DEMÔNIOS
O meu quarto de rapaz solteiro era bem no alto; um mirante
isolado, por cima do terceiro andar de uma grande e sombria casa de pensão da
rua do Riachuelo com uma larga varanda de duas portas, aberta contra o
nascente, e meia dúzia de janelas desafrontadas, que davam para os outros
pontos, dominando os telhados da vizinhança.
Um pobre quarto, mas uma vista esplêndida! Da varanda, em que eu
tinha as minhas queridas violetas, as minhas begônias e os meus tinhorões,
únicos companheiros animados daquele meu isolamento e
daquela minha triste
vida de escritor,
descortinava-se amplamente, nas encantadoras nuanças da perspectiva, uma
grande parte da cidade, que se estendia por ali a fora, com a sua pitoresca acumulação
de árvores e telhados, palmeiras e chaminés, torres de igreja e
perfis de montanhas
tortuosas, donde o
sol através da
atmosfera, tirava, nos seus sonhos dourados, os mais belos efeitos
de luz. Os morros, mais perto, mais longe, erguiam-se alegres e verdejantes,
ponteados de casinhas brancas, e lá se iam desdobrando, a fazer-se cada vez
mais azuis e vaporosos, até que se perdiam de todo, muito além, nos segredos do
horizonte, confundidos com as nuvens, numa só coloração de tintas ideais e
castas.
Meu prazer era trabalhar aí, de manhã bem cedo, depois do café,
olhando tudo aquilo pelas janelas abertas defronte da minha velha e singela
mesa de carvalho, bebendo pelos olhos a alma dessa natureza inocente e
namoradora, que me sorria, sem fatigar-me jamais o espírito, com a sua graça
ingênua e com sua virgindade sensual.
E ninguém me viesse falar em quadros e estatuetas; não! queria as
paredes nuas, totalmente nuas, e os móveis sem adornos, porque a arte me
parecia mesquinha e banal em confronto com aquela fascinadora realidade, tão
simples, tão despretensiosa, mas tão rica e tão completa.
O único desenho que eu conservava à vista, pendurado à cabeceira
da cama, era um retrato de Laura, minha noiva prometida, e esse feito por mim
mesmo, a pastel, representando-a com a roupa de andar em casa, o pescoço nu e o
cabelo preso ao alto da cabeça por um laço de fita cor-de-rosa.
I
Quase nunca trabalhava à noite; às vezes, porém, quando me sucedia
acordar fora de horas, sem vontade de
continuar a dormir,
ia para a
mesa e esperava
lendo ou escrevendo
que amanhecesse.
Uma ocasião acordei
assim, mas sem consciência de nada, como se viesse de um desses longos sonos de doente
a decidir; desses profundos e silenciosos, em que não há sonhos, e dos quais, ou se
desperta vitorioso para
entrar em ampla
convalescença, ou se sai
apenas um instante para
mergulhar logo nesse outro sono, ainda
mais profundo, donde nunca
mais se volta.
Olhei em torno de mim, admirado do longo espaço que me separava da
vida e, logo que me senti mais senhor das minhas faculdades, estranhei não
perceber o dia através das cortinas do quarto, c não ouvir, como de costume,
pipilarem as cambachirras defronte das janelas por cima dos telhados.
- É que naturalmente ainda não amanheceu. Também não deve tardar
muito... calculei, saltando da
cama e enfiando o
roupão de banho,
disposto a esperar
sua alteza o
sol, assentado à varanda a fumar um cigarro.
Entretanto, cousa singular!
parecia-me ter dormido em
demasia; ter dormido
muito mais da
minha conta habitual. Sentia-me estranhamente farto de sono; tinha
a impressão lassa de quem passou da sua hora de acordar e foi entrando, a
dormir pelo dia e pela tarde, como só nos acontece depois de uma grande
extenuação nervosa ou tendo anteriormente perdido muitas noites seguidas.
Ora, comigo não
havia razão para
semelhante cousa, porque,
justamente naqueles últimos tempos, desde
que estava noivo,
recolhia-me sempre cedo
e cedo me
deitava. Ainda na véspera, lembro-me bem, depois do jantar
saíra apenas a dar um pequeno passeio, fizera à família de Laura a minha visita
de todos os dias, e às dez horas já estava de volta, estendido na cama, com um
livro aberto sobre o peito, a bocejar. Não passariam de onze e meia quando peguei
no sono.
Sim! não havia dúvida que era bem singular não ter amanhecido!...
pensei, indo abrir uma das janelas da varanda.
Qual não foi, porém, a minha decepção quando, interrogando o
nascente, dei com ele ainda completamente
fechado e negro,
e, abaixando o
olhar, vi a
cidade afogada em
trevas e sucumbida no mais
profundo silêncio!
- Oh! Era singular, muito singular!
No céu as
estrelas pareciam amortecidas, de
um bruxulear difuso
e pálido; nas
ruas os 1ampiões mal
se acusavam por
longas reticências de
uma luz deslavada
e triste. Nenhum operário passava para o trabalho; não
se ouvia o cantarolar de um ébrio, o rodar de um carro, nem o ladrar de um cão.
Singular! muito singular!
Acendi a veia e corri ao meu relógio de algibeira. Marcava
meia-noite. Levei-o ao ouvido, com avidez de quem consulta o coração de um
moribundo; já não pulsava: tinha esgotado toda a corda. Fi-lo começar a
trabalhar de novo, mas as suas pulsações eram tão fracas, que só com extrema
dificuldade conseguia eu distingui-las.
- É singular! muito
singular! repetia, calculando que, se o
relógio esgotara toda a corda, era porque eu então havia dormido muito mais
ainda do que supunha! eu então atravessara um dia inteiro sem acordar e entrara
do mesmo modo pela noite seguinte.
Mas, afinal que horas seriam?...
Tornei à varanda,
para consultar de
novo aquela estranha
noite, em que
as estrelas desmaiavam antes de
chegar a aurora. E a noite nada me respondeu, fechada no seu egoísmo surdo e
tenebroso.
Que horas seriam?... Se eu ouvisse algum relógio da vizinhança!...
Ouvir?... Mas se em torno de mim tudo parecia entorpecido e morto?...
E veio-me a dúvida de que eu tivesse perdido a faculdade de ouvir
durante aquele maldito sono de tantas horas; fulminado por esta idéia,
precipitei-me sobre o tímpano da mesa e vibrei-o com toda a força.
O som fez-se, porém, abafado e lento, como se lutasse com grande
resistência para vencer o peso do ar.
E só então notei que a luz da vela, à semelhança do som do
tímpano, também não era intensa e clara como de ordinário e parecia oprimida
por uma atmosfera de catacumba.
Que significaria isto?... que estranho cataclismo abalaria o
mundo?... que teria acontecido de tão transcendente durante aquela minha
ausência da vida, para que eu, à volta, viesse encontrar o som e a luz, as duas
expressões mais impressionadoras do mundo físico, assim trôpegas e assim
vacilantes, nem que toda a natureza envelhecesse maravilhosamente enquanto eu
tinha os olhos fechados e o cérebro em repouso?!...
- Ilusão minha,
com certeza! que
louca és tu,
minha pobre fantasia!
