SONJA SONRISAL
“Onde quer que haja prazer para
vender, lá estarei eu para o comprar.”
O. Goldsmith
Sonja não tinha mais de 20 anos, mas a cabeça era memorável. Pensava
como político, agia como comerciante, tinha emoções, além disso, e o linguajar
de prostituta.
Criamos cumplicidade desde o primeiro dia em que fui na sua casa. Algumas horas depois ela sumiu de onde estávamos conversando, se isolou no quarto com uma amiga, Marisa. Andei procurando e acabei por chegar lá. Bati na porta:
“Posso invadir o castelo das putas?” Ela riu, a Marisa riu, todos rimos,
me intrometi na conversa, sentei-me na cama dela. Chegamos, assim rapidamente,
a uma cumplicidade ampla e ganhei a simpatia, a intimidade de Sonja. Elas
estavam experimentando uns vestidos, em roupa íntima. Quando chegou a vez da
Sonja, comecei a fazer um coro, que Marisa logo acompanhou:
“Strip -tease! Strip-tease! Strip-tease!” Sonja nem se fez de rogada, aproveitou a música
que tocava no rádio, eu e Marisa fizemos o acompanhamento vocal:
“Taram-taram, Taram-taram, Taram -taram!” E Sonja foi tirando peça por
peça, até o gran finale, em pêlo! Depois foi a vez da Marisa, de peitos enormes
e brancos, por fim até eu dei o ar da minha graça, mais por força da
circunstância – na realidade nunca pensei que chegasse até aí. Mas cumpri...
Apelidamos ela de Sonja Sonrisal, porque tinha a mania de tomar esse comprimido,
fosse qual fosse o mal que sentisse: dor de cabeça, azia, indisposição
estomacal, cólica menstrual, ressaca. Bebia pra caralho. Poucas vezes a vi
sóbria, só conheci aquele semblante cansado, de quem transou a noite toda,
transou e bebeu, e tomou ainda por cima alguma droga estimulante para não
dormir e aguentar todas as noitadas da vida.
Poderia ser Sonja Cocaína ou Sonja Marijuana, qualquer droga que a
deixasse xilada servia para sobrenome. Seus bagulhos eram gigantes, comparáveis
somente aos jamaicanos: o verdadeiro charuto de erva. Ela tomava todas, mas
nunca perdeu a cabeça boa que tinha.
Quando se apaixonava, era diferente. Aí não tinha droga maior que a
paixão. O cara tinha que ser bastante heróico para aturar Sonja, de repente ela
tirava forças de qualquer ponto que não conhecíamos, era uma energia anormal,
maior que qualquer atleta. Para encarar a paixão de Sonja Sonrisal tinha que
ser muito macho. E inteligente. Fosse qualquer sujeitinho metido a besta e não
ganhava nada.
Toda a energia que carregava era distribuída entre o estudo e as
paixões, mas ainda sobrava nela eletricidade – tirada não sei de onde – para
uma fugida rápida ao Rio de Janeiro, atendendo a pedidos dos amigos, para
desenhar modelos e fazer desfiles de roupas
esportivas. Como ainda achava tempo e talento, tanto para frequentar o ateliê e
desenhar, fazer gravura, pintar alguns quadros?
Entre mim e ela não fiquem pensando besteira. Naquela altura do
campeonato eu já tava passando dos quarenta e ela com seus vinte anos mais
parecia minha filha. A intimidade que tínhamos era de contar as coisas um para
o outro, mais eu de ouvir do que contar e dar uma bronquinha, uma porradinha à
guisa de conselhos. Ela gostava também de ficar quietinha, a cabeça deitada no
meu ombro, com ar romântico dizendo:
“Vamos namorar um pouco”. Acontecia de ficar acariciando o rosto dela,
fazendo um carinho e ela geralmente dormia no meu ombro. Senti-me mais de uma
vez o paizão. Um paizão. Era minha gata, ficava nua na minha frente, tomava
banho, pedia para esfregar as costas, trocava de roupa, ouvia meu palpite e
gostava de estar namorando, em paixão, de contar para mim, falar do namorado,
reclamar de cólicas menstruais.
