
Três tesouros perdidos
Uma tarde,
eram quatro horas, o Sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite que levava não o fez reparar
em um cabriolet que estava parado à sua
porta. Entrou, subiu a escada, penetra na sala e... dá com os olhos em um homem
que passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.
Cumprimentou-o
polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-lhe:
— Senhor,
eu sou F..., marido da senhora Dona E...
— Estimo
muito conhecê-lo, responde o Sr. X...; mas não tenho a honra de conhecer a
senhora Dona E...
— Não a
conhece! Não a conhece! ... quer juntar a zombaria à infâmia?
—
Senhor!...
E o Sr.
X... deu um passo para ele.
— Alto lá!
O Sr. F...
, tirando do bolso uma pistola, continuou:
— Ou o
senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão!
— Mas,
senhor, disse o Sr. X., a quem a eloqüência do Sr. F... tinha produzido um
certo efeito: que motivo tem o senhor...
— Que
motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha
mulher?
— A corte
à sua mulher! não compreendo!
— Não
compreende! oh! não me faça perder a estribeira.
— Creio
que se engana...
—
Enganar-me! É boa! ... mas eu o vi... sair duas vezes de minha
casa...
— Sua
casa!
— No
Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...
— Mas,
senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...
— Não;
não; é o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo que ressalta de toda a
sua cara? Vamos, ou deixar a cidade, ou morrer...
Escolha!
Era um
dilema. O Sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola.
Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.
Surgiu,
porém, uma objeção.
— Mas,
senhor, disse ele, os meus recursos...
— Os seus
recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.
E tirando
da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:
— Aqui
tem dois contos
de réis para
os gastos da
viagem; vamos, parta! parta imediatamente. Para onde vai?
— Para
Minas.
— Oh! a
pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdôo-lhe, mas não volte a esta corte... Boa viagem!
Dizendo
isto, o Sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolet, que desapareceu em uma
nuvem de poeira.
O Sr. X...
ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e
ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a realização de um dos seus
mais caros sonhos. Jantou tranqüilamente, e daí a uma hora partia para a terra
de Gonzaga, deixando em sua casa apenas
um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos
sobre o seu destino.
No dia
seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o Sr. F. para a sua chácara de Andaraí, pois tinha passado a
noite fora.
Entrou,
penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:
— “ Meu
caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P... Vou para a Europa.
Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. — Tua E...”.
Desesperado,
fora de si, o Sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido às 8 horas.
— Era P...
que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os dois
contos! Tornou a meter-se no cabriolet e dirigiu-se à casa do Sr. X..., subiu; apareceu o moleque.
— Teu
senhor?
— Partiu
para Minas.
O Sr. F...
desmaiou.
Quando deu
acordo de si estava louco... louco varrido!
Hoje,
quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:
— Perdi
três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda carteira cheia de
encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as algibeiras!...
Neste
último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.
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Nota:
Texto
Fonte: Páginas Recolhidas de Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M.
Jackson, 1938. Publicado originalmente em A Marmota, 1858
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