Daqui a nada
estará amanhecendo, e todos estes teus caprichos, teus ou da noite, essa
outra doida, desaparecerão aos primeiros raios do sol. O melhor é trabalharmos!
Sinto-me até bem disposto para escrever! trabalhemos, que daqui a pouco tudo
reviverá como nos outros dias! de novo
os vales e as montanhas se farão esmeraldinas e alegres; e o céu transbordará
da sua refulgente concha de turquesa a opulência das cores e das luzes; e de
novo ondulará no espaço a música dos ventos; e
as aves acordarão
as rosas dos
campos com os
seus melodiosos duetos
de amor! Trabalhemos!
Trabalhemos!
Acendi mais duas
velas, porque só com a primeira quase que me era impossível enxergar; arranjei-me ao
lavatório; fiz
uma xícara de
café bem forte,
tomei-a, e fui
para a mesa
de trabalho.
II
Daí a um instante, vergado defronte do tinteiro, com o cigarro
fumegando entre os dedos, não pensava
absolutamente em mais
nada, senão no
que o bico
da minha pena
ia desfiando caprichoso do meu
cérebro para lançar, linha a linha, sobre o papel.
Estava de veia, com efeito! As primeiras folhas encheram-se logo.
Minha mão, a princípio lenta, começou,
pouco a pouco, a fazer-se nervosa, a não querer parar, e
afinal abriu a correr, a correr, cada
vez mais depressa; disparando por fim às cegas, como um cavalo que se esquenta e
se inflama na vertigem do galope. Depois, tal febre de concepção se apoderou de
mim, que perdi a consciência de tudo e deixei-me arrebatar por ela, arquejante
e sem fôlego, num vôo febril, num arranco violento, que me levava de rastros
pelo ideal aos tropeções com as minhas doidas fantasias de poeta.
E páginas e páginas se sucederam. E as idéias, que nem um bando de
demônios, vinham-me em borbotão, devorando-se umas às outras, num delírio de
chegar primeiro; e as frases e as imagens acudiam-me como relâmpagos,
fuzilando, já prontas e armadas da cabeça aos pés. E eu, sem
tempo de molhar a pena, nem
tempo de desviar os olhos do campo da peleja, ia arremessando para trás de mim, uma após
outra, as tiras escritas, suando, arfando, sucumbindo nas garras daquele feroz
inimigo que me aniquilava.
E lutei! e lutei! e lutei!
De repente acordo
desta vertigem, como
se voltasse de
um pesadelo estonteado,
com o sobressalto de quem, por
uma briga de momento, se esquece do grande perigo que o espera.
Dei um salto da cadeira; varri inquieto o olhar em derredor. Ao
lado da minha mesa havia um monte
de folhas de
papel cobertas de
tinta; as velas
bruxuleavam a extinguir-se e
o meu
cinzeiro estava pejado de pontas de cigarro.
Oh! muitas horas deviam ter decorrido durante essa minha ausência,
na qual o sono agora não fora cúmplice. Parecia-me impossível haver trabalhado
tanto, sem dar o menor acordo do que se passava em torno de mim.
Corri à janela.
Meu Deus! o
nascente continuava fechado
e negro; a
cidade deserta e
muda. As estrelas tinham empalidecido ainda mais, e
as luzes dos lampiões transpareciam apenas, através da espessura da noite, como
sinistros olhos que me piscavam da treva.
Meu Deus! meu Deus, que teria acontecido?!...
Acendi novas velas,
e notei que
as suas chamas
eram mais lívidas
que o fogo-fátuo
das sepulturas. Conchei a mão contra o ouvido e fiquei longo tempo a
esperar inutilmente que do profundo e gelado silêncio lá de fora me viesse um
sinal de vida.
Nada! Nada!
Fui à varanda; apalpei as minhas queridas plantas; estavam
fanadas, e as suas tristes folhas pendiam molemente para fora dos vasos, como
embambecidos membros de um cadáver ainda quente. Debrucei-me sobre as minhas estremecidas violetas
e procurei respirar-lhes a alma embalsamada.
Já não tinham perfume!
Atônito e ansioso volvi os olhos para o espaço. As estrelas, já
sem contornos, derramavam-se na tinta negra do céu, como indecisas nódoas
luminosas que fugiam lentamente.
Meu Deus! meu Deus, que iria acontecer ainda?
Voltei ao quarto e consultei o relógio. Marcava dez horas.
Oh! Pois já dez horas se tinham passado depois que eu abrira os
olhos?... Por que então não amanhecera em todo esse tempo!... Teria eu
enlouquecido?...
Já trêmulo, apanhei do chão
as folhas de papel, uma por uma; eram muitas, muitas! E por melhor esforço que fizesse, não
conseguia lembrar-me do que eu próprio nelas escrevera.
Apalpei as fontes; latejavam. Passei as mãos pelos olhos, depois
consultei o coração; batia forte.
E só então notei que estava com muita fome e estava com muita
sede.
Tomei a bilha d'água e esgotei-a de uma assentada. Assanhou-se-me
a fome.
Abri todas as janelas do quarto, em seguida a porta, e chamei pelo
criado. Mas a minha voz, apesar do esforço que fiz para gritar, saía frouxa e
abafada, quase indistinguível.
Ninguém me respondeu, nem mesmo o eco.
Meu Deus! Meu Deus!
E um violento calefrio percorreu-me o corpo. Principiei
a ter medo de tudo; principiei a
não querer saber o que se tinha passado em torno de mim durante aquele maldito
sono traiçoeiro; desejei não pensar, não sentir, não ter consciência de nada. O
meu cérebro, todavia, continuava a trabalhar com a precisão do meu relógio, que
ia desfiando os segundos inalteravelmente, enchendo minutos e formando horas.
E o céu era cada vez mais negro, e as estrelas cada vez mais
apagadas, como derradeiros e tristes lampejos de uma pobre natureza que morre!
Meu Deus! meu Deus! o que seria?
Enchi-me de coragem; tomei uma das velas e, com mil precauções
para impedir que ela se apagasse, desci o primeiro lance de escadas.
A casa tinha muitos cômodos e poucos desocupados. Eu conhecia
quase todos os hóspedes. No segundo andar morava um médico; resolvi bater de
preferência à porta dele.
Fui e bati; mas ninguém me respondeu.
Bati mais forte. Ainda nada.
Bati então desesperadamente, com as mãos e com os pés. A porta
tremia, abalava, mas nem o eco respondia.
Meti ombros contra ela e arrombei-a. O mesmo silêncio. Espichei o
pescoço, espiei lá para dentro. Nada consegui ver; a luz da minha vela
iluminava menos que a brasa de um cigarro.
Esperei um instante.
Ainda nada.
Entrei.
III
O médico estava estendido na sua cama, embrulhado no lençol. Tinha
contraída a boca e os olhos meio
abertos.
Chamei-o; segurei-lhe o braço com violência e recuei aterrado,
porque lhe senti o corpo rígido e frio. Aproximei, trêmulo, a minha vela contra
o seu rosto imóvel; ele não abriu os olhos; não fez o menor gesto. E na palidez
das faces notei-lhe as manchas esverdeadas de carne que vai entrar em
decomposição.
