domingo, 22 de setembro de 2013

Delminda Silveira: "Caprichosa!"

CAPRICHOSA!

— Quero que o mar te leve numa onda azul de rosas dizia ela, abrindo o regaço azul cheio daquelas rosas de amor; voltarás amanhã ao alvorecer, e a brisa do mar trar-me-á o teu batel por sobre estas flores ainda frescas.

— Mas... não vês, Ilza, no horizonte, aquele negror que se estende como um véu de crepe? É a bandeira da tempestade que se arvora no campo sidéreo... é o vulcão que ameaça revoltar os mares... e deixas-me partir, sozinho, pela noite que vem?!...

— Tu, Aldino, pescador de corais, temes? Tu, nadador sem rival receias?... Não! Se a tempestade bramir, olha o farol daquele promontório; singra depressa para ali. Antes que o sol venha amanhã dourar aqueles outeiros verdes, tu adornarás meus cabelos negros com o ramo de corais prometido como presente de noivado...

— Um beijo, um abraço, e... adeus!

Lá no marulho da onda mansa envolveu-se o sussurro de um beijo, e no suave anhelito da viração marinha perdeu-se o arquejo de um suspiro de amor. E a onda de rosas levou o pequeno batel de Aldino.

Alta noite, Ilza gemia sob a pressão de um pesadelo horrível...

Era como se rijos braços a cerrassem mais e mais...

Aldino! Aldino! murmurou, aflita, num suspiro longo que a despertou.

Ergue-se, entreabre o postigo; espreita o mar...

O céu negro e pesado; a lua rompe a custo espessa nuvem sombria e para logo se envolve pálida naquele véu de luto, como jovem recém-viúva surpreendida demuda a face linda...

De repente, o tufão violento espalhou-se nos ares; o mar em vagas alterosas sacode brava a espuma alvíssima sobre os fraguedos da costa. Salsos respingos trazidos pelas refregas vêm borrifar as faces de Ilza, que se debruçava na escuridão, e aquelas gotas salinas que lhe caem no seio têm o sabor das lágrimas de uma dor crudelíssima...

Quando o alvor da manhã aclarava o Céu, na praia, pendida sobre a orla espumante do mar, Ilza desvairada estende os braços a onda que gemia, coberta de rosas, apresentando-lhes o corpo inanimado do seu desditoso Aldino!


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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)

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