NIENTE
I
Ali num recanto esquecido, Elvira plantou,
um dia, um galhozinho de rosa. O arbusto brotou viçoso e, bafejado pelo calor,
enfeitou-se de folhas, engrinaldou-se de botões.
Elvira, cada manhã, cada tarde, visitava a
plantinha. A roseira recebia o primeiro raio do sol e o primeiro sorriso de
Elvira. À noitinha, a roseira tinha visto o derradeiro fulgor do sol, quando
Elvira se vinha despedir dela, amparando com os dedos delicados um ramo que se
inclinava demasiado, afugentando uma formiga de mau agouro.
Tanto afago e tanto sol era para fazer
esperar uma florescência esplêndida.
Elvira esperava.
II
A primeira rosa já tinha dono.
Seria dele... Por que não?... Quem colhera
o desabrochar do seu coração?... E Elvira estava convencida, vaidade de moça
talvez, que o seu coraçãozinho valia mais que uma rosa.
III
O dia não estava longe.
As auroras influenciavam naquelas
flores!... Os sepalozinhos dos botões como que estalavam, ao hálito da
madrugada, e se preparavam para descolar-se.
Havia um então... Parecia-se com um amuo de
criança prestes a dissolver-se em risos. Estava: abre... não abre...
Ah! quando abrisse!... Mas Elvira não sabia
que alguém vinha mais cedo do que ela espiar o botãozinho.
IV
O sol semeava pela campina mil palhetas de
ouro. As folhas de erva iriavam-se com as refrações multicores de infinitas
gotazinhas de orvalho, estremecendo ao contato do frescor agradável que
atravessava a manhã.
O botão, como a boquinha rubra do menino
que se expande numa gargalhada franca e aberta, desabrochou a meio.
Em poucos momentos, o botão devia estar...
rosa!
Uma linda mocinha, num alvo desalinho, veio
correndo e espiou. Era Elvira.
- Até logo, disse à flor.
V
Quando voltou, a rosa não estava lá!...
Uma borboleta azul esvoaçava, batendo
gentilmente no ar, com o pano das asas.
O bichinho cabriolava contente, dando
viravoltas a esmo. Elvira estava bem irada...
Correu para a borboleta...
Fora essa malvadinha! Tambóm que não fosse
pouco importava. O que Elvira queria era dar expansão ao seu desgosto. Mataria
a borboleta... Pôs-se a correr pelo campo, agitando no ar o lenço, perseguindo
o bichinho; a borboleta supunha que era graça e brincava, voando aqui e voando
ali: borboleteando loucamente... Por fim, voou para cima e fugiu. Elvira mordeu
o beiço com um gesto graciosamente estouvado e gritou imperiosamente:
- Borboleta!
A borboleta não voltou.
VI
Um mancebo que andava por perto correu à
jovem e perguntou:
- Que queres com a borboleta?
Elvira deu um grito de admiração e,
sorrindo, lançou-se aos ombros do moço.
- A rosa era tua! exclamou.
- Ah! pois eu te dou, respondeu o moço
mostrando uma flor que trazia oculta.
- Então foste tu...?
- Para dar-te, furtei.
- Mau! tiraste-me o gosto... Pois vou
dar-te outra
- Dá-me.
Elvira que enlaçava o pescoço do mancebo
encostou-lhe à face os lábios e depôs longamente um ósculo.
O sol brilhava esplêndido e riam-se os
prados.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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Fonte:
Raul Pompeia: Contos Completos. Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2014.
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