E o meu terror cresceu. E apoderou-se de mim o medo do
incompreensível; o medo do que se não
explica; o medo do que se não
acredita. E saí do quarto querendo
pedir socorro, sem conseguir ter
voz para gritar e apenas resbunando uns vagidos guturais de agonizante.
E corri aos outros quartos, e já sem bater fui arrombando as
portas que encontrei fechadas. A luz da minha vela, cada vez mais lívida,
parecia, como eu, tiritar de medo.
Oh! que terrível
momento! que terrível
momento! Era como
se em torno
de mim o
Nada insondável e tenebroso escancarasse, para devorar-me, a sua enorme
boca viscosa e sôfrega. Por todas aquelas camas, que eu percorria como um
louco, só tateava corpos enregelados e hirtos.
Não encontrava ninguém com vida; ninguém! Era a morte geral! a
morte completa! uma tragédia silenciosa e terrível, com um único espectador,
que era eu. Em cada quarto havia um cadáver pelo menos! Vi mães apertando
contra o seio sem vida os filhinhos mortos; vi casais abraçados, dormindo
aquele derradeiro sono, enleados ainda pelo último delírio de seus amores; vi
brancas figuras de mulher estateladas no chão descompostas na impudência da
morte; estudantes cor de cera debruçados sobre a mesa de estudo, os braços dobrados
sobre o compêndio aberto, defronte da lâmpada para sempre extinta. E tudo frio,
e tudo imóvel, como se aquelas vidas fossem de improviso apagadas pelo mesmo
sopro; ou como se a terra, sentindo de repente uma grande fome, enlouquecesse
para devorar de uma só vez todos os seus filhos.
Percorri os outros andares da casa: Sempre o mesmo abominável
espetáculo!
Não havia mais ninguém! não havia mais ninguém! Tinham todos
desertado em massa!
E por quê? E para onde tinham fugido aquelas almas, num só vôo,
arribadas como um bando de aves forasteiras?...
Estranha greve! Mas por que não me chamaram, a mim também, antes
de partir?... Por que me abandonaram sozinho entre aquele pavoroso despojo
nauseabundo?...
Que teria sido, meu Deus? que teria sido tudo aquilo?... Por que
toda aquela gente fugia em segredo,
silenciosamente, sem a
extrema despedida dos
moribundos sem os
gritos de agonia?... E eu, execrável
exceção! por que continuava
a existir, acotovelando os mortos
e fechado com eles dentro da mesma catacumba?...
Então, uma idéia fuzilou rápida no meu espírito, pondo-me no
coração um sobressalto horrível. Lembrei-me de Laura. Naquele momento estaria
ela, como os outros, também, inanimada e gélida; ou, triste retardatária! ficaria
a minha espera, impaciente por desferir o misterioso vôo?... Em todo o caso era
para lá, para junto dessa adorada e virginal criatura, que eu devia ir sem perda
de tempo; junto dela, viva ou morta, é que eu devia esperar a minha vez de
mergulhar também no tenebroso pélago!
Morta?! Mas por que morta?... se eu vivia era bem possível que ela
também vivesse ainda!...
E que me importava o resto, que me importavam os outros todos,
contanto que eu a tivesse viva e palpitante nos meus braços?!...
Meu Deus! e se nós ficássemos os dois sozinhos na terra, sem mais
ninguém, ninguém?... Se nos víssemos a sós, ela e eu, estreitados um contra o
outro, num eterno egoísmo paradisíaco, assistindo recomeçar a criação em torno
do nosso isolamento?... assistindo, ao som dos nossos beijos de amor, formar-se
de novo o mundo, brotar de novo a vida, acordando toda a natureza, estrela por
estrela, asa por asa, pétala por pétala?...
Sim! sim! Era preciso correr para junto dela!
IV
Mas a fome torturava-me cada vez mais fúria. Era impossível levar
mais tempo sem comer. Antes de socorrer o coração era preciso socorrer o
estômago.
A fome! O amor! Mas, como todos os outros morriam em volta de mim
e eu pensava em amor e eu tinha fome!... A fome, que é a voz mais poderosa do
instinto da conservação pessoal, como o amor é a voz do instinto da conservação
da espécie! A fome e o amor, que são a garantia da vida; os dois inalteráveis
pólos do eixo em que há milhões de séculos gira misteriosamente o mundo
orgânico!
E, no entanto, não podia deixar de comer antes de mais nada.
Quantas horas teriam decorrido depois da minha última refeição?... Não sabia;
não conseguia calcular sequer. O meu relógio, agora inútil, marcava
estupidamente doze horas. Doze horas de
quê?.... Doze horas!... Que significaria
esta palavra?...
Arremessei o relógio para longe de mim, despedaçando-o contra a
parede.
Ó meu Deus! se continuasse para sempre aquela incompreensível
noite, como poderia eu saber os dias que se passavam?... Como poderia marcar as
semanas e os meses?... O tempo é o sol; se o sol nunca mais voltasse, o tempo
deixaria de existir!
E eu me senti perdido num grande Nada indefinido, vago, sem fundo
e sem contornos.
Meu Deus! meu Deus! quando terminaria aquele suplício?
Desci ao andar térreo da casa, apressando-me agora para aproveitar
a mesquinha luz da vela que, pouco a pouco, me abandonava também.
Oh! só a
idéia de que
era aquela a derradeira luz que me
restava!... A idéia
da escuridão completa que seria
depois, fazia-me gelar o sangue. Trevas e mortos, que horror!
Penetrei na sala de jantar. À porta tropecei no cadáver de um cão;
passei adiante. O criado jazia estendido
junto à mesa,
espumando pela boca e
pelas ventas; não fiz caso.
Do fundo dos quartos vinha já um bafo enjoativo de
putrefação ainda recente.
Arrombei o armário, apoderei-me da comida que lá havia e devorei-a
como um animal, sem procurar talher. Depois bebi, sem copo, uma garrafa de
vinho. E, logo que senti o estômago reconfortado, e,
logo que o vinho
me alegrou o
corpo, foi-se-me enfraquecendo a
idéia de morrer com os outros e
foi-me nascendo a esperança de encontrar vivos lá fora, na rua. Mal era que a
luz da vela minguara tanto que agora brilhava menos que um pirilampo. Tentei
acender outras. Vão esforço! a luz ia deixar de existir.
E, antes que ela me fugisse para sempre, comecei a encher as
algibeiras com o que sobrou da minha fome.
Era tempo! era tempo! porque a miserável chama, depois de
espreguiçar-se um instante, foi-se contraindo, a tremer, a tremer, bruxuleando,
até sumir-se de todo, como o extremo lampejo do olhar de um moribundo.
E fez-se então a mais completa, a mais cerrada escuridão que é
possível conceber. Era a treva absoluta;
treva de morte;
treva de caos;
treva que só
compreende quem tiver
os olhos arrancados e as órbitas
entupidas de terra.
Foi terrível o meu abalo, fiquei espavorido, como se ela me
apanhasse de surpresa. Inchou-se-me por dentro o coração, sufocando-me a
garganta; gelou-se-me a medula e secou-se-me a língua. Senti-me como entalado
ainda vivo no fundo de um túmulo estreito; senti desabar sobre minha pobre
alma, com todo o seu peso de maldição, aquela imensa noite negra e devoradora.