Quer saber se tínhamos outras afinidades? Ora, a gente gostava de beber
bastante, sem limite, até ficar de porre. E de fumar um charuto, bagulho,
cigarro. Odiávamos os pais, a sociedade, jornal, TV, trabalho formal e licor.
Tudo que a gente comia e bebia era mais puxado para o azedo, preferíamos as
coisas amargas. Bitter, carqueja, absinto. Inventamos drinques esquisitos, de
sabor inimaginável, cuja fórmula jamais guardamos.
“De doce basta a vida!”,
gritávamos contra o vento nosso lema de guerra.
Ah, e também nos divertíamos muito e íamos curar a tensão e o estresse
na praia, de repente sós, nus ou vestidos, com algumas garrafas de vinho
branco, litros de catuaba enterrados na areia. A praia era nosso palco, o
horizonte nosso cenário. Sonja Sonrisal entrava na água e
gritavas rezas fantásticas para Iemanjá, para Netuno, o cacete.
“Reza aí uma pra mim!” – eu gritava sabendo que era bem capaz dela não
escutar nada devido ao barulho das ondas e às vezes da chuva. Ah isso também:
gostávamos de tomar banho na praia quando chovia, correndo na areia,
mergulhando nas ondas.
Muitas vezes, quando eu
estava puto, pedia:
“Sonja, lê alguns poemas aí de Brecht ou de Mário de Andrade” – ela
prontamente:
“Nunca conheci quem tivesse
levado porrada (...)”
Eu ria e interrompia logo o
teatro: “Ei isso é Fernando Pessoa!”
Ela continuava:
“Quem me dera ouvir de
alguém a voz humana
Que confessasse, não um
pecado, mas uma infâmia;
“Cobardia!” – ela ria das interrupções como se tivesse a me provocar.
Ficávamos bons tempos nessa brincadeira de testar a memória. Só que ela era
jovem e eu dependia de uma cabeça gasta...
Eu: “Eu, que tenho dado
vexames financeiros, pedido emprestado sem pagar”.
Ela: “... tenho feito
vergonhas...”
“Eu posso corrigir Pessoa. Também dou meus calotes, como quem diz: Devo
e não nego, pago quando puder...”
Sabia vários textos de memória, outros lia, fazia drama, teatralizava,
chorava, música ao fundo, sonatas de Beethoven, jazz, blues, Chopin (“Chopin
não, Debussy!” ela gritava quando eu começava a mexer nos discos) ou mesmo Pixinguinha,
Skank, Bob Marley.
A reciprocidade era verdadeira, só que eu mesmo fazia os meus poemas,
gostava de ler para ela, mas eram composições de momento, nunca anotamos nada,
nunca escrevemos no papel uma só palavra das inúmeras letras que escrevemos
juntos. Para quê? A eternidade é hoje.
E bebíamos no mesmo gargalo. Uma vez derrubamos dois litros de Four
Roses, um Bourbon forte, lascado de quente, tomado ao tiro, no vira-vira,
na porrada, sem gelo nem nada, cow-boy, one shot. Só que esse uisquinho
deixamos de tomar porque no dia seguinte nada de ressaca – já viram que coisa
mais chata, você beber, beber, beber e no dia seguinte não dá ressaca?
Odiávamos Engov, verão sem gripe e febre sem resfriado. Mas quando não tinha
outro, vai tu mesmo.
“De doce basta a vida!”,
repetíamos mesmo triste nosso grito de guerra.
Ah, Sonja, hoje estou aqui relembrando de você, pensando passar adiante
essa coisa que foi você, mas quê jeito? Quem te visse assim, mirradinha, quase
pele e osso, branquela, de cabelo ruço, mas com aquela cabeça ágil, o
vocabulário vagando com classe entre o chulo e a academia, porra, não tem como
fazer esse mistério passar para o outro lado da rua. Enfim, quem seria mais que
eu a tua memória? Hoje em dia posso percorrer todos os bares que frequentávamos
juntos, em busca de amigos, mas qual, eles também já embarcaram, estão por aí,
de terno e gravata metido em algum gabinete, servindo governos, prefeitos,
ganhando dinheiro porque a idade já vai.
