quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Lélia Rita Ribeiro: "5 Poemas"

PANTANAL

Garças levemente pousadas
Mil cores a voar
Emas espanejosas
Jacarés – parados –
A imprevisão das capivaras
Macacos traquinos...
Chifres de veados que olham...
O boi no campo a pastejar...
Pantanal!

Camalotes em flor
Helicônias e palmeiras uiriri
Jardins flutuantes nos corixos
Pantanal!

O pantaneiro e o avião
O vaqueiro e o cavalo
Mulheres mulheres na ajuda ou no embalo
Crianças crianças em arruaças sem ruas
A carne seca e a calça lee no varal
Pantanal!

Bebedouro de gente
ora é seca ora é enchente
Terra água pasto verdejante
às vezes mais água que terra
outras vezes terra sem água
Pantanal!



CANTO DA SERIEMA

Catavento dos quatro ventos
Colhe este canto e esparze-o
É o lamento
De quem sofre o sofrer do tempo
Que passa passa ssa sa...
Catavento dos quatro ventos
Incita este canto e este vôo
Intermitente mas persistente
E vê, se só aqui venta
E se não venta também por lá...
Catavento dos quatro ventos
Quixotesco ou gigantesco
Será a geada a seca a enchente
Que desviou o vento parado
De lá pra cá?...

Catavento dos quatro ventos
Faz moer seu grão-de-bico
De-galo ou de-pulha
Mas tem pena da sentente Seriema
cansada de esperar...

Catavento dos quatro ventos
Puxa água pra Seriema
Tem dó de sua dor
E espalha o doer de não saber que dói
Pra saber o quanto dói saber que dói...

Catavento dos quatro ventos
Será que venta também por lá?...
.................................................
.................................................
CA TA VEN TO TO TO TO TO
CA A A TA VEN EN TO TO TO O O O !
................................................
................................................



A FLOR E A HASTE

A flor na haste
não é mais que a própria flor
e a própria haste.
A flor da haste
pode cair.
E, caindo
de irmanadas ficam separadas
perdendo
a própria flor
e a própria haste
seus predicados
de flor
e de haste.

Não é mais flor
nem é mais haste.
É haste sem flor
É flor sem haste.



EIS QUE...

Sou a que vive trêmula e sussurrante
Sou o patético em busca da essência
Sou mais o que não se vê e o que não se vive
mas se aspira
sou e não sou
(engraçado como me estranho)
mas sou mesmo aquela que
redemoinha... redemoinha...



CANTO VI – O ENCANTO DA TERRA
Canto de Amor e Lamento da Mulher Guaicuru

Cantando e bailando um quarto crescente
Rondei sóis estrelas mares flora fauna e gentes
O caminho estreito ia se abrindo
Quando um clarão prostrou-me extasiada
Encontrei no homem d’além mar o amor Guaicuru...
Levantei-me nuvem que parisse outra lua
Sacudi seu pó brilhante que impregnava meu corpo
E o espaço encheu-se do infinito...

Uma passarela de flores no cislunar se estendia
Como um arco-íris no puro imenso escuro
São Jorge – fazia-me companhia...
Emprestei-lhe seu cavalo dourado
Cavalguei no espaço um passo rebelde
Com pés no estribo e mãos ferradas na coragem
Embalei um balanço lunático minguante
Sentindo a força do universo em meu peito

O vento cheiroso da crina bateu em meu rosto
Levando-me muito além dos desejos todos
Divisei dar nome às coisas e a aquele que me carregava
Dizendo-lhe: Serás meu Pedevento Dourado!
Tua missão será levar-me aos confins de todos os lugares
Tocando-o ficarei dourada veloz e corajosa
Terei e os meus filhos todos os feitiços teus
Seremos dois num só galope pela planície infinda...
Foi assim que ao encarar o homem luso-tropical
Num aceno de amor e ódio beijando-o em ambas as faces
Conquistei-lhe o espírito e o corpo no puro embate amoroso
Abracei-o num tênue e fiel abraço
Entregando-lhe minha veste e meu cavalo dourado
Para com ele dividir as terras águas e a descendência
E o ventre livre e firme de encontro a rouxidão do solo fecundo
Palpitando a um querer de vida e amor...

O horizonte infindo dos Confins do Novo Mundo
Rasgava minha boca e olhos de encanto e espanto
Nuvens feito plumas me ornavam
Libélulas esvoaçantes quebravam o azul em vidrilhos
Anunciando a doce alegria da antevéspera do prazer
E a fria lucidez de saber que o amor Guaicuru
Que apontava em minh’alma como náufrago na ilha
Era uma nova forma de conquista da liberdade e do amor...

Descendo mais além à fascinação do lago
Envolvente pressiona uma violência de paixão
Que sorve impulsiona e se consome
Em ondas gasosas e vapores pictóricos do Xaraé
Desfazendo-se numa simbiose com a natureza
Como gaivota de vôo aberto libertando-se das entranhas da terra
Sendo pássaro e peixe com as humanidades reunidas
Num sopro d’água e de vida?!

O inferno e o céu reunidos
Numa cênica beleza
Confusa clara existencial
Como orgasmo luminoso
De virgem na entrega do amor...
Em gotas cársticas vão pingando pingando
Sinfonia inacabada de súplica
A canção da eternidade...
---
Fonte:
Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras: nº 4 - junho de 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário