POMBA E A
ESTRUMEIRA
Eu quero um noivo rico... Que não seja
formoso!... Formosa já sou eu... Quero um noivo de ouro, de ouro como o
bezerro. Adoro tudo que é de ouro: as jóias, as moedas e o bezerro mosaico.
Quando durmo, sobre o meu corpo os sonhos entornam douradas cascatas... As
auroras são belas para mim, porque têm diademas de ouro. Ama-se geralmente a
montanha pela verdura basta e frondosa, que a reveste; eu amo a montanha,
porque sinto lá dentro da crosta granítica, o espesso filão dourado. Há quem
adore o ciciar do córrego, cachoeirando-se pelas pedrinhas afora; eu acho
apenas adorável o ribeiro, quando rola palhetas de ouro nas areias do leito...
Com o ouro faz-se o domínio e funde-se o trono. Os imperadores romanos faziam
esculpir em ouro as próprias figuras...
Os raios do sol são de ouro.
Enfim, eu serei conquistada pelo ouro... A
formosura tem a glória de valer o grande metal e de poder trocar-se por ele.
A mulher que se deixa conquistar pelo ouro
passa a ser conquistadora; a fraqueza da formosura transfunde-se na onipotência
do metal... De que serviria a nós outras, mulheres, a beleza, se a beleza não
fosse ouro no mercado da vida e se o ouro não exigisse o formoso róseo da nossa
carne para mais fino realce?!... Os homens dominam pela matéria, que é o ouro,
nós dominamos pelo ideal, que é a sedução. A aliança dos dois domínios faz o
domínio supremo... Esta é a verdade. Por isso, eu quero um noivo rico. Um noivo
de ouro; de ouro maciço como o bezerro do velho testamento... Pertenço a quem
mais der!... O calão vulgar da canalha chama isso vender-se...
Eu vendo-me!
Eu estava horrorizado. E ela dizia a
brilhante catadupa de blasfêmias com aqueles mimosos lábios, que eu supusera
feitos para o murmúrio doce das santas confidências da virtude e do amor...
Como era horrível a lagarta amarela do
ouro, a sair por entre as rosas daquela boca!
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Diante de nós, lá embaixo, no jardim,
haviam acumulado a um canto uma grande porção de estrume.
Sobre o estrume, uma pomba branca, de
lindos pés sanguíneos e sanguíneo bico, revolvia com as unhas o monte infecto,
procurando alimento...
Fez-me estremecer o epigrama da
casualidade.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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