Sabe de alguém que pergunta por você? Ninguém! Os sacanas nem pensam que
você está ali comigo bebendo aquele traçado horrível que inventamos de Gim, Cynar
e Bitter Russo. Se bem que eu preferia botar Underberg, pimenta do reino e sal,
além e umas pedrinhas de gelo pra espantar o calor que esse drinque miserável
provoca. Caralho! Só de pensar me arrepia tudo! E pensar que bebíamos esse
torpedo a noite toda só pelo prazer de acordar no dia seguinte com a mais
memorável ressaca, a boca mais amarga do que a vida. Que loucura de remédio.
Devo confessar que não foram só os pecados que me fizeram gostar de
Sonja Sonrisal. Aliás, é bem verdade que a parte pecaminosa dela era a mais
sensual e excitante, mas gostava dela porque era uma eterna apaixonada. Largou
tudo: a casa, o conforto, as coisas, carros, bebidas finas e gabinetes, para
espantar por aí, estudando não sociologia, mas literatura e pedagogia, disse
que para abrir uma escola quando ficasse velhinha. Ela não sabe que gente assim
como ela nunca fica velhinha? É que nem bandido: morre cedo. Já viu bandido
ficar velhinho? Nunca! Só em filme de mafioso...
E ademais detestava as festas de fim de ano, natal, essas coisas e mesmo
o carnaval ela se isolava nalguma praia deserta, metia -se até com os mais
caretas que acampavam, só para fugir da arruaça que ficam as ruas, que, tirante
os bêbados, o carnaval fica chato. Ainda mais aqueles convites para desfilar em
palanques, carros ou blocos, bandas, ixe!, Aí mesmo era coisa. Nada, nada,
Sonja quando elogiava a multidão não era no carnaval. Era aquela multidão pequena,
mas revoltada, ou tempo de greve, ou sem terra, alguém, enfim, que protestasse
contra.
Quando estava doidona pegava o carro do pai sem avisar e vamos, eu tinha
o cuidado depois de telefonar avisando. Vamos para algum lugar além da terra,
além do mar, além da ponte, subindo, subindo, avançando, avançando, correndo,
correndo, sempre também com a minha mediação. Que mistério tem a velocidade que
deixa a gente entre o inferno e o purgatório, beirando os mangues, os
sobressaltos, as estradas asfaltadas? Égua!
“De doce basta a vida!”,
assustávamos até o vento com nosso slogan de alegria.
O quanto pude tentei mediar entre ela e a loucura, mas sempre não podia
estar a seu lado. Que, aliás, nem era loucura, ela era assim mesmo, estava em
seu natural, com suas almas e gnomos, as criaturas ao lado. Sonja, inclusive,
gostava de parar nas estradas, vem cá, vem cá, vou te apresentar o gnomo da
tiririca. E ficava ali, conversando hora e hora com o pé de espinho. Ficava
triste mais quando eu batia na planta:
“Tiririca, tua
mãe morreu...” e as folhinhas iam ficando murchas, se recolhendo, Sonja
chorava, chorava feito besta. Encostava-se ao meu ombro, não dizia, você é mau,
não, ela compreendia que eu tinha o direito de dar aquela notícia triste, que a
plantinha tinha de murchar e até morrer, mas matar mesmo a gente não matava.
Uma vez encontrei Sonja mal. Estava arriada ao pé da cama, como quem nem
tivesse chance de se deitar. Pálida, os braços soltos, como uma bonequinha
largada. Não fiquei com medo, mas pensei que tinha morrido. Aliás, estava
morta, para o mundo, para todos, sozinha, morta. Respirava calmamente, o
semblante macilento, mas sereno. Peguei-a com muito cuidado, arrumei o corpinho
desleixado na cama, cobri com o lençol. Molhei uma toalha com água e passei no
rosto dela e ela, mesmo apagada, soltou um sorriso, um suspiro. Eu também
estava cansado e com sono, deitei ali mesmo ao lado num sofá.
Só acordei no dia seguinte, já com os ruídos que ela fazia na cozinha,
mexendo em xícaras, pratos, o cheiro de café entrando pelo cérebro adentro.
