VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
Vou-me embora pra
Pasárgada
Lá sou amigo do
rei
Lá tenho a mulher
que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra
Pasárgada
Vou-me embora pra
Pasárgada
Aqui eu não sou
feliz
Lá a existência é
uma aventura
De tal modo
inconsequente
Que Joana a Louca
de Espanha
Rainha e falsa
demente
Vem a ser
contraparente
Da nora que nunca
tive
E como farei ginástica
Andarei de
bicicleta
Montarei em burro
brabo
Subirei no
pau-de-sebo
Tomarei banhos de
mar!
E quando estiver
cansado
Deito na beira do
rio
Mando chamar a
mãe-d’água
Pra me contar as
histórias
Que no tempo de eu
menino
Rosa vinha me
contar
Vou-me embora pra
Pasárgada
Em Pasárgada tem
tudo
É outra
civilização
Tem um processo
seguro
De impedir a
concepção
Tem telefone
automático
Tem alcaloide à
vontade
Tem prostitutas
bonitas
Para a gente
namorar
E quando eu
estiver mais triste
Mas triste de não
ter jeito
Quando de noite me
der
Vontade de me
matar
— Lá sou amigo do
rei —
Terei a mulher que
eu quero
Na cama que
escolherei
Vou-me embora pra
Pasárgada.
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise,
dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que
podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse,
tosse.
Mandou chamar o
médico:
— Diga trinta e
três.
— Trinta e três…
trinta e três… trinta e três…
— Respire.
— O senhor tem uma
escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor,
não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única
coisa a fazer é tocar um tango argentino.
ANDORINHA
Andorinha lá fora
está dizendo:
— “Passei o dia à
toa, à toa!”
Andorinha,
andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à
toa, à toa…
OS SAPOS
Enfunando os
papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os
sapos.
A luz os
deslumbra.
Em ronco que
aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à
guerra!”
— “Não foi!” —
“Foi!” — “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu
cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os
hiatos!
Que arte! E nunca
rimo
Os termos
cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de
apoio.
Vai por cinquenta
anos
Que lhes dei a
norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas
céticas:
Não há mais
poesia,
Mas há artes
poéticas…”
POÉTICA
Estou farto do
lirismo comedido
Do lirismo bem
comportado
Do lirismo
funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e
manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do
lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo
de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras
sobretudo os barbarismos universais
Todas as
construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos
sobretudo os inumeráveis
Estou farto do
lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo
que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é
lirismo
Será contabilidade
tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem
modelos de cartas e as diferentes
maneiras de
agradar às mulheres, etc
Quero antes o
lirismo dos loucos
O lirismo dos
bêbedos
O lirismo difícil
e pungente dos bêbedos
O lirismo dos
clowns de Shakespeare
— Não quero mais
saber do lirismo que não é libertação.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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