhe uma entrevista.

A linda costureira (a Isabel era costureira) ficara de estar às oito em ponto à porta da estação das barcas. Eram sete e quarenta.

Estava tudo muito bem combinado. Entrariam ambos na estação sem se falar, como se não se os conhecessem; tomariam a primeira barca e subiriam para a tolda,  a fim  de conversar  à vontade.  Desembarcando em São  Domingos,  um bonde   levá-los-ia   a   Icaraí.   Na   saudosa   praia   esperava-os   um   ninho   discreto, onde   passariam   a   sua   primeira   noite   de   amor.   Estava   tudo   muito   bem combinado.

Por que Icaraí?... Por que não Copacabana ou Tijuca?... Por nada: tinha sido um capricho da Isabel.

Notou o Paulo que, um pouco distante do lugar em que ele se achava, isto é, da porta  da estação,  estava, como que  protegida pela  sombra,  uma  senhora de preto, que tinha, pouco mais ou menos, o corpo e a estatura de Isabel. Seria ela que,   por   qualquer   circunstância,   não   tivesse   querido   chegar   mais   perto?   Ele aproximou-se, disfarçou, observou, e voltou para o seu posto. A senhora de preto não se parecia nada com a outra. Era aliás mais bonita.

Passou   meia   hora...   passou   uma   hora;   chegaram   e   partiram   numerosos bondes... as barcas de vez em quando despejavam gente sobre a praça, mas nem   a   Isabel   aparecia,   nem   aquele   misterioso   vulto   de   mulher   se   movia   do recanto sombrio em que estava.

Paulo ficou desesperado. O seu desejo era sair dali, não esperar nem mais um momento; dizia, porém, consigo: - Mais um bonde, o último! - e ia esperando...

Convencendo-se, afinal, de que a Isabel não vinha, resolveu ir para a casa, mas, ao retirar-se, passou rente à senhora de preto; que esperava sempre, e encarou-a.

Ela perguntou-lhe, sorrindo:

- Faz favor de me dizer que horas são?

- Pois não, minha senhora!, passam vinte das nove.

- Decididamente não vem! Que maçada!

- Espera alguém, minha senhora?

- Que tem o senhor com isso?

- É que eu também esperava uma pessoa... e, quem sabe? talvez que a analogia das   nossas   situações   pudesse   estabelecer   entre   nós   certa...   certa...   como direi?... certa simpatia...

- Não imagina como estou contrariada!

- Naturalmente porque gosta muito do homem que a faz esperar...?

- Como sabe o senhor que é um homem?

- Uma mulher não espera tanto tempo por outra...

- Isso é verdade...

E, depois de uma ligeira pausa, continuou assim o diálogo:

ELA - Sim, é por um homem que eu esperava, mas não pense o senhor que o ame loucamente. O que ele hoje me fez, varreu-o cá de dentro!

ELE   -   O  mesmo   digo  da   mulher   que   me   pôs   aqui   de   plantão!   Era  a   nossa primeira entrevista... Foi melhor assim!

ELA - Ora!, amanhã ela conta-lhe quatro caraminholas, e o senhor desculpa-a...

ELE - Está enganada! Não quero vê-la!

ELA - Na realidade, temos ambos razão de estar queixosos...

ELE - Se nos vingássemos, eu dela e a senhora dele?

ELA - Como?

ELE - Se eu tomasse o lugar dele e a senhora o dela?

ELA - Que diria o senhor de mim?

ELE - Diria: "’E uma mulher de espírito, que sabe vingar-se!" A senhora não me conhece, mas...

ELA - E se eu o conhecesse, Paulo?

ELE - Conhece-me?

ELA - Pelo menos de fotografia. Foi a Isabel que ma mostrou.

ELE - A Isabel?!, conhece-a?

ELA   -  Trabalhamos   juntas   no  mesmo  atélier  de  costuras,   e   somos   amigas... íntimas.

ELE - Ah!...

ELA - Ela falou-me do senhor... mostrou-me o retrato... disse-me que o achava feio... Eu, pelo contrário, achei-o...

ELE - Bonito?

ELA - Pelo menos simpático.

ELE - Muito obrigado.

ELA - Não há de que.

ELA - Hoje ela disse que o senhor estaria aqui à sua espera às oito horas... mas que o deixaria esperar em vão, para desenganá-lo. Fiquei com muita pena do senhor e disse comigo: "Como pode esta mulher enganar assim a um moço tão simpático?"   Resolvi,   então,   um   pouco   por   comodidade   e..   .   um   pouco   por simpatia... verificar se o senhor tinha vindo... Quando o vi interrogando com os olhos ansiosamente os bondes que chegavam, tive ímpetos de preveni-lo de que ela não vinha, mas não me atrevi.

ELE - Então a senhora não estava à espera de ninguém?  

ELA - Não, vim simplesmente vê-lo... e vingá-lo. Que quer? Tenho um coração tão mole. .

.......................................................

Uma hora depois, estavam ambos no doce ninho de Icaraí.


---
Nota
:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

Nenhum comentário:

Postar um comentário