Estava alegre, risonha, bem disposta, ao contrário da Sonja
que vi de noite. Cheguei abraçando-a com carinho:
“Você me mata de susto”,
fui dizendo já em tom de bronca.
“O que foi?”
“Ontem à noite” – e para mostrar apertei-lhe o braço. Ela tinha coberto
os braços com a manga da blusa para esconder as marcas da agulha.
“Ah – disse – tá tudo
normal, não foi nada”.
”O meu medo é que um dia você erre na dose. Acontece muito, por isso tem
esses acidentes”.Falei assim como quem não quer nada, porque a crítica é pior,
os gritos, isso não. Porque me lembrava de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Marilyn
Monroe, Curt Cobain, além de uma porrada de gente anônima que algum dia achou
que a dose era pouca – e aí, babau, você não pode acordar para tomar antídoto.
“Nunca ache que é pouco,
nunca! Mas, que porra foi desta vez? Foi o Mário?
Alguém te aporrinhou?” –
Mário era o seu novo amor.
“O Mário? Coitadinho. Tão bonzinho. Foi mamãe. Me telefonou, brigas,
brigas em família, broncas, crises. Ela tem tudo o que precisa porra, como pode
viver estressada?”
“Mas de tão longe?” Eu falava, mas tremia um pouco: a sacana me deu medo
mesmo, um susto de provocar taquicardia, neurose.
“Pois é, você veja. Mas
deixa pra lá. Passou, foda, já passou”.
“De doce basta a vida!” E para encerrar me deu um beijo, como sempre
fazia quando as conversas eram desagradáveis. Era o remédio para todos os
males. Sentou nas minhas pernas, o braço direito atracado no meu pescoço,
suspirou. Agora sua face ficou mais rosada. Não fossem as olheiras e achava que
estava tudo normal. Essa bosta de cocaína é capaz de fazer algum bem, pensei
com meus colhões, sabendo que era mentira...
Tomamos um café bem quente. Fiz ovos mexidos e queria que ela comesse
algo, mas nada. Como sempre, comia pouco. Forcei mais no café. Ela encostou a
boca na minha orelha para dizer o segredo. Quando acabou de falar, lambeu o meu
lóbulo e riu safada.
“Não! Não”, disse num tom peremptório, tão sério que ela ficou amuada.
Por enquanto o pensamento de ontem estava bem fresco, me magoando, para pensar
em qualquer sacanagem. Foi a minha vez de dar um beijo gostoso, com gosto de
café, para encerrar o assunto. Vê como ela era! São essas coisas que fazem as
pessoas se eternizarem dentro da gente.
Mas quem vai lembrar uma pessoa assim? Quem? Quem? Só eu mesmo, que
tenho mania de grudar as almas em minha roupa, até quando vou dormir. Às vezes
dou gritos loucos, sou acordado pelos outros, dizem que é pesadelo, mas não,
são eles, que não dormem nunca mais, querendo que eu fique acordado 100% a
vida. Sonja tinha alegria e pressa de viver. Por isso tinha a existência
agitada, sofrida, intensa. Era dessas pessoas que não se importa com o que vai
encontrar na próxima esquina.
“De doce basta a vida!” –
para ela era mel a vida, mas não tinha medo da guerra.
Não dá, não dá. Por que não são todos como Sonja Sonrisal? Essa sei, sei
que não perturba, ela fica ali, encostada no meu ombro, parecendo criancinha,
bebezinho, querendo pai, querendo mãe, mas odiando querer, mesmo sendo eu pai e
mãe. Às vezes chora, às vezes sorri, às vezes lê umas poesias lindas para mim,
canta, grita “Strip-tease! Strip-tease! Strip-tease!”, se rindo da minha
admiração e do meu sorriso também, porque eu acompanhava o coro. Mas os
outros...
Se vocês pensam que tenho todos os orgulhos de que Sonja e eu fôssemos
iguais, não é verdade. Tem coisa que me deixou mais triste dela parecer comigo:
Gostávamos de inventar que íamos nos suicidar. Quantas vezes nos perdemos de
cuidados para suicidar. Era a paixão e o suicídio. Nossos desejos
e suicídio. As frustrações e o suicídio. A alegria e o suicídio.
