DE PROFUNDIS
CLAMAVI
Desse profundo
horror, de esplêndida memória,
ouve, Senhor, o
brado unânime e maldito
que aos céus,
vibrando, sobe! Ouve o sinistro grito
que é toda a
angústia humana e toda a humana glória!
Ouve o que diz a
boca exangue e merencória,
de amor gemendo! E
o lábio ardente do precito
que em vão
interrogou a sombra do infinito!
E o que sorveu,
calado, a lágrima ilusória!
Ouve, Deus de
Sinai que tens o raio ao seio!
Nós clamamos a ti
pelos perdões supremos
pela suprema paz
ao nosso eterno anseio!
E queremos saber
por que nos torturamos!
E clamamos a ti do
Éden em que sofremos!
E clamamos a ti do
Inferno em que gozamos!
SOB OS TEUS OLHOS SEM LÁGRIMA
Une rose Dan lês ténèbres
Stéphane Mallarmé
Não porque a
noite, de astros pura,
traga ao meu riso
este ar dolente
de um trovador
convalescente,
lembro-te, calmo e
sem tortura.
Mas, porque à luz
que se transfigura
constantemente,
eternamente,
esta paisagem da
alma ardente,
outra surgiu mais
lenta e obscura.
Outra surgiu que
mostra em cada
canto uma planta
misteriosa,
um lírio negro,
uma flor tristonha:
E esta dor mortal
e sagrada
que floresceu,
como uma rosa,
da mais profunda
do meu sonho!
NOVILÚNIO
Novilúnio de
outubro. É primavera. Sente!
Que silêncio! Não
move uma só brisa. Odor
a jasmins. Larga e
verde, a água-morta jazente.
Nela ao fundo
azulado o céu. Nenhum rumor.
São como aparições
as árvores. Que mágoa,
a destes
salgueiros! Ó vastas solidões!
Pânica encenação
da sombra à beira d´água
que reflete ao
luar a copa dos chorões!
Desfaz-se a mancha
azul do cerro que se obumbra.
E eis que, a
espátula, a treva o quadro singular
pinta: e por tudo
cria efeitos de penumbra...
ouve-se o coração
das cousas palpitar.
Nada turba
entretanto a música divina
do silêncio, nem
mesmo a orvalhada a cair
da altura e a
marejar duma geada fina
e límpida os
botões das rosas por abrir.
Novilúnio de
outubro. É primavera. Sente:
que aroma, o dos
jasmins! Dorme tudo ao redor.
Nenhum rumor que
se ouça — o dos sapos somente
que faz mais calma
a noite e o silêncio maior.
DESEJO
Desejo, desejo
vago
de ser a tarde que
expira,
ser o salgueiro do
lago,
onde a aragem mal
respira.
Ser a andorinha
que voa
e vai, ser o
último raio
de sol... e o sino
que soa.
Ser o frescor do
ar de maio.
Ser o eco da voz
distante
que além se
extingue dolente
ou essa folha que,
errante
ao vento, cai
dormente...
Ser o reflexo
disperso
dum ramo n'água
pendido,
fluído e belo como
um verso
que cante mas sem
sentido!
Ser o silêncio,
esta calma.
Breve momento
impreciso.
Ser um pouco da
tua alma...
um pouco do teu
sorriso.
POENTE LAGUNAR
Sopra o vento
frio...
Sopra o vento sul.
Brilha o céu azul
como um céu de
estio.
Per de a relva a
cor,
seca, amarelece.
Da luz, que
esmaece,
mal fica o palor.
Bate agora um
sino.
Vibram ondas no
ar...
Não tarde o luar
e o céu é divino.
Nuvens de marfim,
ouro, cinza e
rosa.
E a orla sinuosa
do horizonte, ao
fim.
Último poente.
Sem sofrer, sutil,
agoniza abril
catolicamente.
Por flores,
lilás...
Um responso – a
calma...
Não há formas: há
alma...
Baixa a noite, e a
paz.
No silêncio,
quando
subir o luar,
águas a brilhar...
Sombras sonhando!
Vão-se as aves...
Tem
uma estrela a
altura,
que, só,
refulgura.
Breve, a noite
vem.
Uma asa flutua,
há como um
clarão...
E os charcos estão
à espera da lua.
No silêncio,
quando
subir o luar,
águas a brilhar!
Sombras
caminhando...
Vão-se as aves.
Tem
uma estrela a
altura
que, só,
refulgura...
Breve, a noite
vem.
Uma asa flutua.
Há como um
clarão...
E os charcos estão
à espera da lua.
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