Imóvel, arquejei por algum tempo nesta agonia. Depois estendi os
braços e, arrastando os pés, procurei tirar-me dali às apalpadelas.
Atravessei o longo
corredor, esbarrando em
tudo, como um
cego sem guia,
e conduzi-me lentamente até ao
portão de entrada.
Saí.
Lá fora, na rua, o meu primeiro impulso foi olhar para o espaço;
estava tão negro e tão mudo como a terra. A luz dos lampiões apagara-se de todo
e no céu já não havia o mais tênue vestígio de uma estrela.
Treva! Treva e só treva!
Mas eu conhecia muito bem o caminho da casa de minha noiva, e
havia de lá chegar, custasse o que custasse!
Dispus-me a partir, tateando o chão com os pés sem despregar das
paredes as minhas duas mãos abertas na altura do rosto.
Passo a passo, venci até à primeira esquina. Esbarrei com um
cadáver encostado às grades de um
jardim; apalpei-o, era
um polícia. Não
me detive; segui
adiante, dobrando para
a rua transversal.
Começava a sentir frio. Uma densa umidade saía da terra, tornando
aquela maldita noite ainda mais dolorosa. Mas não desanimei, prossegui
pacientemente, medindo o meu caminho, palmo a palmo, e procurando reconhecer
pelo tato o lugar em que me achava.
E seguia, seguia lentamente.
Já me não abalavam os cadáveres com que eu topava pelas calçadas.
Todo o meu sentido se me concentrava nas mãos; a minha única preocupação era me
não desorientar e perder na viagem.
E lá ia,
lá ia, arrastando-me de
porta em porta,
de casa em
casa, de rua
em rua, com
a silenciosa resignação dos cegos desamparados.
De vez em quando, era preciso deter-me um instante, para respirar
mais à vontade. Doíam-me os braços de
os ter continuamente erguidos.
Secava-se-me a boca.
Um enorme cansaço invadia-me o corpo inteiro. Há
quanto tempo durava já esta tortura? não
sei; apenas sentia claramente que pelas paredes, o bolor principiava a formar
altas camadas de uma vegetação aquosa, e que meus pés se encharcavam cada vez
mais no lodo que o solo ressumbrava.
Veio-me então o receio de que eu, daí a pouco, não pudesse
reconhecer o caminho e não lograsse por conseguinte chegar ao meu destino. Era
preciso, pois, não perder um segundo; não dar tempo ao bolor e à lama de
esconderem de todo o chão e as paredes.
E procurei, numa aflição, aligeirar o passo, a despeito da fadiga
que me acabrunhava. Mas, ah! era impossível conseguir mais do que arrastar-me
penosamente, como um verme ferido.
E o meu desespero crescia com a minha impotência e com o meu
sobressalto.
Miséria! Agora já me custava até distinguir o que meus dedos
tateavam, porque o frio os tornara dormentes e sem tato. Mas arrastava-me,
arquejante, sequioso, coberto de suor, sem fôlego; mas arrastava-me.
Arrastava-me.
Afinal uma alegria agitou-me o coração: minhas mãos acabavam de
reconhecer as grades do jardim de Laura. Reanimou-me a alma. Mais alguns passos
somente, e estaria à sua porta!
Fiz um extremo esforço e rastejei até lá.
Enfim!
E deixei-me cair prostrado, naquele mesmo patamar, que eu, dantes,
tantas vezes atravessara ligeiro e alegre, com o peito a estalar-me de
felicidade.
A casa estava aberta. Procurei o primeiro degrau da escada e aí
caí de rojo, sem forças ainda para galgá-la.
E resfoleguei, com
a cabeça pendida,
os braços abandonados
ao descanso, as
pernas entorpecidas pela umidade. E, todavia, ai de mim! as minhas
esperanças feneciam ao frio sopro de morte que vinha lá de dentro.
Nem um rumor! Nem o mais leve murmúrio! Nem o mais ligeiro sinal
de vida! Terrível desilusão aquele silêncio pressagiava!
As lágrimas começaram a correr-me pelo rosto também silenciosas.
Descansei longo tempo! depois ergui-me e pus-me a subir a escada,
lentamente, lentamente.
V
Ah! Quantas recordações aquela escada me trazia!... Era aí, nos
seus últimos degraus, junto às grades de madeira polida que eu, todos os dias,
ao despedir-me de Laura, trocava com esta o silencioso juramento do nosso
olhar. Foi aí que eu pela primeira vez lhe beijei a sua formosa e pequenina mão
de brasileira.
Estaquei, todo vergado lá para dentro, escutando.
Nada!
Entrei na sala de visitas, vagarosamente, abrindo caminho com os
braços abertos, como se nadasse na escuridão. Reconheci os primeiros objetos em
que tropecei; reconheci o velho piano em
que ela costumava
tocar as suas
peças favoritas; reconheci
as estantes, pejadas
de partituras, em que nossas mãos muitas vezes se encontraram,
procurando a mesma música; e depois, avançando alguns passos de sonâmbulo, dei
com a poltrona, a mesma poltrona em que ela,
reclinada, de olhos baixos
e chorosos ouviu corando o meu
protesto de amor, quando, também pela
primeira vez, me animei a confessar-lho.
Oh! como tudo
isso agora me
acabrunhava de saudade!...
Conhecemo-nos havia cousa
de cinco anos; Laura então era
ainda quase uma criança e eu ainda não era bem um homem. Vimo-nos um domingo,
pela manhã, ao sairmos da missa. Eu ia ao lado de minha mãe, que nesse tempo
ainda existia e...
Mas, para que
reviver semelhantes recordações?... Acaso
tinha eu o
direito de pensar
em amor?... Pensar em amor, quando em torno de mim o mundo inteiro se
transformava em lodo?...
Esbarrei contra uma mesinha redonda, tateei-a, achei sobre ela,
entre outras cousas, uma bilha d'água; bebi sequiosamente. Em seguida procurei
achar a porta, que comunicava com o interior da casa; mas vacilei. Tremiam-me
as pernas e arquejava-me o peito.
Oh! Já não podia haver o
menor vislumbre de esperança! Aquele
canto sagrado e tranqüilo, aquela habitação da
honestidade e do
pudor, também tinham
sido varridos pelo
implacável sopro!
Mas era preciso decidir-me a entrar. Quis chamar por alguém; não
consegui articular mais do que o murmúrio de um segredo indistinguível.
Fiz-me forte; avancei às apalpadelas. Encontrei uma porta; abri-a.
Penetrei numa saleta; não encontrei ninguém. Caminhei para diante; entrei na
primeira alcova, tateei o primeiro cadáver.
Pelas barbas reconheci logo o pai de Laura. Estava deitado no seu
leito; tinha a boca úmida e
viscosa.
Limpei as mãos à roupa e continuei a minha tenebrosa revista.
No quarto imediato a mãe de minha noiva jazia ajoelhada defronte
do seu oratório; ainda com as mãos postas, mas o rosto já pendido para a terra.
Corri-lhe os dedos pela cabeça; ela desabou para o lado, dura como uma estátua.
