Meteu-se em cabeça do pobre Raposo que havia de ser o marido da
senhorita Ernestina Soares, e verdade, verdade, ele tinha por si os pais da
moça, que o sabiam possuidor de
um bom número
de prédios e
apólices e viam
na sua pessoa o ideal dos
genros.
A senhorita não era da mesma opinião, em primeiro lugar porque
gostava muito do primo Enéias, que não tinha apólices nem prédios, mas era um
bonito rapaz e um mimoso poeta e, em segundo lugar, porque o Raposo, coitado!,
pesava nada menos de cento
e vinte quilogramas, isto
é, tinha uma
pança que o incompatibilizava absolutamente com um
ideal de moça.
O Soares - honra lhe seja!
- não era homem que obrigasse a filha a casar-se contra a
vontade; entretanto, procurou
convencê-la de que
a corpulência do Raposo não era um pecado nem um delito,
nem uma vergonha, e melhor vida teria ela em companhia dele que na do primo
Enéias, um troca-tintas que não valia dois caracóis.
- Não, papai! mil vezes não! Exija de mim tudo quanto quiser,
menos que eu me case com uma barriga daquelas!
O Soares, que
tinha as suas
leituras, apontou à
filha o exemplo
de muitos homens ilustres que
foram grande barrigudos, mas tudo em vão: decididamente a pequena estava
enrabichada pelo primo Enéias.
O mais que o velho obteve foi fazer com que a filha recebesse, em
companhia dos pais, a visita do Raposo.
- Tu não o conheces! Olha que é um homem de espírito e um
cavalheiro de fina educação! Isso de
mais barriga ou
menos barriga não
quer dizer nada!
Vou convidá-lo para vir tomar uma noite dessas uma xícara de chá em
nossa casa. Durante a sua visita examiná-lo-ás de perto. Quem sabe? Talvez se
modifiquem as tuas impressões.
Se não se
modificarem, paciência -
casa-te com quem quiseres e sê pobre à tua vontade!
Na noite aprazada
o landau do Raposo
conduziu-lhe a pança até à
casa do Soares, e o capitalista foi
recebido com muita amabilidade por toda a família.
Ele sentou-se em uma delicada cadeira de braços em que parecia não
caber, e durante uma hora falou da sua vida, das suas viagens, das suas
aventuras por esse mundo a fora com tanta loquacidade, com tanta graça, com
tanta verve, que efetivamente a
senhorita esqueceu-se de que ele era gordo e começou a achá-lo simpático.
No fim daquela
hora o primo Enéias
estava quase esquecido; mas vejam
os leitores de que depende, às vezes, o destino de um homem: quando,
convidado a passar à sala de jantar, onde estava servido o chá, Raposo se
ergueu, ergueu consigo a cadeira que ficou apertada entre os seus quadris,
extraordinariamente dilatados por um largo repouso.
O desgraçado forcejou
para arrancar a
cadeira e não
conseguiu. O Soares aproximou-se dele e começou a puxá-la
com toda a força, enquanto o Raposo, curvado, agarrava-se ao umbral de uma
porta como a um ponto de apoio.
Também o Soares não conseguiu tirar o pobre Raposo daquela prisão.
- Não puxe! não puxe mais! - gritou ele. - Olhe que quebra!...
E, agachado, esgueirou-se pela escada abaixo, sem se despedir de
ninguém, levando consigo a cadeira.
A porta esperava-o
o landau onde ele
entrou, calculem com
que dificuldade, gritando ao
cocheiro que o
levasse à casa,
enquanto alguns transeuntes, espantados, riam às gargalhadas
vendo aquele barrigudo, no carro, de gatinhas, com os largos quadris
comprimidos entre os braços de uma cadeira.
A senhorita, desde que o Raposo se ergueu até que o viu entrar no
landau, riu tanto, tanto, que foi preciso desapertar-lhe o colete.
Uma hora depois um criado restituía ao Soares a maldita cadeira.
Naquela casa nunca mais se falou no Raposo.
A senhorita
continua a namorar
o primo Enéias,
que está à
espera de um emprego no Povoamento do Solo para se
poder casar.
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Nota:
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
Texto-fonte: Arthur Azevedo: Contos Diversos. Data não identificada
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