Também eu me apaixonava e suicidava, antes contava para Sonja:
“É aquela a musa dos meus
pesadelos, o inferno atual da minha existência!
Quero morrer”.
Ela ria e se apresentava para a mulher como minha filha ou sobrinha, às
vezes aluna, só para me ver perto da razão do meu viver apaixonado, de quem me
deixava tresloucado, da musa do meu viver desesperado, de quem provocaria o meu
próximo suicídio. Ela até ajudava a me suicidar . Escolhíamos o
lugar e, contritos, nos sentávamos, concentrados, dispostos a nos
libertar da alma. Era bonito nos ver ali, nós dois, nos suicidando, num
pôr-do-sol, diante da alegria, do som e da luz de tudo à nossa volta. Sempre
escolhi morrer no mar, na praia, perto do mar.
Longe dela já ficava tudo triste mais. Que diabo tem a vida de nos levar
para lá, para cá, que nem bosta n’água? Porra! Um dia não estava eu para
acompanhá-la no suicídio dela, por causa de uma paixão daquelas. Era um cara
até bonito, mas não tinha tino nem estofo para Sonja Sonrisal. Eu não dizia
isso, que escolha era dela. Nunca disse, ele não presta para você, não, nunca
disse. Nem ela me disse isso, ao contrário, sempre dizia, vai fundo, vai que
ela está te gostando. Eu também dava esses estímulos, tocava fogo na relação,
animava quando estava desanimado – Sonja, desanimada? – não, era o outro. Longe
dela – eu dizia – eu estava e não pude fazer nada. Ah, Sonja, que sacanagem
grande fez!
Deu no jornal a notícia, mas ainda bem que eu não estava lá para ver a
tristeza. Todo mundo viu, menos eu.
É claro que a turma venceu: fizeram a última vaquinha para enterrar
Sonja num ataúde decente. Quatro círios foram acesos e o padre apareceu para
dar a última bênção – ela certamente morreria de raiva e
tédio. E foi assim que soube: um dia ela errou na dose do suicídio. Não foi
nada de falar com Iemanjá, nada, foi falar sim, pessoalmente no fundo do mar,
porque quis. Será que sentiu minha falta? Eu nem chorei porque Sonja Sonrisal
não era de aturar choro. Errou na dose, suicidou-se sem mim e depois não deu
jeito, nem o Sonrisal, nem ambulância, porra nenhuma, nada. Não, eu não chorei
nem fiquei com pena dela não, mesmo afinal ela inda sai a beber comigo por aí,
como igualmente, à moda antiga.
– De doce basta a vida! –
Sussurrei nosso grito de guerra, nosso passaporte para o outro lado...
CORPO NA PRAIA
A praia de Olho d’Água amanheceu de
luto, pela morte da popular Sonja Sonrisal, rainha da noite. Sonja era
vagabunda, alcoólatra, endereço desconhecido e muitas vezes era confundida com
mendigos.
O corpo de Sonja Sonrisal amanheceu
na praia inchado, em adiantado estado de decomposição. Ela foi vista pela
última vez mergulhando nas ondas, com um ramo de flores para homenagear a
madrinha Iemanjá.
Sonja Sonrisal, tinha a voz que
lembrava a cantora Maysa e era conhecida pelas canções de amor e poemas
obscenos de sua autoria, que declamava em troca de bebida, cigarro e comida.
O lamento foi geral entre os boêmios,
vagabundos, putas e malandros. Na manhã seguinte as barracas da praia botaram
uma fita preta em sinal de luto. Os botequins abriram a meia porta. Uma grande
romaria acompanhou o corpo da desventurada ao cemitério.
Houve revolta geral quando souberam que Sonja Sonrisal ia ser enterrada no local destinado aos mendigos. Nosso jornal participou de uma vaquinha para pagar um enterro digno, com flores, velas e padre.
Houve revolta geral quando souberam que Sonja Sonrisal ia ser enterrada no local destinado aos mendigos. Nosso jornal participou de uma vaquinha para pagar um enterro digno, com flores, velas e padre.
Repouse
em paz.
Do livro:
Sonja Sonrisal
Nenhum comentário:
Postar um comentário