domingo, 22 de setembro de 2013

Delminda Silveira: "Rosas de Amor"

ROSAS DE AMOR

Rodeando a casinha branca de portas verde-gaio, coberta de telhas morenas, novinhas, as rosas de amor floriam todo o ano o verde rosal estendido pelo ripado da tosca cerca.

Rosas de amor, lindas vermelhas e perfumosas que atraiam as borboletas em bando; rosas de amor gentis, sobre as quais a madrugada derrama pérolas do Céu, sempre, sempre viçosas, cobrindo o cercado da casinha branca.

Mas, quem habitava aquele ninho encantador no meio de rosas?...

Duas pombinhas mansas, alvas como lírios brancos, vinham todas as tardes, ao toque da Ave Maria, a descansar um instante naquele rosal florido; depois, voavam juntinhas e lá se iam pousar entre os braços de uma cruz alma alva, que além se erguia, no campo, sobre um montículo relvado de violetas, e ali dormiam ao brilho das estrelas ou ao palor da lua, até á madrugada, e quando os primeiros albores bruxuleavam no Céu, hei-las que voavam alto, muito alto, até perderem-se entre os palores do alvorecer.

Eram as almas deles, diziam pela aldeia.

E as mulheres do campo, e as crianças timoratas não iam mais à tardinha proverem-se da água no cristalino veio que corria por entre moitas de lírios e açucenas, porque tinham receio de passar pela cruz branca que se erguia no montículo verde coberto de rosas violetas.

Mas, quem eram eles cujas almas tão castas, tão docemente irmãs vinham do Céu sob aquela aparência de meiguice e ternura, ali, beijarem-se entre as rosas de amor?...

Eram primos, eram noivos; um casal que se adorava, — contara, um dia certa velha camponesa daqueles arredores .

Eles habitavam a casinha branca, esposada de oito dias apenas.

Uma tarde brincavam colhendo rosas... rosas de amor púrpuras e cheirosas que cobriam o cercado tosco, quando, invejoso áspide que lhes espreitava a veutura, imprimiu, na mãozinha, delicada um traiçoeiro beijo... de morte!

Ai! que não foram os espinhos das rosas de amor que lhe arrancaram do coração amante aquele ai tão magoado!

E na mão pequenina pálida como uma pétala de magnólia, uma gotazinha vermelha se levanta...

E a jovem noiva desmaiou, tombando entre as rosas que se lhe entornaram
do regaço...

Depois, no delírio de febre, pedia ao seu amado que a seguisse ao Paraíso.

Ele assim prometeu a alma adorada.

Dias após ela partiu para o Céu.

Ele prometera: e, um dia, a hora da Ave Maria, finou-se de saudades junto ao rosal sempre florido das rosas de amor!

E suas almas alvas pombas meigas, tão irmãs, vêm sempre, a hora da saudade, arrulhar ternuras no antigo ninho do seu casto amor.

E trementes, medrosas se aconchegam entre os braços protetores da cruz; depois, voltam ao Céu, porque só entre as flores do Paraíso, depois que a pobre Eva tornou para sempre infeliz, nunca mais rastejou a serpente maldita, invejosa sempre das venturas da mulher!

---
Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário