BEM NO FUNDO
No fundo, no
fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos
problemas
resolvidos por
decreto
a partir desta
data,
aquela mágoa sem
remédio
é considerada nula
e sobre ela —
silêncio perpétuo
extinto por lei
todo o remorso,
maldito seja quem
olhar pra trás,
lá pra trás não há
nada,
e nada mais
mas problemas não
se resolvem,
problemas têm
família grande,
e aos domingos
saem todos a
passear
o problema, sua
senhora
e outros pequenos
probleminhas.
DOR ELEGANTE
Um homem com uma
dor
É muito mais
elegante
Caminha assim de
lado
Com se chegando
atrasado
Chegasse mais
adiante
Carrega o peso da
dor
Como se portasse
medalhas
Uma coroa, um
milhão de dólares
Ou coisa que os
valha
Ópios, édens,
analgésicos
Não me toquem
nesse dor
Ela é tudo o que
me sobra
Sofrer vai ser a
minha última obra
INVERNÁCULO
Esta língua não é
minha,
qualquer um
percebe.
Quem sabe maldigo
mentiras,
vai ver que só
minto verdades.
Assim me falo, eu,
mínima,
quem sabe, eu
sinto, mal sabe.
Esta não é minha
língua.
A língua que eu
falo trava
uma canção
longínqua,
a voz, além, nem
palavra.
O dialeto que se
usa
à margem esquerda
da frase,
eis a fala que me
lusa,
eu, meio, eu
dentro, eu, quase.
PARADA CARDÍACA
Essa minha secura
essa falta de
sentimento
não tem ninguém
que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que
sinto.
Sinto muito,
sentir é muito
lento.
RAZÃO DE SER
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque
preciso,
preciso porque
estou tonto.
Ninguém tem nada
com isso.
Escrevo porque
amanhece,
E as estrelas lá
no céu
Lembram letras no
papel,
Quando o poema me
anoitece.
A aranha tece
teias.
O peixe beija e
morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por
quê?
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