domingo, 22 de setembro de 2013

Delminda Silveira: "O Destino"

O DESTINO

Eles se amavam muito!...

Eram felizes, mas... de uma felicidade ideal!

Suas almas gozavam as delícias de um afeto imenso, mas o mel da taça em que bebiam a ventura, tinha, por vezes, a acrimônia do fel.

Sem ele, ela vivia como a flor sem o sol; e ele sentia, longe dela, o gelo da indiferença arrefecer-lhe o coração; mas, — escravo do dever -, arrastava, além, naquela atmosfera glacial, uma existência penosa e amargurada, como o infeliz a quem privaram da liberdade. E, no entanto, eles se amavam muito!...

Mas quem os separava?

— O Destino!-

Separava-os o destino; ele partiu. Sua alma de poeta era sensível e meiga; inspirava o amor. Trovador apaixonado, cantou na terna lira de suas ilusões, o canto da despedida.

O seu canto era assim:

Adeus, ó meiga virgem! não despertes,
ao som da minha voz;
deixa que passem nos teus sonhos lindos
as notas do meu canto...
Adeus! por longes terras vou correr,
— na pátria foragido!
Sem um beijo de amor deixas que parta
teu pobre cavalheiro!...
Nas ondas meu batel embalançando
em ti eu cismarei,
quando o luar tremer sobre a ardentia
dos mares na solidão!
Nos ermos, nas Campinas, vagueando,
sem ter uma esperança,
à noite pousarei em alguma choça
bem longe do meu lar!
Na branca madrugada, entanto, a rota
irei seguindo, além,
por mares ou nos pobres povoados
sem nunca ter prazer.
E quando este destino me quebrar
as forças que me restam,
não quero teus olhos se entristeçam
no dia em que eu morrer!
Amor que em teus sorrisos tu me deste
comigo eu levarei;
amor que por ti sinto não desprezes
tu que juraste amar!
Tu amas... sim; tu amas! virgem meiga,
adeus... não te despertes;
eu parto... que em teus sonhos o meu canto
murmure um triste adeus!
E ele partiu.

Almas irmãs, ela tinha a sensibilidade e a ternura do poeta; inspirada de amor e de saudades, a virgem solitária, errante pela encosta do mar que o levara, alta noite, ao luar, cantava assim:

A voz do trovador quebrou meu sonho:
— adeus! adeus, dizia:
e o canto era tão meigo, tão tristonho,
tão cheio de harmonia...

A que longínquas terras, peregrinas
Vai-te, célere assim?...
— na pátria foragido... oh! que destino!...
e te partes sem mim!...
Meu pobre cavalheiro! Não esqueças
meu terno e doce amor,
nas terras, na choupana em que adormeças,
— cansado viajou.
Nas águas bonançosas, sem receio,
soltando a barca leve,
irás pensando em mim... penso eu anseio
por tua volta breve!
A noite, sobre as ondas tremulosas,
douradas pela lua;
irei ouvir dos mares as saudosas
canções dessa alma tua.
Se um dia tão cruel destino, entretanto,
teu corpo languescer;
— eu quero, dos teus olhos no quebranto,
a morte, alfim, sorver!
E amor que no teu peito gravaste
contigo levarás;
e amor que na minha alma tu deixaste
no Céu o encontrarás.
Adeus, ó cavalheiro! o sonho lindo,
desfez-se triste, assim!
— Tu partes... o teu fado vais seguindo...
Ai! tu partes sem mim!


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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)

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