segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Sônia Sales: "5 Poemas"

DEUS

Deus
Leva-me ao cume da montanha
Para que eu tenha uma visão mágica da natureza
e volte com as mãos repletas de flores.
Mostra-me a Tua vontade
Onde a felicidade ainda existe.

Deus
Entende minhas carências e o meu refúgio
Cruza a tênue linha da vida
Em cada momento, a cada sol
acende a chama da virtude
na alma que me deste

Deus
Quero ouvir o Teu chamado
Comer a Tua ceia.
E quando chegar a hora da luz
e da verdade, ao som de violinos
dormirei a Teus pés.


SONHOS ROUBADOS

Cai a máscara.
Sem horizonte, a solidão
é o oráculo nesta cidade que
não mais conheço.
O sol esboroa-se refletido nas
vidraças empoeiradas.
Tremulam sombras esculpidas
na geometria do concreto.
Homens armados, carros blindados,
guarda-costas atentos.
Cristos em sangue.
O asfalto repleto de tradições
pactuando com a realidade virtual.
As imagens do computador
mostram corações de vidro
e a ferocidade de suas derrotas.
Criaturas sem face clamam por
liberdade.
Crianças reclamam
a devolução dos seus sonhos.


HORA DA VERDADE

As tristezas se acumulam
as dívidas também.
A hora da verdade
Não é a do dia
Enquanto o sol
jorra pela janela.
É de madrugada
Quando acordada me levanto
e a Besta está solta.
A ela me revelo.
Tanto é o medo do perjúrio
que estremeço enquanto outros
acham graça.
Indiferentes, não se alarmam
com as guerras alheias
com as nossas guerras

com os nossos mortos.
Burguesia apática
Zumbis a contar dólares.
Esquálidas crianças nos
olham através da tela.
Todos os dias, todas as noites
enquanto seus corpos apodrecem
nas estradas
olhos esbugalhados
a camarilha persegue o ouro
aviltando com a cobiça
o funeral da fome.

A lama escorre nas rasas
sepulturas. As carpideiras
não choram mais.
Não há mais sangue para os vampiros.
Mas eles persistem, escondendo
os dólares, enquanto
crianças famintas nos olham
através da tela
todos os dias, todas as noites.
E nós, poderosas criaturas, nos
refestelamos com iguarias
enquanto elas morrem
de fome.

MEDITAÇÃO

No lodo do rio
talhado com o sangue dos infiéis
naves contraditórias descem na correnteza
procurando certezas
que só Deus nos pode dar

Como o lótus nascido no silêncio
o monge medita as transições da lua,
a transparência do vidro,
o silêncio,
o nada ser para alcançar o sempre.
Sentindo que sem esperança do eterno
não há o sentido da vida.
Sem o saber do infinito
não há para que uma alma.


AUTO-RETRATO

Manequim de madeira
carcomido
empoeirado
esquecido no canto
como velhas lembranças.
Manequim articulado
num eterno abraço
coração vazado, sorriso
sem alma.

O sótão é seu abrigo
o silêncio, seu amigo
um girassol, seu amor.

Manequim abandonado
que da sorte se
perdeu.

Sou eu.




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Fonte:-
Revista Brasileira: Fase VII - Outubro-Novembro-Dezembro 2007 - Ano XIII - Nº 53

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