A queda não produziu ruído.
Continuei a andar.
O quarto que
se seguia era
o de Laura;
sabia-o perfeitamente. O
coração agitou-se-me sobressaltado;
mas fui caminhando sempre com os braços estendidos e a respiração convulsa.
Nunca houvera ousado
penetrar naquela casta
alcova de donzela,
e um respeito
profundo imobilizou-me junto à
porta, como se me pesasse profanar com a minha presença tão puro e religioso asilo
do pudor. Era,
porém, indispensável que
eu me convencesse
de que Laura também me havia abandonado como os
outros; que me convencesse de que ela consentira que a sua
alma, que era só
minha, partisse com as
outras almas desertoras;
que eu disso
me convencesse, para então cair ali mesmo a seus pés, fulminado,
amaldiçoando a Deus e à sua loucura!
E havia de ser assim! Havia de ser assim, porque antes, mil vezes
antes, morto com ela do que vivo sem a possuir!
Entrei no quarto. Apalpei as trevas. Não havia sequer o rumor da
asa de uma mosca. Adiantei-me.
Achei uma estreita
cama, castamente velada
por ligeiro cortinado
de cambraia. Afastei-o e, continuando a
tatear, encontrei um
corpo, mimoso e
franzino todo fechado
num roupão de flanela.
Reconheci aqueles formosos
cabelos cetinosos: reconheci
aquela carne delicada
e virgem; aquela pequenina mão, e também reconheci a aliança, que eu
mesmo lhe colocara num dos dedos.
Mas oh! Laura, a minha estremecida Laura, estava tão fria e tão
inanimada como os outros!
E um fluxo de soluços, abafados e sem eco, saiu-me do coração.
Ajoelhei-me junto à cama e, tal como fizera com as minhas
violetas, debrucei-me sobre aquele pudibundo rosto já sem vida, para
respirar-lhe o bálsamo da alma. Longo tempo meus lábios, que as lágrimas
ensopavam, àqueles frios lábios se colaram, no mais sentido, no mais terno e profundo
beijo que se deu sobre a terra.
- Laura! balbuciei
tremente. Ó minha Laura! Pois será
possível que tu, pobre e querida flor, casta companheira das minhas esperanças!
será possível que tu também me abandonasses... sem uma palavra ao menos...
indiferente e alheia como os outros?... Para onde tão longe e tão precipitadamente te
partiste, doce amiga,
que do nosso
mísero amor nem
a mais ligeira lembrança me deixaste?...
E cingindo-a nos meus braços, tomei-a contra o peito, a soluçar de
dor e de saudade.
- Não; não! disse-lhe sem voz. Não me separarei de ti, adorável
despojo! Não te deixarei aqui sozinha, minha Laura! Viva, eras tu que me
conduzias às mais altas regiões do ideal e do amor; viva, eras tu que davas
asas ao meu espírito, energia ao meu coração e garras ao meu talento! Eras tu,
luz de minha alma, que me fazias ambicionar futuro, glória, imortalidade!
Morta, hás de arrastar-me contigo ao
insondável pélago do
Nada! Sim! Desceremos
ao abismo, os
dois, abraçados,
eternamente unidos, e
lá ficaremos para sempre,
como duas raízes
mortas, entretecidas e petrificadas no fundo da terra!
E, em vão tentando falar assim, chamei-a de todo contra meu corpo,
entre soluços, osculando-lhe os cabelos.
Ó meu Deus!
Estaria sonhando?... Dir-se-ia
que a sua
cabeça levemente se
movera para melhor repousar
sobre meu ombro!... Não seria ilusão do meu próprio amor despedaçado?...
- Laura! tentei dizer, mas a voz não me passava da garganta.
E colei de novo os meus lábios contra os lábios dela.
- Laura! Laura!
Oh! Agora sentira
perfeitamente. Sim! sim! não me
enganava! Ela vivia! Ela vivia ainda,
meu Deus!
VI
E comecei a bater-lhe na palma das mãos, a soprar-lhe os olhos, a
agitar-lhe o corpo entre meus braços, procurando chamá-la à vida.
E não haver uma luz! E eu não poder articular palavra! E não
dispor de recurso algum para lhe poupar
ao menos o
sobressalto que a
esperava quando recuperasse
os sentidos! Que ansiedade! Que terrível tormento!
E, com ela recolhida ao colo, assim prostrada e muda, continuei a
murmurar-lhe ao ouvido as palavras mais doces que toda a minha ternura
conseguia descobrir nos segredos do meu pobre amor.
Ela começou a reanimar-se; seu corpo foi a pouco e pouco
recuperando o calor perdido.
Seus lábios entreabriram-se já, respirando de leve.
- Laura! Laura!
Afinal senti as suas pestanas roçarem-me na face. Ela abria os
olhos.
- Laura!
Não me respondeu de nenhum modo, nem tampouco se mostrou
sobressaltada com a minha presença. Parecia sonâmbula, indiferente à escuridão.
- Laura! minha Laura!
Aproximei os lábios de seus lábios ainda frios, e senti um
murmúrio suave e medroso exprimir o meu nome.
Oh! ninguém, ninguém
pode calcular a
comoção que se
apossou de mim!
Todo aquele tenebroso inferno
por um instante se alegrou e sorriu.
E, nesse transporte de todo o meu ser, não entrava, todavia, o
menor contingente dos sentidos. Nesse momento todo eu pertencia a um delicioso
estado místico, alheio completamente à vida animal. Era
como se me transportasse para
outro mundo, reduzido a uma essência ideal
e indissolúvel, feita de amor
e bem-aventurança.
Compreendi então esse vôo etéreo
de duas almas aladas na mesma fé,
deslizando juntas pelo espaço em busca do paraíso. Senti a terra mesquinha para
nós, tão grandes e tão alevantados no nosso sentimento. Compreendi a divinal e
suprema volúpia do noivado de dois espíritos que se unem para sempre.
- Minha Laura! Minha Laura!
Ela passou-me os braços em volta do pescoço e trêmula uniu sua
boca à minha, para dizer que tinha sede.
Lembrei-me da bilha d'água. Ergui-me e fui, às apalpadelas
buscá-la onde estava.
Depois de beber,
Laura perguntou-me se
a luz e
o som nunca
mais voltariam. Respondi vagamente, sem compreender como
podia ser que ela se não assustava naquelas trevas e não me repelia do seu
leito de donzela.
Era
bem estranho o
nosso modo de
conversar. Não falávamos, apenas
movíamos com os
lábios. Havia um
mistério de sugestão
no comércio das
nossas idéias; tanto que, para nos entendermos melhor, precisávamos às vezes
unir as cabeças, fronte com fronte.
E semelhante processo de dialogar em silêncio fatigava-nos, a
ambos, em extremo. Eu sentia distintamente, com a testa colada à testa de
Laura, o esforço que ela fazia para compreender bem o meu pensamento.
E interrogamos um
ao outro, ao
mesmo tempo, o
que seria então
de nós, perdidos
e abandonados no meio daquele tenebroso campo de mortos? Como poderíamos
sobreviver a todos os nossos semelhantes?...
Emudecemos por longo espaço, de mãos dadas e com as frontes
unidas.
