BEM-ME-QUERES
Sentados a sombra de
frondosos salgueiros, à beira do rio, bordado de verdes moitas em flor, Jano e
Clarinda descansavam enquanto pelo outeiro verde suas cabras pascem.
— Aposto, diz Clarinda, — a
Cabrerinha gentil, que a mulher sabe amar, enquanto que o homem, só sabe
fingir!
— Então, crês tu que o meu
amor seja fingimento? pergunta-lhe, sentido, Jano, o pastor.
— Oh! Não... não! acode
vivamente Clarinda; só penso que o meu excede em muito o teu, disto, o
contrário, só o acreditaria se de Deus o pudesse saber.
Jano levantou-se dizendo: —
Pois bem; de Deus o saberás.
O verde prado cobria-se de
dourados mal-me-queres, como de estrelas o céu das noites sem luar. O
pastor colheu um feixe deles, e, espalhando-os no regaço de sua amada, disse: —
escolhe um; eu tomarei outro e vejamos o que Deus diz.
Clarinda tirou um viçoso
exclamando: Oh! Este tem o viço e beleza do meu afeto: quero-o! Jano tomou
outro dizendo: Prefiro este cujo centro tem uma auréola verde; é a coroa da
minha esperança! .
A Cabreirinha arrancou a
primeira pétala a mimosa flor, murmurando: malmequer ; Jano repetiu
imitando-a: mal-me-queres ...
E as duas petalazinhas de ouro
foram lançadas à corrente.
Clarinda arrancou segunda
pétala: bem-me-queres , disse; o pastor secundou-a: bem-me-queres :
de novo as pétalas mimosas foram lançadas à corrente.
Assim prosseguiram, e o rio
já carregava em suas mansas águas cristalinas mil petalazinhas de ouro; poucas
já se prendiam agora ao cálice da flor.
Jano e Clarinda fecharam os
olhos e prosseguiram a ventura.
Quando ambos tinham
pronunciado bem-me-queres , e receosos, tatearam, procurando outra
pétala, eis que suavíssimo canto se derramou no espaço... Abrem ao mesmo tempo
os olhos; nas mãos só lhes restava o calix da graciosa flor!
E o sabiá, no galho florido
da laranjeira, saudava aqueles ditosos amores que Deus, dos Céus, patrocinava!
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Nota:
Delminda Silveira: "Lises e Martírios" (1908)
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