Como o Alfredo tinha que partir para Minas às 5 horas da manhã,
entendeu que o meio mais seguro de não perder o trem, o que mais de uma vez lhe
sucedera, era passar a noite em claro.
Assim foi. Esteve
no teatro até
meia-noite, foi cear
com alguns amigos, demorou-se no
restaurante até as 2 horas,
deu um passeio
de carro pela Avenida Beira-Mar e, às 5 horas, estava
comodamente sentado no trem, de guarda-pó e boné de viagem.
Partiu o carro ainda ao lusco-fusco, só ali pelas alturas do Encantado
o sol resolveu entrar lentamente pelas portinholas.
O Alfredo começou então a examinar um
casal que estava sentado diante dele.
Começou pelo marido: era um sujeito vulgaríssimo, que se parecia com todo o
mundo, e tanto
poderia ser negociante
como empregado público, industrial, etc. Tinha uma dessas
caras inexpressivas, que se adaptam a todas as profissões.
Passou o Alfredo
a examinar a
senhora e não
pôde conter um
gesto de surpresa reconhecendo
nela uma bonita mulher que um dia encontrara num bonde das Laranjeiras, e o
namorara escandalosamente.
Havia oito meses que o Alfredo a procurava por toda a parte,
passando em vão repetidas vezes pela casa daquele bairro onde ela entrara
quando saiu do bonde.
O não tê-la
encontrado nunca mais
lhe exacerbara a
impressão amorosa deixada no seu
espírito, mais que no seu coração, por aquela formosa mulher, e não se pode
exprimir a alegria que lhe produziu a presença dela naquele trem, embora acompanhada
por um indivíduo que, pelos modos, tinha direitos adquiridos sobre ela.
A desconhecida animou
o rapaz com
um desses sorrisos
com que as mulheres, num segundo, se entregam de
corpo e alma a um homem, e como os dois namorados não podiam apertar a mão um
do outro, serviram-se dos pés como
intérpretes dos seus sentimentos. Felizmente o Alfredo não tinha calos, que, se
os tivesse, ficariam em petição de miséria.
Era impossível qualquer outra correspondência que não fosse aquela,
porque o marido não arredava pé dali. O Alfredo alimentava uma vaga esperança
de que ele descesse
na estação de
Belém para tomar
café, mas qual,
o homenzinho era inamovível.
Na Barra do Pirai o casal subiu ao restaurante para almoçar, e o
Alfredo subiu também, mas não lhe foi possível chegar à fala.
Depois do almoço, o pobre namorado começou a sentir os efeitos da
noite passada em claro: as pálpebras pesavam-lhe como se fossem de chumbo, e ele
fazia esforços heróicos para não dormir; mas o sono foi implacável, e, quando o trem
passou por Juiz de Fora, já ele dormia a sono solto, esquecido dos olhos e do
pé da sua bela companheira de viagem.
Foi perto de Palmira que o desgraçado acordou, e - oh, desgraça! –
estavam vazios os dois
lugares defronte dele.
A moça desaparecera... quando?... onde?... em que estação?... Era
impossível sabê-lo!
O Alfredo passou os olhos estremunhados por todo o vagão, na
esperança de que ela e o marido houvessem simplesmente mudado de lugar. Nada!.
Só então reparou que tinha na mão um anúncio de hotel, desses que
em cada estação atiram aos passageiros.
Ele dispunha-se a deitar fora esse pedaço de papel inútil, quando
reparou que nas costas d0
anuncio havia qualquer
coisa escrita a
lápis, com letra
de mulher.
E o Alfredo leu: "Quem ama não dorme."
Nunca mais a viu.
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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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