segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Reynaldo Valinho Alvarez: "5 Poemas"

A CHUVA QUE NÃO CESSA É QUE O PREPARA

A chuva que não cessa é que o prepara
para a viscosa lama que há nas covas,
enquanto vai, dos montes, às corcovas,
em busca de uma vida estranha e rara,
estimando os pardais e até a cara
imagem que descobre em coisas novas,
qual um peixe que põe as suas ovas
nas quietas águas de uma enseada clara,
e assim segue ele a crer-se invicto e forte,
no caminho do sul, buscando o norte,
muito certo de tudo, mas no engano
em que vão todos, até revelar-se
que a cova vil é a última catarse
desse mar de paixões, o ser humano.


UIVAM LOBOS ATÉ QUE CHEGUE A AURORA

Uivam lobos até que chegue a aurora,
entre árvores sombrias, em ignotos
cimos selvagens, nos rincões remotos,
mais para lá, onde a saudade mora.
Enquanto a noite, entre soluços, chora,
os maltrapilhos fogem. Vão, devotos,
cheios de medo, a murmurar seus votos
de que não sofram nenhum mal nessa hora.
Mude-se o olhar agora para as ruas
sem lobos pelas noites, mas de cruas
explosões de uma raiva que assassina.
Eis aqui a colheita de perigos:
são todos a fugir, não só mendigos.
Mais que o lobo, é o homem que extermina.



AS NEGRAS TUMBAS DE HOJE SÃO AS LEIRAS

As negras tumbas de hoje são as leiras
que hão de mostrar-se verdes amanhã.
O dia estende a mão à sua irmã,
a noite, em seu viajar de asas ligeiras.
As palavras noturnas, verdadeiras,
já não o serão mais pela manhã.
Quem faz não fará mais, é coisa vã,
fechada a porta muda nas soleiras.
Maior do que os caprichos de alguns poucos
será o anseio dos ouvidos moucos,
cansados de esperar em dias idos.
Tal como existe a noite em cada cova,
sempre haverá a aurora, rosa e nova,
germinando nos olhos dos caídos.



NÃO PERGUNTEIS AOS QUE ANDAM NO CAMINHO

Não pergunteis aos que andam no caminho
por que se foram cedo de suas casas
e andam agora a suportar as brasas
de um martírio cruel, rude e mesquinho.
Antes deveis deixar de lado o vinho
e olhar bem dentro dessas almas rasas,
que se arrastam na rua, aves sem asas,
à procura de um pouco de carinho.
Desde a aurora, a chorar. Até a noite
não há, para ajudá-las, quem se afoite
e infortunadas vão, tão infelizes.
Eis aí quanto horror há nessas vidas,
a matar-se entre si, enlouquecidas,
reabrindo as fechadas cicatrizes.


ESSE PASSAR DO TEMPO, ESSA MISÉRIA

Esse passar do tempo, essa miséria
dos dias submergidos, essas horas
que escorrem devagar, essas auroras,
o amanhecer tardio, essa matéria
feita de lodo e espuma, essa bactéria
no mais fundo do estômago, essas floras
de flores más, fanadas e inodoras,
o sangue derramado pela artéria,
todas as coisas que o caruncho come,
mais o mal dentro do homem, qual a fome,
vertendo-se nas taças do ódio fero,
revelam cada um vivendo um drama,
desde que o pare a mãe em sua cama
até que veja em si não mais que um zero.

 


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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Outubro-Novembro-Dezembro 2008 - Ano XV - Nº 57

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