domingo, 22 de setembro de 2013

Delminda Silveira: "Uma Recordação"

UMA RECORDAÇÃO

O pequenito Leôncio morrera.

Dois anos apenas!...

Passados oito dias foram visitar a desventurada mãe.

Carmem vestia a cor das violetas, e, como a flor mimosa pendida à pálida fronte, chorava.

Palavras de consolação, de conforto, nada! Todo o remédio aplicado àquela ferida recente mais lhe avivava a grande dor, mais e mais fazia sangrar o materno coração.

Levantei-me, e, passeando pela sala, procurava uma idéia qualquer com que a distraísse.

Sobre uma das consolas de mármore havia uma grande quantidade de quinquilharias galantes; entre elas sobressaía um pequeno coração de veludo escalarte, artisticamente bordado a seda com uma coroazinha de amores e violetas, cercando em mimoso relevo de ouro a doce palavra Amor.

Tomei o delicado trabalho e chegando-me a triste amiga, disse:

— Que gracioso coração! Será a cópia do teu, tão formoso e sempre tão cheio de amor, Carmen?

E foste tu que lhe bordaste essa doce palavra?...

Carmen levantou para mim o terno olhar magoado e, uma explosão de lágrimas e soluços mais forte do que antes, rebentou-lhe da alma angustiada.

Atônita, buscando acalmá-la, depus-lhe no regaço o mimoso coração de veludo escarlate que ela, num arrebatamento inexplicável, tomou, cobrindo-o de fervorosos beijos.

— Sabes, me disse afim, por entre soluços e lágrimas, sabes com que fios de ouro bordei essa doce palavra que me enche o coração?...

Ele tinha os cabelos lindos... macios... longos... louros, muito louros caindo em graciosos anéis de ouro; um só anel, um só! daquele ouro precioso bastou-me para formar a doce palavra Amor!

Os fios dourados daqueles cabelos louros eram o esplendor do meu querido, e os lindos raios daquele esplendor formoso vestiam de carícias o meu pobre coração gelado pelo frio de uma eterna viuvez; então, as saudades podiam aqui abrir mais formosas, mais vividas como nos dias do meu passado feliz! Porém agora... E chorava, chorava pendida a pálida fronte, qual violeta mimosa a derramar na terra orvalhos que lhe vem do Céu!


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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)

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