domingo, 31 de março de 2013

Artur de Azevedo: "O Paulo"


O PAULO


Se o senhor conhecesse o meu amigo Paulo, com certeza o estimaria: era um excelente rapaz, um belo camarada.

Há dezesseis anos que ele se tinha casado, por amor, com uma linda moça, e nunca houve marido mais amante, mais solícito, mais cumpridor dos seus deveres, para empregar aqui esta frase cômoda, em que o vulgo envolve todas as virtudes maritais.

Ao   cabo   de   um   ano   de   casamento,   nasceu   ao   Paulo   uma   filha   que   completou   a   sua felicidade, e fez com que ele se considerasse a mais venturosa das criaturas humanas.

Essa ilusão durou muito tempo, durou até o dia em que o pobre rapaz, perdendo o emprego que tinha, e arranjando outro menos rendoso, foi obrigado a mudar-se para uma casa mais modesta e a restringir as suas despesas. A mulher, que gostava muito de se embonecar e de se divertir, achou que isso era a miséria e o deu a perceber ao marido. Este afligiu-se tanto que adoeceu.

Em   janeiro   deste   ano,   uma   tarde,   voltando   para   casa,   depois   do   trabalho,   o   Paulo   não encontrou a mulher.

- Que é de tua mãe? - perguntou à filha.

- Saiu; não me disse onde ia, mas deixou uma carta para papai.

Ele sentiu logo um grande abalo no coração e teve um terrível pressentimento. As mulheres que   abandonam   o   domicílio   conjugal   fazem,   por   via   de   regra,   como   os   homens   que   se matam: deixam uma carta. O Paulo sabia disso e tremeu.

Não  se  enganava.   A   desgraçada   deixou-o   e   deixou  também   a   filha,   uma   pobre   moça   de quatorze anos, que precisava tanto dos cuidados maternos.

O Paulo era forte de coração, mas fraco de espírito; o golpe aniquilou-o; entretanto, fez das fraquezas força e continuou a viver e a trabalhar por amor da filha, que confiou a uma família amiga.

Passados alguns meses, a mulher, que tinha ido viver em companhia de um amante, sentiu saudades   da   menina,   e   tentou   reavê-la.   Não   o   conseguindo,   naturalmente,   por   meio   de súplicas e sabendo que não tinha a lei por si, a desgraçada teve uma idéia monstruosa, talvez sugerida pelo seu digno amante: escreveu uma carta ao marido afiançando-lhe que ele não era pai daquela criança.

A carta infame produziu o desejado efeito: o pobre Paulo, depois de alguns dias de profunda melancolia, teve um violento acesso de loucura e foi internado no Hospício.

Ao cabo de algum tempo foi removido para a casa de um parente, mas durou apenas uma semana. Faleceu anteontem e foi enterrado ontem.

A viúva provavelmente vai casar-se com o amante, e a infeliz menina ficará sob a tutela do padrasto.

Aí   tem,   meu  ilustre  amigo,  um   caso   que   se passou   neste   ano   de   1908,   caso   verídico  e pungente pelo qual substituo hoje um conto inventado, sem mesmo disfarçar o nome do meu desventurado amigo, que se chamava realmente Paulo.


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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada

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