A RUA DOS CATAVENTOS
Da vez primeira em
que me assassinaram,
Perdi um jeito de
sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez
que me mataram,
Foram levando
qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu
cadáveres eu sou
O mais desnudo, o
que não tem mais nada.
Arde um toco de
Vela amarelada,
Como único bem que
me ficou.
Vinde! Corvos,
chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão
avaramente adunca
Não haverão de
arrancar a luz sagrada!
Aves da noite!
Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula
e triste como um ai,
A luz de um morto
não se apaga nunca!
SEGUNDA CANÇÃO DE MUITO LONGE
Havia um corredor
que fazia cotovelo:
Um mistério
encanando com outro mistério, no escuro…
Mas vamos fechar
os olhos
E pensar numa
outra cousa…
Vamos ouvir o
ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água
fresca e profunda.
Havia no arco do
algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos
debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as
palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro,
uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos,
o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira
enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas…
Havia todos os
ruídos, todas as vozes daqueles tempos…
As lindas e
absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das
chaleiras…
Onde andará agora
o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava
nunca?
A pobre não chegou
a terminar o Toutinegra do Moinho,
Que saía em
folhetim no Correio do Povo!…
A última vez que a
vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida,
pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se
voltou para trás!
ESPERANÇA
Lá bem no alto do
décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca
chamada Esperança
E ela pensa que
quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os
reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso
voo!
Ela será
encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela
indagará o povo:
— Como é teu nome,
meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso
dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem
devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é
ES-PE-RAN-ÇA…
ENVELHECER
Antes, todos os
caminhos iam.
Agora todos os
caminhos vêm
A casa é
acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo
o chá para os fantasmas.
OS POEMAS
Os poemas são
pássaros que chegam
não se sabe de
onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o
livro, eles alçam voo
como de um
alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um
instante em cada par de mãos
e partem. E olhas,
então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado
espanto de saberes
que o alimento
deles já estava em ti…
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