Resolvemos morrer juntos.
Sim! Era tudo
que nos restava!
Mas, de que
modo realizar esse
intento?... Que morte descobriríamos capaz de arrebatar-nos
aos dois de uma só vez?...
Calamo-nos de novo,
ajustando melhor as
frontes cada qual
mais absorto pela
mesma preocupação.
Ela, por fim lembrou o mar. Sairíamos
juntos à procura dele, e
abraçados pereceríamos no fundo das
águas. Ajoelhou-se e rezou, pedindo a Deus por toda aquela humanidade que
partira antes de nós; depois ergueu-se, passou-me o braço na cintura, e
começamos juntos a tatear a escuridão, dispostos a cumprir o nosso derradeiro
voto.
VII
Lá fora a
umidade crescia, liqüefazendo a
crosta da terra.
O chão tinha
já uma sorvedora
acumulação de lodo, em que o pé se atolava. As ruas estreitavam-se entre
duas florestas de bolor que nasciam de cada lado das paredes.
Laura e eu, presos um ao outro pela cintura, arriscamos os
primeiros passos e pusemo-nos a andar com extrema dificuldade, procurando a
direção do mar, tristes e mudos, como os dois enxotados do Paraíso.
Pouco a pouco
foi-nos ganhando uma
profunda indiferença por
toda aquela lama,
em cujo ventre, nós, pobres
vermes penosamente nos movíamos. E deixamos que os nossos espíritos, desarmados
da faculdade de falar, se procurassem e se entendessem por conta própria, num misterioso
idílio em que as nossas almas se estreitavam e se confundiam.
Agora, já não nos era preciso unir as frontes ou os lábios para
trocar idéias e pensamentos. Nossos cérebros travavam entre si contínuo e
silencioso diálogo, que em parte nos adoçava as penas daquela
triste viagem para
a Morte; enquanto
os nossos corpos
esquecidos, iam maquinalmente
prosseguindo, passo a passo, por entre o limo pegajoso e úmido.
Lembrei-me das provisões que trazia na algibeira; ofereci-lhas;
Laura recusou-as, afirmando que não tinha fome.
Deparei então que eu também não sentia agora a menor vontade de
comer e, o que era mais singular, não sentia frio.
E continuamos a nossa peregrinação e o nosso diálogo. Ela, de vez
em quando, repousava a cabeça no meu ombro, e parávamos para descansar.
Mas o lodo crescia, e o bolor condensava-se de um lado e de outro
lado, mal nos deixando uma estreita vereda por onde, no entanto, prosseguíamos
sempre, arrastando-nos abraçados.
Já não tateávamos o caminho, nem era preciso, porque não havia que
recear o menor choque. Por entre a densa vegetação do mofo, nasciam agora da
direita e da esquerda, almofadando a nossa
passagem, enormes cogumelos
e fungões, penugentos
e veludados, contra
os quais escorregávamos como por
sobre arminhos podres.
Àquela absoluta ausência do sol e do calor, formavam-se e cresciam
esses monstros da treva, disformes seres úmidos e moles; tortulhos gigantescos
cujas polpas esponjosas, como imensos tubérculos de tísico, nossos braços não
podiam abarcar. Era horrível senti-los crescer assim fantasticamente, inchando
ao lado e defronte uns dos outros como se toda a atividade molecular e toda
a força agregativa
e atômica que
povoava a terra,
os céus e
as águas, viessem concentrar-se neles, para neles
resumir a vida inteira. Era horrível, para nós, que nada mais ouvíamos,
senti-los inspirar e respirar, como animais, sorvendo gulosamente o oxigênio
daquela infindável noite.
Ai! desgraçados de nós, minha querida Laura! De tudo que vivia à
luz do sol só eles persistiam; só eles e nós dois, tristes privilegiados
naquela fria e tenebrosa desorganização do mundo!
Meu Deus! Era como se nesse nojento viveiro, borbulhante do lodo e
da treva, viera refugiar-se a grande alma do Mal, depois de repelida por todos
os infernos.
Respiramos um momento sem trocar uma idéia; depois, resignados,
continuamos a caminhar para diante, presos à cintura um do outro, como dois
míseros criminosos condenados a viver eternamente.
VIII
Era-nos já de todo impossível reconhecer o lugar por onde
andávamos, nem calcular o tempo que
havia decorrido depois que
estávamos juntos. Às vezes se nos afigurava que muitos
e muitos anos nos separavam do último sol; outras vezes nos parecia a
ambos que aquelas trevas tinham-se fechado em torno de nós apenas alguns
momentos antes.
O que sentíamos bem claro era que os nossos pés cada vez mais se
entranhavam no lodo, e que toda aquela umidade grossa, da lama e do ar espesso, já nos não
repugnava como a princípio e
dava-nos agora, ao contrário, certa satisfação volutuosa embeber-nos nela, como
se por todos os nossos poros a sorvêssemos para nos alimentar.
Os sapatos foram-se-nos a
pouco e pouco
desfazendo, até nos
abandonarem descalços completamente;
e as nossas vestimentas reduziram-se a farrapos imundos. Laura estremeceu de
pudor com a idéia de que em breve estaria totalmente despida e descomposta;
soltou os cabelos para se
abrigar com eles
e pediu-me que
apressássemos a viagem,
a ver se alcançávamos o mar, antes que as roupas a
deixassem de todo. Depois calou-se por muito tempo.
Comecei a notar que os pensamentos dela iam progressivamente
rareando, tal qual sucedia aliás comigo mesmo.
Minha memória embotava-se. Afinal, já não era só a palavra falada
que nos fugia; era também a palavra concebida. As luzes da nossa inteligência
desmaiavam lentamente, como no céu as trêmulas
estrelas que pouco
a pouco se
apagaram para sempre.
Já não víamos;
já não falávamos; íamos também
deixar de pensar.
Meu Deus! era a treva que nos invadia! Era a treva, bem o
sentíamos! que começava, gota a gota, a cair dentro de nós.
Só uma idéia, uma só, nos restava por fim: descobrir o mar, para
pedir-lhe o termo daquela horrível agonia. Laura passou-me os braços em volta
do pescoço, suplicando-me com o seu derradeiro pensamento que eu não a deixasse
viver por muito tempo ainda.
E avançamos com maior coragem, na esperança de morrer.
IX
Mas, à proporção que O nosso espírito por tal estranho modo se
neutralizava, fortalecia-se-nos o
corpo maravilhosamente, a
refazer-se de seiva
no meio nutritivo
e fertilizante daquela decomposição geral.
Sentíamos perfeitamente o misterioso
trabalho de revisceração
que se travava dentro de nós;
sentíamos o sangue enriquecer de fluídos vitais e ativar-se nos nossos
vasos, circulando vertiginosamente a martelar por todo o corpo.
Nosso organismo transformava-
se num laboratório, revolucionado por uma chusma de demônios.
E nossos músculos
robusteceram-se por encanto,
e os nossos
membros avultaram num contínuo desenvolvimento. E
sentimos crescer os
ossos, e sentimos
a medula pulular engrossando e
aumentando dentro deles.
