domingo, 22 de setembro de 2013

Delminda Silveira: "Na Selva"

NA SELVA

Na selva à sombra da murta em flor, eles viviam felizes de amor e de inocência.

Eram noivos ... ali se encontraram uns dias, ali se adoraram mutuamente.

Ela morena linda de olhos vivos, redondos, escuros, mimosa percorria os vales, pisando, tão de leve que nem as melindrosas violetas magoavam.

Ele, moreno também terno e amoroso, beijava-a à sombra da murta em flor, murmurando idílios de ternura...

Eram noivos, esses juritis que ali viviam de inocência e amor.

Chegara, entretanto, a Primavera; era o tempo de se proverem de musgo, paina e palhinhas macias para a confecção do bercinho de novos amores...

E eles lá se iam pela mata que florescia, nas manhãs risonhas ou nas tardes serenas juntinhos, arrolhando carícias, em busca do necessário para o mimoso ninho que no verde capinzal escondiam.

E lá se iam eles, descuidados, por uma manhã risonha, caminho da floresta. O companheiro afastou-se um momento em procura do sazonado fruto para a doce refeição; a meiga graciosa ficou-se a beira do regato apanhando um grão maduro que o vento espalhara do arrozal.

Lá no meio da floresta a figueira brava vergava carregada do miúdo fruto roxo e doce, os passarinhos trinavam, satisfeitos com a saborosa abundância. Ai! Pobre juriti que deixaste, por um momento, a meiga companheira a margem do regato afastado...

Por ventura não te era mais doce o suco do fruto silvestre o amor da tua muita amada?

Ali entre as silvas, um tronco verde pareceu mover-se... Suspende assustado o passo a inocente avezinha...

E, do tronco que se movera, um galho, - um braço ajeitou despeitado a arma fatal que devia destruir todo um sonho de amor e felicidade!...

O caçador oculta no silvedo fez partir o chumbo mortífero... e a verde relva dobrou rorejada do sangue inocente!...

Ai! Pobre juriti que ficaste, por um momento, a beira do regato afastado... Embalde os teus gemidos de amor apiedaram depois a mata nas horas melancólicas da saudade, que a solidão da floresta não mais repercutiu, de um coração amante, os ecos de infinita ternura!...

Ai! Que a brisa primaveril embalando  o berço dos beija-flores, suspenso do galho florido da roseira nunca mais, nem uma vez, ouviu arrulhos de ternura, nas moitas do capinzal, pois que os novos amores malograram-se no seio de onde a Morte arrebatará o amor que lhes dera vida.


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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)

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