ABRIL
Quero tudo em
abril
o que é doce e
juvenil
na mão de uma
menina
em breve alucina
é o amor que se
declara
presença matutina
em quem antes não
amara
Quero amar em
abril
mais do que em
março
assim a voz da
paixão
é onde coloco o
abraço
Quero tudo em
abril
o sonho vem logo
abrir
o que em mim era
pueril
para o canto
fazer-se ouvir
entre as ruas da
cidade
Quero tudo em
abril
do feliz
aniversário
ao amor ordinário
da namorada
cheirosa
que seja rosa e
morada
luz aberta na
madrugada
Quero tudo em
abril
as formas de ser
gentil
o que nunca é
servil
o que serve só ao
Brasil
toda a rima em il
que nunca será
febril
pois nunca é noite
em abril
DEZEMBRO
Dezembro é pura
lembrança
um brinquedo
quebrado
em nossos velhos
sapatos
traz de volta a
criança
que dança, dança,
dança
senhora de nossos
atos
Dezembro é pura
lembrança
um menino foge de
casa
mistura-se ao
destino dos ciganos
ao de um pássaro
sem asas
que vaza na noite
seu vôo cego
Dezembro é pura
lembrança
os presentes são
anunciados
e se iluminam as
esperanças
o que era perdido
ou extraviado
sonho antigo de
infância
tira dos corações
a distância
Dezembro é pura
lembrança
ocupa todo o tempo
da andança
o que era pobre se
faz brilho
veloz na noite
natalina
que em sons e
sonhos alucina
o afeto do pai ou
do filho
Dezembro é pura
lembrança
pedaços de nós
batem no sino
o silvo de um Deus
pequenino
que se apieda e
nos perdoa
A alegria bate na
alma do menino
que somos no
dezembro natalino
POÉTICA BRAVA
A Guilhermino Cesar
O poema é o
sistema
onde a palavra
grava o conteúdo
grave o feroz de
tudo
grava o que não
tem
princípio ou
término
e só finda num
fundo
de olho
onde a vida é um
retrato
transparente da
verdade
O poema não tem
dilema
entre um susto e
outro
sobrepõe-se por
camadas de
som
é um potro vidente
armado até os
dentes
da fúria doce da
imagem
PEQUENA ELEGIA PARA MAIS UMA ESPERANÇA
Chegarás sempre na
última palavra
na tarde noturna
do desejo
onde a paixão se
recolhe
e deposita até os
fantasmas
febris do
desespero
Chegarás na bruma
das sílabas
sonoras do amor
o ar sonando no
sonho
como uma nuvem que
se perdeu
e fica boiando no
horizonte
Chegarás como a
sombra
quente do sol
esquecida no adeus
Chegarás para
dizer
que o amor
revela-se
à luz noturna das
palavras
RETINA DO OFÍCIO
A Antônio Hohlfeldt
Não trabalho a
palavra
temperada ao vão
ofício
de cozê-la ao zelo
maior
do jogo formal
trabalho-a como a
madeira
onde fixo cepilho
plaina e lixa
e que nela se
perca
a condição central
de madeira
que a mão torna em
utensílio
doméstico: cama
mesa cadeira
trabalho-a pela
retina
dolorosa destes
dias
cheia de mortos
e tempero essa
palavra
com o gosto que a
vida
empresta ao tempo
incinerando o medo
a angústia
o mofo da
lembrança
o espelho sem
brilho dos fantasmas
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http://luizdemiranda.wordpress.com
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