E sentimos as
nossas mãos e
os nossos pés tornarem-se fortes, como os de um
gigante; e as nossas pernas encorparem, mais consistentes e mais ágeis; e os
nossos braços se estenderem maciços e poderosos.
E todo o nosso sistema muscular se desenvolveu de súbito, em
prejuízo do sistema nervoso que se
amesquinhava
progressivamente.
Fizemo-nos hercúleos, de
uma pujança de
animais ferozes, sentindo-nos capazes cada qual de afrontar impávidos
todos os elementos do globo e todas as lutas pela vida física.
Depois de apalpar-me surpreso, tateei o pescoço, o tronco e os
quadris de Laura. Parecia-me ter debaixo das minhas mãos de gigante a estátua
colossal de uma deusa pagã. Seus peitos eram fecundos e opulentos; suas
ilhargas cheias e grossas como as de um animal bravio.
E assim refeitos pusemo-nos
a andar familiarmente naquele lodo,
como se fôramos criados nele. Também já não
podíamos ficar um instante no mesmo
lugar, inativos; uma irresistível necessidade de exercício
arrastava-nos, a despeito da nossa vontade, agora fraca e mal segura. E, quanto
mais se nos
embrutecia o cérebro,
tanto mais os
nossos membros reclamavam atividade e
ação; sentíamos gosto
em correr, correr
muito, cabriolando por
ali a fora,
e sentíamos ímpetos de lutar, de vencer, de dominar alguém com a nossa
força.
Laura atirava-se contra mim, numa carícia selvagem e pletórica,
apanhando-me a boca com os seus lábios fortes de mulher irracional e
estreitando-se comigo sensualmente, a morder-me os ombros e os braços.
E lá íamos inseparáveis naquela nossa nova maneira de existir, sem
memória de outra vida, amando-nos
com toda a força
dos nossos impulsos;
para sempre esquecidos
um no outro, como os dois últimos parasitas do
cadáver de um mundo.
Certa vez, de surpresa, nossos olhos tiveram a alegria de ver.
Uma enorme e difusa claridade fosforescente estendia-se defronte
de nós, a perder de vista. Era o mar.
Estava morto e quieto.
Um triste mar, sem ondas e sem soluços, chumbado à terra na sua
profunda imobilidade de orgulhoso monstro abatido.
Fazia dó vê-lo assim, concentrado e mudo, saudoso das estrelas,
viúvo do luar. Sua grande alma branca, de antigo lutador, parecia debruçar-se
ainda sobre o resfriado cadáver daquelas águas silenciosas chorando as extintas
noites, claras e felizes, em que elas, como um bando de náiades alegres, vinham
aos saltos, tontas de alegria, quebrar na praia as suas risadas de prata.
Pobre mar! Pobre atleta! Nada mais lhe restava agora sobre o
plúmbeo dorso fosforescente do que
tristes esqueletos dos
últimos navios, ali
fincados, espetrais e
negros, como inúteis
e partidas cruzes de um velho cemitério abandonado.
X
Aproximamo-nos daquele pobre oceano morto. Tentei invadi-lo, mas
meus pés não acharam que distinguir entre sua fosforescente gelatina e a lama
negra da terra, tudo era igualmente lodo.
Laura conservava-se imóvel como que aterrada defronte do imenso
cadáver luminoso. Agora, assim contra a embaciada lâmina das águas, nossos
perfis se destacavam tão bem, como, ao longe, se destacavam as ruínas dos
navios. Já nos não recordávamos da nossa intenção de afogar-nos juntos. Com um
gesto chamei-a para meu lado. Laura, sem dar um passo, encarou-me com espanto,
estranhando-me. Tornei a chamá-la; não veio.
Fui ter então com ela; ao ver-me, porém, aproximar, deu medrosa um
ligeiro salto para trás e pôs-se a correr pela extensão da praia, como se
fugisse a um monstro desconhecido.
Precipitei-me também, para
alcançá-la. Vendo-se perseguida,
atirou-se ao chão,
a galopar, quadrupedando que nem
um animal. Eu fiz o mesmo, e cousa singular!
notei que me sentia muito
mais à vontade
nessa posição de
quadrúpede do que
na minha natural
posição de homem.
Assim galopamos longo tempo à beira-mar; mas, percebendo que a
minha companheira me fugia assustada para o lado das trevas, tentei detê-la,
soltei um grito, soprando com toda a força o ar dos meus pulmões de gigante.
Nada mais consegui do que dar um ronco de besta; Laura, todavia respondeu
com outro. Corri
para ela e
os nossos berros
ferozes perderam-se longamente
por aquele mundo vazio e morto.
Alcancei-a por fim;
ela havia caído
por terra, prostrada
de fadiga. Deitei-me
ao seu lado, rosnando ofegante
de cansaço. Na
escuridão reconheceu-me logo;
tomou-me contra o seu
corpo e afagou-me instintivamente.
Quando resolvemos
continuar a nossa
peregrinação, foi de
quatro pés que
nos pusemos a andar ao lado um do outro, naturalmente sem
dar por isso.
Então meu corpo principiou a revestir-se de um pêlo espesso.
Apalpei as costas de Laura e observei que com ela acontecia a mesma cousa.
Assim era melhor, porque ficaríamos perfeitamente abrigados do
frio, que agora aumentava.
Depois, senti que os meus maxilares se dilatavam de modo estranho,
e que as minhas presas cresciam, tornando-se mais fortes, mais adequadas ao
ataque, e que, lentamente, se afastavam dos dentes queixais; e que meu crânio
se achatava; e que a parte inferior do meu rosto se alongava para a
frente, afilando como um
focinho de cão; e que meu nariz deixava de ser aquilino e perdia a
linha vertical, para acompanhar o alongamento da mandíbula; e que enfim as minhas
ventas se patenteavam, arregaçadas para o ar, úmidas e frias.
Laura, ao meu lado, sofria iguais transformações.
E notamos que, à medida que se nos apagavam uns restos de
inteligência e o nosso tato se perdia, apurava-se-nos o olfato de um modo admirável, tomando as proporções de um faro certeiro
e sutil, que alcançava léguas.
E galopávamos contentes ao lado um do outro, grunhindo e sorvendo
o ar, satisfeitos de existir assim. Agora, o fartum da terra encharcada e das
matérias em decomposição, longe de enjoar-nos, chamava-nos a vontade de comer.
E os meus bigodes, cujos fios se inteiriçavam como cerdas de porco, serviam-me
para sondar o caminho, porque as minhas mãos haviam afinal perdido de todo a
delicadeza do tato.
Já não me lembrava por melhor esforço que empregasse, uma só
palavra do meu idioma, como se eu nunca tivera falado. Agora, para entender-me
com Laura, era preciso uivar; e ela me respondia do mesmo modo.
Não conseguia também lembrar-me nitidamente de como fora o mundo
antes daquelas trevas e daquelas nossas metamorfoses, e até já me não recordava
bem de como tinha sido a minha própria fisionomia primitiva, nem a de Laura.
Entretanto, meu cérebro funcionava ainda, lá a seu modo, porque, afinal, tinha
eu consciência de que existia e preocupava-me em conservar junto de mim a minha
companheira, a quem agora só com os dentes afagava.
Quanto tempo se passou assim para nós, nesse estado de
irracionais, é o que não posso dizer; apenas sei que, sem saudades de outra
vida, trotando ao lado um do outro, percorríamos então o mundo
perfeitamente
familiarizados com a treva e com a lama,
esfocinhando no chão,
à procura de raízes,
que devorávamos com
prazer; e sei
que, ao sentir-nos
cansados, nos estendíamos por terra,
juntos e tranqüilos,
perfeitamente felizes, porque
não pensávamos e porque não sofríamos.
XI
De uma feita, porém, ao
levantar-me do chão, senti os pés trôpegos, pesados, e como que propensos a se
entranharem por ele. Apalpei-os e
encontrei as unhas moles
e abafadas, a despregarem-se. Laura, junto de mim, observou em si a
mesma cousa. Começamos logo a tirá-las com os dentes, sem experimentarmos a
menor dor; depois passamos a fazer o mesmo com as das
mãos; ás pontas
dos nossos dedos
logo que se
acharam despojadas das
unhas, transformaram-se numa espécie de ventosa do polvo, numas bocas de
sanguessuga, que se dilatavam e contraíam incessantemente, sorvendo gulosas o
ar e a umidade. Começaram-nos os
pés a radiar
em longos e
ávidos tentáculos de
pólipo; e os
seus filamentos e
as suas radículas eminhocaram
pelo lodo fresco do chão, procurando sôfregos internar-se bem na terra, para ir
lá dentro beber-lhes
o húmus azotado
e nutriente; enquanto
os dedos das
mãos esgalhavam, um a um, ganhando pelo espaço e chupando o ar voluptuosamente
pelos seus respiradouros, fossando e fungando, irrequietos e morosos, como
trombas de elefante.
Desesperado, ergui-me em
toda a minha
colossal estatura de
gigante e sacudi
os braços, tentando dar um
arranco, para soltar-me do solo. Foi inútil. Nem só não consegui despregar meus
pés enraizados no chão, como fiquei de mãos atira das para o alto, numa postura
mística como arrebatado num êxtase religioso, imóvel. Laura, igualmente presa à
terra, ergueu-se rente comigo, peito a peito, entrelaçando nos meus seus braços
esgalhados e procurando unir sua boca à minha boca.
E assim nos quedamos para sempre, aí plantados e seguros, sem
nunca mais nos soltarmos um do outro, nem mais podermos mover com os nossos
duros membros contraídos. E, pouco a pouco, nossos cabelos e nossos pêlos se
nos foram desprendendo e caindo lentamente pelo corpo abaixo. E cada poro que
eles deixavam era um novo respiradouro que se abria para beber a noite
tenebrosa. Então sentimos que o nosso sangue ia-se a mais e mais se arrefecendo
e desfibrinando, até ficar de todo transformado numa seiva linfática e fria.
Nossa medula começou a endurecer e revestir-se de camadas lenhosas, que
substituíam os ossos e os músculos; e nós fomos surdamente nos lignificando,
nos encascando, a fazer-nos fibrosos desde o tronco até às hastes e às
estipulas.
E os nossos pés, num misterioso trabalho subterrâneo, continuavam
a lançar pelas entranhas da terra as
suas longas e
insaciáveis raízes; e
os dedos das nossas mãos
continuavam a multiplicar-se, a
crescer e a esfolhar, como galhos de uma árvore que reverdece. Nossos olhos desfizeram-se
em goma espessa e escorreram-nos pela crosta da cara, secando depois como resina;
e das suas órbitas vazias começavam a brotar muitos rebentões
viçosos. Os dentes despregaram-se, um por um, caindo de per si, e as
nossas bocas murcharam-se inúteis, vindo, tanto delas, como de nossas ventas já
sem faro, novas vergônteas e renovos que abriam novas folhas e novas brácteas.
E agora só por estas e pelas extensas raízes de nossos pés é que nos alimentávamos
para viver.
E vivíamos.
Uma existência tranqüila, doce, profundamente feliz, em que não
havia desejos, nem saudades; uma vida imperturbável e surda, em que os nossos braços
iam por si mesmos se estendendo preguiçosamente para o céu, a reproduzirem
novos galhos donde outros rebentavam, cada vez mais copados
e verdejantes. Ao
passo que as
nossas pernas, entrelaçadas
num só caule, cresciam e engrossavam, cobertas de
armaduras corticais, fazendo-se imponentes e nodosas, como os estalados troncos
desses velhos gigantes das florestas primitivas.
XII
Quietos e abraçados
na nossa silenciosa
felicidade, bebendo longamente
aquela inabalável noite, em cujo
ventre dormiam mortas as estrelas, que nós dantes tantas vezes contemplávamos embevecidos
e amorosos, crescemos juntos e juntos estendemos os nossos ramos e as nossas raízes,
não sei por quanto tempo.
Não sei também se demos flor ou se demos frutos; tenho apenas
consciência de que depois, muito depois, uma nova imobilidade, ainda mais
profunda, veio enrijar-nos de todo. E sei que as nossas fibras e os nossos
tecidos endureceram a ponto de cortar a circulação dos fluidos que nos nutriam;
e que o nosso polposo âmago e a nossa medula se foi alcalinando, até de todo se
converter em grés siliciosa e calcária; e que afinal fomos perdendo
gradualmente a natureza de matéria orgânica para assumirmos os caracteres do
mineral.
Nossos gigantescos membros agora completamente desprovidos da sua
folhagem, contraíram-se hirtos, sufocando os nossos poros; e nós dois, sempre
abraçados, nos inteiriçamos numa só mole informe, sonora e maciça, onde as
nossas veias primitivas, já secas e tolhidas, formavam sulcos ferruginosos,
feitos como que do nosso velho sangue petrificado.
E, século a século, a sensibilidade foi-se-nos perdendo numa
sombria indiferença de rocha. E, século a século, fomos de grés, de cisto, ao
supremo estado de cristalização.
E vivemos, vivemos, e vivemos, até que a lama que nos cercava
principiou a dissolver-se numa substância líquida, que tendia a fazer-se gasosa
e a desagregar-se, perdendo o seu centro de equilíbrio; uma gaseificação geral,
como devia ter sido antes do primeiro matrimônio entre as duas primeiras
moléculas que se encontraram e se uniram e se fecundaram, para começar a interminável
cadeia da vida, desde o ar atmosférico até ao sílex, desde o eozoon até ao
bípede.
E oscilamos indolentemente naquele oceano fluido.
Mas, por fim, sentimos faltar-nos o apoio, e resvalamos no vácuo,
e precipitamo-nos pelo éter.
E, abraçados a princípio, soltamo-nos depois e começamos a
percorrer o firmamento, girando em volta um do outro, como um casal de estrelas
errantes e amorosas, que vão espaço a fora em busca do ideal.
Ora fica aí leitor paciente, nessa dúzia de capítulos
desenxabidos, o que eu, naquela maldita noite de insônia, escrevi no meu quarto
de rapaz solteiro, esperando que Sua Alteza, o Sol, se dignasse de abrir a sua
audiência matutina com os pássaros e com as flores.
---Nota:
Aluísio Azevedo: "Demônios" (1893)
---Nota:
Aluísio Azevedo: "Demônios" (1893)
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